MANUEL BRANDÃO ALVES

Há mais licenciados a recorrer ao microcrédito

Há uma alteração crescente no perfil dos candidatos ao microcrédito, com jovens licenciados a encontrarem neste instrumento financeiro a solução para o seu problema de empregabilidade. Criar o próprio emprego, e por vezes o de outros, através de um negócio próprio, com o apoio da Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC) tem sido o caminho encontrado por 1036 micro empresários (números desde 1999 até ao primeiro trimestre de 2012).
Está-se ainda longe dos rácios pretendidos na Conferência que reuniu instituições do microcrédito de todo o Mundo, e que apontavam para no novo Milénio trabalhar para reduzir a pobreza mundial em 20% com recurso ao microcrédito. Portugal tem cerca de dois milhões de pobres, pelo que a acção da ANDC está ainda longe do desejado, mas a questão tem problemas estruturais e, essencialmente, falta de mobilização da sociedade civil. Nesta conversa, Manuel Brandão Alves, presidente da Associação Nacional de Direito ao Crédito traça o retrato do microcrédito em Portugal, num momento em que se vive uma grave crise económica.

SOLIDARIEDADE – Como tem sido a evolução dos projectos creditados, em crescendo ou oscilante?

Brandão Alves – Tem tido uma razoável estabilidade. Até 2008 estava a crescer significativamente. Quando a Associação iniciou a sua actividade ajudou à criação de 67 projectos, mas em 2008 já tínhamos feito 220. A partir daí decaiu bastante, pelo que no final de 2010 tínhamos feito 153 e em 2011 já tínhamos subido para 164.

Neste momento que vivemos, com início em 2008, com um crescimento exponencial dos números do desemprego, o Microcrédito tem sido, de alguma forma, uma solução para a resolução ou atenuação desse problema?

Tem sido uma solução, essencialmente, para aqueles que decidem recorrer ao microcrédito. Aquilo que está subjacente à sua pergunta é saber em que medida o microcrédito é também uma solução em tempo de crise… Isto poderá ser posto de outra maneira, ou seja, qual é a actualidade deste projecto de microcrédito? Apetece-me dizer que o microcrédito tem uma dimensão intemporal, isto é, as pessoas tanto precisam do microcrédito em situações de expansão da economia, como em situações de recessão. Em primeiro lugar, em situações de expansão poder-se-ia ter a expectativa que as pessoas precisariam menos, mas isso não é verdade. E é assim porque as fases de crescimento da economia não se dão sem fazer estragos. Isto é, provoca também marginalidades e há muitas pessoas que vão saindo para situações que menos gostam e que recorrem ao microcrédito. E isto é assim em Portugal como noutros países. Nas situações de recessão há uma tendência para se pensar que é quando se está a intervir em força, mas também não é verdade. E isto é assim porque o microcrédito não é um instrumento de transferência de rendimentos para quem passou a ter rendimentos inferiores. Não, o microcrédito é um instrumento de apoio ao financiamento de pessoas que estão em situação de exclusão ou em vias de exclusão. E este apoio é entre aspas, porque é um empréstimo e, como tal, as pessoas têm que o reembolsar do primeiro ao último cêntimo. Agora, não é um instrumento capaz de dar resposta a todas as situações de exclusão, porque, em primeiro lugar, é para aquelas pessoas que têm vontade de criar uma empresa, depois, verificada essa condição inicial, não basta ter vontade, é necessário também saber que se é capaz, que se tem uma ideia, que se quer reunir aquilo que são as capacidades e competências aprendidas durante a vida profissional ou académica, com vista a criar um novo modelo que dê resposta aos seus problemas e lhe permita criar o próprio emprego. Ora bem, nem toda a gente tem estas características…

E o projecto tem que ser válido?

Com certeza, o projecto que se quer desenvolver não pode ser uma simples vontade. Tem que ser suportado por uma ideia, e nem todas as ideias são válidas, mas isto não chega, é necessário ser capaz de demonstrar que se tem vontade, persistência e competência. Isto são condições fundamentais para que o negócio seja bem sucedido.

Mas neste clima de crise, tem havido mais candidaturas?

É preciso saber qual o termo de comparação…

Relativamente ao início dos anos 2000?

Ah, com certeza… Mas deixe-me voltar um pouco atrás para lhe dizer quais as condições que os candidatos devem de preencher, porque é nossa convicção que se estivéssemos a apoiar pessoas com projectos que sabíamos que não seriam bem sucedidos, apesar de não ser assim tanto dinheiro, nós tentamos afastar essa tentação da nossa frente, porque sabemos que se o fizermos, em vez de estarmos a ajudar as pessoas, estaríamos a desajudá-las. É que se elas falharem, e normalmente falha-se porque se deixa de cumprir com as obrigações com a Banca, as pessoas vão ficar numa situação pior do que aquela de onde tinham partido. Nesta situação, em vez de ajudar, estaríamos a desajudar…

Que retrato pode traçar da atribuição de microcrédito em Portugal?

