ALBERTO RAMALHEIRA

O mutualismo não concorre no mercado

Promover a solidariedade (interessada) entre os seus associados é o principal objectivo das associações mutualistas, que têm na União das Mutualidades Portuguesas (UMP) a sua associação de grau superior, que promove a organização, a defesa, o desenvolvimento, a cultura e as práticas da ajuda mútua e tem ainda a incumbência de representação do Movimento Mutualista. Por outro lado, a UMP promove a difusão do mutualismo num contexto de Economia Social, representa as associações mutualistas e define as orientações estratégicas e as linhas gerais do movimento, tanto no âmbito estatutário, como por força de ser parceira no Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social.

Emergindo da sociedade civil ainda no século XIX – a Montepio Geral Associação Mutualista, a maior e das mais conhecidas, actualmente, com quase meio milhão de associados, foi fundada em 1840 –, o Movimento Mutualista em Portugal já concentrou cerca de 700 associações, fixando-se o seu número actualmente em cerca de 100.
Nascido e criado no seio de um conjunto de valores, de que ainda hoje defende e pratica, o Mutualismo não abdica de princípios como o profundo humanismo, a liberdade, a responsabilidade, a iniciativa e a criatividade, a gestão participativa e a democraticidade, cuja prática do princípio «um homem, um voto» (sem qualquer diferenciação pelo capital investido) é uma referência.

O enorme decréscimo no número de Associações Mutualista tem raízes históricas, mas demonstra, ao mesmo tempo, a importância destas instituições privadas de solidariedade social.
“O movimento mutualista é muito antigo, pois as famílias sempre procuraram, em regime de solidariedade, dar satisfação às suas necessidades, já que são elas quem as sente em primeira mão. E sentem que têm que as satisfazer e organizam-se elas próprias em ambiente familiar ou buscando solidariedade desde a vizinhança aos companheiros de trabalho”, começa por referir Alberto Ramalheira, presidente da UMP, recuando no tempo para melhor explicar o surgimento das mutualidades: “Começaram por incidir em necessidades ligadas ao proletariado, que tinha muitas dificuldades, inclusive, e isso explica a existência de muitas associações mutualistas ligadas aos serviços fúnebres, a questão da dignidade no enterramento das pessoas, mas também na previsão e na preparação para o futuro, na saúde, na velhice e na própria morte”.

Novos desafios

Num tempo em que o Estado Social não existia, a sociedade procurava dar respostas, através de associações de pessoas que se dispunham a dar satisfação a determinadas necessidades.
“A história dos Montepios é muito bonita, pois todos contribuíam para o monte que depois para quem para ele contribuiu possa, quando em necessidade, ir buscar não apenas aquilo que contribuiu, mas até um pouco mais. Estabelecia-se uma relação de ajuda mútua entre as pessoas associadas, numa espécie de solidariedade interessada”, sublinha o líder da União das Mutualidades.

Porém, com a implementação do Serviço Nacional de Saúde, dos sistemas complementares de reforma no regime da Segurança Social do Estado e a atribuição de subsídios aos funerais, as associações mutualistas perderam força, daí a drástica diminuição do seu número ao longo de quase dois séculos de história: “O mutualismo está dependente do voluntariado das pessoas, apesar de ser uma solidariedade interessada, necessita que as pessoas se disponham a tomar nas suas mãos as responsabilidades”.

No entanto, ainda hoje, o movimento mutualista tem uma larga implantação, proporcionando modalidades de ajuda mútua, no campo da saúde e no da segurança social complementar e, “mais modernamente, também se dedicam às obras sociais”, realça Alberto Ramalheira: “Nessa medida, e devido ao carácter não lucrativo, são consideradas IPSS, estendendo o seu apoio à infância, com creches e jardins-de-infância, aos idosos, com apoio domiciliário e lares, e no campo da saúde, em que tem dois hospitais, diversos serviços de consultas, num total de mais de 500 mil por ano, e 10 farmácias sociais e mais seis autorizadas. Ainda temos três Caixas Económicas, com o Montepio a ser a sexta instituição bancária do País”.

Pelo enterro digno e solidário

“Há três formas de se organizar as respostas sociais: a do mercado, a pública e a social. Bem, o mercado tem vindo a ser considerado o gerador das próprias crises, o Estado está em dificuldades e apertado por todos os lados, fica a Economia Social como a alternativa de esperança para as pessoas”, afirma o líder máximo das mutualidades portuguesas, reforçando a sua crítica a determinadas formas de encarar o sector: “Em relação aos serviços funerários tem havido uma luta grande com as agências funerárias que consideram as associações mutualistas como suas concorrentes. Não percebem nada da nossa realidade. Fizemos várias diligências junto dos vários partidos no Parlamento, porque houve uma tentativa de fazer regredir uma lei sobre os serviços funerários, obrigando-nos a fazer sociedades, a pagar impostos, etc… O movimento mutualista não é concorrente do mercado, até porque antes de haver mercado e agências funerárias e o Estado, havia as famílias e as associações de famílias”.
Alberto Ramalheira defende mesmo que o papel do mutualismo “é, de certa forma, de moderação do mercado, uma forma de controlar os apetites do mercado”.

A CNIS é um parceiro activo

Distinguindo a “solidariedade mais interessada, das cooperativas, das mutualidades e de algumas associações que apenas fazem serviços para os seus associados”, da “solidariedade gratuita e desinteressada da enorme quantidade de IPSS”, o presidente da UMP salienta a frutuosa parceria com a CNIS: “É um parceiro activo, sempre muito atento e com uma grande riqueza pela sua experiência, sensibilidade e valores e é a grande união das formas de resposta com base na gratuitidade. É, de facto, uma referência. Pode dizer-se que as Misericórdias também merecem a mesma consideração, mas a CNIS tem uma capilaridade superior a qualquer outra das famílias da Economia Social. Por isso, olhamos sempre com muito interesse as posições da CNIS e a nossa política é a de alinharmos com ela e sermos parceiros permanentes”.
Foi o que sucedeu nas negociações do Acordo de Cooperação para 2010, cujas “negociações foram difíceis e longas”.
“Este acordo foi difícil, porque quando não há dinheiro, há dificuldades inerentes a essa falta de dinheiro. Apesar de tudo, o Estado arranjou uma forma de dar garantia às instituições de manterem o seu equilíbrio financeiro, alargando os limites de comparticipação das famílias. Quando não há dinheiro pode haver mais compreensão, ternura, um certo mimo e carinho, e foi o que pedimos, que compreendessem melhor a nossa situação, dando-nos maior margem de manobra. E houve do Estado, de facto, a tentativa de compensar as IPSS”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2011-04-09



















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