Por Padre José Maia
maia@paroquia-areosa.pt
Em entrevista publicada no anterior número do SOLIDARIEDADE, o Ministro Bagão Félix confessou ser sua intenção pedagógica semear inquietude nas IPSS e nas suas práticas de acção social e solidariedade.
Do que conheço deste Ministro, as suas palavras são para levar a sério, apesar de pronunciadas num tom aparentemente simbólico e sereno.
Fez sempre parte da cultura das IPSS aceitar os desafios, reconhecer erros ou omissões quando acontecem no seu “fazer social”, propor com franqueza e de forma construtiva os seus pontos de vista, apoiar políticas, quando com elas concordam, manifestar discordância quando elas existem.
É por isso de saudar o Dr. Bagão Félix e aceitarmos o seu desafio para um “debate sobre inquietudes”, na esperança de podermos, desta forma, promover neste jornal da CNIS, um alargado debate social sobre o país e as políticas sociais do Governo
Para começar: “abandono escolar”.
Há muito tempo que a comunicação social tem confrontado a sociedade portuguesa com o drama do abandono escolar, por parte de adolescentes e jovens, em números assustadores!
Com efeito, ao sentirmo-nos todos interpelados por uma percentagem de abandono escolar na ordem dos 45%, é caso para nos interrogarmos: se esses jovens em casa não ficam, à escola não vão, onde é que eles estão?
Esta inquietude é para nós socialmente interpeladora, na medida em que revela que a pedagogia da “inclusão” que deveria conduzir à “inserção social”, está a servir de “viveiro” de exclusões e caminho para tentadoras marginalidades e comportamentos desviantes que retiram ao “capital humano mais jovem do país” a oportunidade de se preparar para viver e ajudar a construir o nosso futuro colectivo!.
Em recente visita presidencial pelo país, o Dr. Jorge Sampaio fez suas estas preocupações, tornando-se eco desta interpelação dos jovens de Portugal à Pátria que os tem como cidadãos e que tem o dever de lhes garantir o acesso ao direito de igualdade de oportunidades, a partir da sua diferença, uma vez que não é supostamente normal que tanta gente abandone a escola, a não ser por falta de adaptação a um lugar que, por vocação, deveria merecer uma melhor imagem e ser considerado como um espaço de aprendizagem, de convivência com os amigos, de felicidade.
Há muito que se deveria ter compreendido que urge dar o salto, passando-se de uma pedagogia centrada na “transmissão do saber” para uma pedagogia de “ensinar a aprender”!
Ficamos apreensivos ao ver que o Ministério da Educação, em vez de privilegiar um diálogo político com os partidos da oposição para verter numa nova lei de bases do sistema educativo uma nova “filosofia para a escola do século XXI”, se tem deixar envolver em questões menores que lhe têm retirado campo de manobra para grandes e ousadas reformas políticas. Claro que, para haver diálogo, é preciso que a oposição se preste a isso... O que não parece fácil! E é pena, até porque o actual Ministro da Educação tem revelado uma percepção ajustada dos problemas da educação!
Falando em “abandono escolar”, a inquietude aqui manifestada relativamente às responsabilidades do Ministério da Educação, é extensiva ao Ministério da Segurança Social e Trabalho, uma vez que da articulação entre os dois Ministérios, desde a creche e educação pré-escolar até aos tempos livres, à falta de ensino profissionalizante e ao desemprego de mais de 12 mil licenciados, dependeria uma inversão que urge ir fazendo nas práticas sócio-educativas junto da infância e juventude.
Pensando bem, a pedagogia da inquietude pode ser uma rica oportunidade para o diálogo social com o Governo. Vamos a isso!
Solidariedade, Junho de 2004
Não há inqueritos válidos.