Relativamente aos objectivos do Milénio havia a convicção de que era possível superar em 20% a pobreza através do microcrédito, uma solução que seria muito mais barata para a sociedade do que se fosse feita por outro modo… Actualmente, em Portugal estamos muito longe desse objectivo! E isto não significa que a Associação Nacional de Direito ao Crédito tenha má consciência do que anda a fazer, estamos orgulhosos do que fazemos, mas cremos que há limitações de escala para o desenvolvimento das intervenções, agora o que consideramos esta é uma actividade em que a sociedade civil tem que se mobilizar pesadamente. Pode haver outros actores, institucionais, administrações públicas e bancos, mas do nosso ponto de vista se a sociedade civil não estiver envolvida pesadamente nessas iniciativas a resposta vai ser fraca. No entanto, isto tem subjacente uma ideia que é o grande desafio que isto coloca a todos, e quando falo da sociedade civil não posso esquecer que estou a falar para o SOLIDARIEDADE, da CNIS, uma estrutura que agrega a maioria das IPSS deste País, mas que tem estado menos atenta a esta via de saída de situações de pobreza que seria susceptível de ser percorrida. Dito isto, apesar de todas as limitações, a ANDC está presente em todo o País, os nossos técnicos vão a qualquer ponto do País avaliar projectos.

O que pensa que seria necessário para que a sociedade civil se mobilizasse pesadamente?

Creio que o essencial é isto que estamos aqui a fazer, ou seja, divulgação. Desse ponto de vista temos uma limitação porque não podemos recorrer a meios de publicidade paga, porque não temos dinheiro para isso. Portanto, temos que recorrer aos instrumentos que decorrem do reconhecimento que os Meios de Comunicação Social têm do trabalho que vamos fazendo. Julgo que é esta consciência da solidariedade que temos que ter perante aqueles que, num momento ou outro, se encontram numa situação difícil e que temos que ser capazes de desenvolver.

Os critérios de atribuição do microcrédito alteraram-se devido ao clima de crise que se vive?

Não houve alteração… Nós começámos a nossa actividade com protocolos financeiros com o Millenium BCP, porque mais nenhuma instituição financeira quis alinhar connosco. Em 2005 houve mais duas instituições, a Caixa Geral de Depósito e o BES, que quiseram trabalhar connosco… Esse trabalho que é feito com as instituições financeiras tem a suportá-lo protocolos, que prevêem o modo de funcionamento, os critérios que devem ter sido em conta para amadurecermos com os candidatos os diversos projectos. Desde então, esses critérios, ou os conteúdos dos protocolos, não mudaram apesar dos tempos de crise. Há alguns parâmetros que mudaram mas para bem, como o tempo de amortização, que dantes era de três anos e agora é de quatro. É verdade que este ano vamos ter a renovação de protocolos com todas as instituições financeiras, mas estamos convencidos de que as coisas vão continuar como até aqui.

E como vê a criação de um banco que não a banca tradicional para suportar este instrumento?

Vejo muito bem, agora a questão é que se possa!... Já há bastante reflexão feita nesse sentido no âmbito da Associação e entendemos que a ter que arrancar uma iniciativa desse tipo nela deveriam participar muitas outras instituições que intervêm no domínio do social. Lá fora, as instituições desse tipo são chamadas instituições de finança ética, que dá para o microcrédito, mas também para outras intervenções de natureza social. Acontece que em Portugal não temos quadro jurídico para isso, ou melhor, podemos dizer que temos, mas não é aceitável. O quadro jurídico que tínhamos até há pouco tempo, era que podíamos criar uma instituição de finança ética, mas teríamos que reunir todas as condições como qualquer instituição financeira de natureza comercial. Para dar um indicador, se o quiséssemos que fazer teríamos que reunir um capital social inicial de 25 milhões de euros, o que é completamente inaceitável. Acontece que, ainda no âmbito do Governo anterior, foi criada uma figura que se designou por instituição financeira de microcrédito e que pretenderia dinamizar a intervenção neste domínio da finança ética. Só que mesmo com as novas características, o diploma que foi publicado continha muitas insuficiências. Uma Portaria posterior veio dizer que o capital social podia ser de um milhão de euros, o que é bom porque passou-se de 25 milhões para um milhão, pois, mas começamos a meter as mãos nos bolsos e continuamos a achar que ainda é muito. Para além disso, o resto da relação deste tipo de instituições com o Banco de Portugal fica sujeito às mesmas condições das outras instituições financeiras. E isto cria um grande vazio e uma grande incerteza e que levou a que algo que tanto ambicionávamos, até hoje ainda não vimos avançar e isto quer dizer que alguma coisa está mal. Pode sempre dizer-se que o que está mal é do lado das várias instituições que intrevêm no domínio da exclusão, mas considero que o que está mal concebido é o fermento inicial… É preciso alguma mobilização da sociedade para que encontremos um quadro regulamentar que seja ajustado ao prosseguimento destes objectivos. Mas também aí sabemos que as coisas não estão fáceis.

E a criação de outro tipo de medidas, como seguros ou centrais de informações para a colocação de produtos?

É outra matéria que vejo muito bem… Em 2007 e 2008 fizemos uma intervenção insistente junto das instituições financeiras no sentido de percorrermos os caminhos que já foram percorridos no estrangeiro e que tem que ver com o oferecermos também outros produtos que lá fora são designados como micro finança, em vez de oferecermos apenas produtos como o microcrédito. Na micro finança está o microcrédito, mas tem outras componentes. O microcrédito é um instrumento que serve para financiar um projecto inicial de emprego, mas a verdade é que as pessoas que criam uma empresa, pouco tempo depois vão ter necessidade de outros produtos financeiros, como seguros, bolsas, cartões e por aí fora… É importante que as pessoas que foram apoiadas no momento do investimento não sejam desapoiadas no momento em que a empresa começa a crescer. Desapoiadas no sentido de que se lhe oferecem apenas produtos que são os do mercado normal. Quase podíamos dizer que o que foi dado por via do microcrédito vai ser recolhido por via dos outros produtos da micro finança. Estamos a querer retomar esta ideia…

Entre os candidatos e microempresário qual o peso dos que têm formação superior?

Essa é uma das grandes novidades dos últimos dois anos. Tem tido um peso significativo… Há na opinião pública a ideia de que o microcrédito é para os coitadinhos, que querem montar uma sapataria, um cabeleireiro ou uma quinta de agricultura biológica, mas o que começámos a verificar é que progressivamente o perfil dos candidatos ao microcrédito se estava a alterar. Há cerca de dois anos cerca de 8% dos candidatos tinham uma formação superior. E se acrescentássemos as pessoas que tinham formação superior mas sem o título, portanto que não acabaram os cursos, esse valor subia para os 14%. Neste momento temos 15% de licenciados e se acrescentarmos os outros chega aos 25%. Isto significa que um quarto dos nossos projectos activos, neste momento, é protagonizado por gente com formação de Ensino Superior.

E em termos de grupos sociais, sendo isto um instrumento para apoiar pessoas que estão em exclusão ou em risco de exclusão, continuam a ser as pessoas mais desfavorecidas ou tem aumentado o número de pessoas que não estando nessa situação olham para o microcrédito como a única forma de darem a volta à sua situação de desemprego, etc.?

Diria que há um critério que permite dar uma resposta clara à sua questão: na ANDC não temos por objectivo fazer financiamento empresarial. O nosso grande objectivo é que a vida das pessoas mude, que fique melhor. Tudo o resto, que normalmente noutras intervenções de microcrédito é anunciado, como o empreendedorismo, a iniciativa, etc., para nós isso é importante, mas objectivos subordinados. Instrumentos para que as pessoas criem o seu emprego e, porventura, o de outros, mas não estamos aqui a dar um financiamento adicional a uma oficina metalúrgica, por exemplo, que já existe e que pode singrar sozinha. A empresa até já pode existir, mas é a pessoa que nós vamos financiar. Nós, sobretudo, financiamos as pessoas.

MICROCRÉDITO

O Microcrédito é um instrumento da designada Finança Ética que teve a sua origem há cerca de 20 anos no Bangladesh. O economista Muhammad Yunus acreditou que era possível fazer um "banco dos pobres" desde que se acreditasse na capacidade do homem se ajudar a si próprio. Em vez de garantias as instituições de crédito passam a acreditar nas pessoas. Em Portugal é a Associação Nacional de Direito ao Crédito, em parceria com o Millennium BCP, Caixa Geral de Depósitos e BES, quem leva à prática esta nova modalidade bancária em que o lucro não vem em primeiro lugar. Em termos simples, o Microcrédito é um empréstimo, com limite máximo de 5.000 euros, destinado a quem vive em situação de exclusão social ou está em risco de exclusão. Destina-se a ser um investimento, um começo de vida.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2012-05-18



















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