Em Setembro último, o Lar da Criança de Portimão, instituição fundada em 1941, abriu, na antiga Quinta da Ouriva, na Ladeira do Vau, uma creche com capacidade para 84 crianças. Segundo os responsáveis pela instituição, esta era uma necessidade da zona Norte de Portimão, onde não havia, até agora, nenhuma resposta de creche.
“Em Portimão não existem creches públicas, apenas temos as IPSS e as privadas a dar esta resposta social. As populações de Malheiro, Companheira, Ladeira do Vau e Chão das Donas não tinham nenhuma creche”, justifica Humberto Fernandes, director-técnico do Lar da Criança de Portimão, recordando que, por essa razão, “foi igualmente um repto da Câmara Municipal à instituição”.
O director-técnico sublinha ainda “o facto de o equipamento estar localizado numa urbanização que nasceu recentemente, onde foram construídos 150 fogos a custos controlados na maioria ocupado por casais jovens”.
O facto de não haver resposta pública, mas apenas a das IPSS e das privadas, e o momento difícil que o País atravessa tem gerado um fenómeno novo, que os responsáveis do Lar prevêem venha a crescer.
“As pessoas, face ao momento em que vivemos, têm que se refugiar nas IPSS. Enquanto num equipamento privado, que é a outra resposta que há em Portimão, não existe diferenciação nas prestações a pagar, numa IPSS não é assim, pois é sempre de acordo com os rendimentos dos pais. Existindo agora uma quebra de rendimentos, há uma maior defesa nestas instituições. E a nossa lista de espera é sempre muito grande”, sustenta, acrescentando, acerca da transferência de crianças do privado para a IPSS que dirige: “Essa é uma realidade que este ano foi mais patente. Há uns anos pensou-se que uma creche era uma galinha de ovos de ouro e os Privados têm um marketing agressivo que atrai os pais, mas neste momento quem pagava 300 euros, por vezes 400 com as actividades extra, agora não pode e, claro, recorrem à instituição”.
O arranque do novo equipamento com preenchimento de apenas metade da capacidade foi uma decisão ponderada.
“Decidimos não arrancar com a capacidade máxima, temos lá pouco mais de 40 crianças, porque, apesar de termos a experiência de muitos anos, é sempre importante testar a funcionalidade e o edifício. Arrancando com uma capacidade de 50 por cento esse teste vai sendo mais fácil. E no fim do ano civil conto que estejamos na capacidade máxima”, argumenta o director-técnico.
A nova creche tem seis salas, duas dos três meses até à aquisição da marcha, com capacidade para 10 crianças cada; mais duas entre a aquisição da marcha e os 24 meses, para 14 crianças cada; e duas entre os 24 e os 36 meses, totalizando 36 crianças, 18 por cada sala.
“A resposta é creche, mas quando terminarem o percurso ali podemos encaminhá-los para o nosso pré-escolar na instituição-mãe”, anuncia Humberto Fernandes.
A construção do novo equipamento foi atribulada e, por isso, o processo iniciado em 2007 apenas foi concluído em 2012.
“A construção deste novo edifício até foi feita em tempo recorde”, afirma Carlos Morgado, vice-presidente da Direcção, acrescentando que “é muito maior do que o inicialmente previsto”.
O projecto inicial, no âmbito do PARES, iniciou-se em 2007, tendo após toda a burocracia e concursos decorridos, a obra sido iniciada em 2009. No entanto, “questões burocráticas na Câmara Municipal relacionadas com os terrenos” obrigaram a que a obra fosse deslocalizada de Malheiros, onde as fundações já estavam feitas, para a actual localização, na antiga Quinta da Ouriva, em Ladeira do Vau.
No final, e sem que coubesse à instituição um encargo demasiado grande com a mesma, a construção ficou em cerca de 825 mil euros.
“A obra é maior, mas temos ali um equipamento com enormes potencialidades de crescimento no futuro. Se pensarmos em termos de pré-escolar, no caso de aquelas crianças não terem vaga aqui ou na rede pública, aquele edifício tem capacidade para lá serem construídas uma ou duas salas”, revela o director-técnico.
MAIS DE 400 CRIANÇAS
Com capacidade para mais 84 crianças, o que elevou as necessidades com funcionários para a centena, o novo equipamento, considerado por Carlos Morgado como “um braço da casa-mãe”, deve ser, dentro em breve, auto-sustentável.
“Houve a preocupação de, sendo um equipamento novo, ter que ser auto-sustentável dentro de pouco tempo. Não pode ser a casa-mãe a sustentá-lo. Nesta fase inicial não sabemos muito bem quais serão as receitas e, então, tivemos que controlar um pouco os custos, através de parcerias com o IEFP, por exemplo”, argumenta Humberto Fernandes.
É que a casa-mãe acolhe um total de 370 crianças – 110 em creche; 150 em pré-escolar e 110 em ATL (com refeição) – e emprega mais de 80 colaboradores, não podendo o seu equilíbrio financeiro ser posto em causa.
Neste momento, e apesar do novo equipamento, a situação económico-financeira do Lar da Criança de Portimão é estável.
“Temos grande orgulho em todas as pessoas que cá estão e no dia-a-dia conseguiremos resolver as situações com que nos deparemos. À semelhança de outras IPSS pelo País, nem esta, nem acredito que alguma possa dizer que está no «el dorado». É mais fácil dizer que as contas correntes estão todas liquidadas, que pagamos a 30, 60 dias e a nível de receita também não temos, até à data, casos avultados de pessoas que deixam de pagar”.
O que tem acontecido é a reavaliação das mensalidades nos casos de perda de rendimento por parte dos agregados familiares.
“Esta casa sempre foi sustentável, sempre cumpriu com toda a gente, mas não me recordo de ano nenhum como este. Hoje é raro o agregado familiar em que não há, pelo menos, um desempregado… E as pessoas vêm cá, apresentam a declaração de quebra de rendimentos e não vale a pena continuarmos a cobrar a mesma mensalidade, porque eles não a conseguiriam pagar. O que temos feito é ajustar as mensalidades”, explica Humberto Fernandes, sublinhando que, por isso, “a gestão tem que ser criteriosa” para a instituição conseguir “manter os padrões de qualidade” que a definem.
Por outro lado, o director-técnico defende que “não há muitos casos de atraso nas prestações, porque as mensalidades foram revistas em função da situação sócio-económica dos pais”, recordando que “há e sempre houve situações de crianças isentas de qualquer pagamento e não é por isso que vão embora”.
No entanto, alerta, “isto são casos que têm que ser muito bem avaliados, porque o contexto económico é complicado para alguns, mas há outros que se tentam servir dele”.
CERTIFICAÇÃO DA QUALIDADE
Perante o crescimento da instituição e no sentido de melhor preparar o futuro, o Lar da Criança está desde 2011 a implementar o processo que visa a certificação da qualidade pela ISO:14001, sistema de gestão ambiental.
“É um processo no âmbito do POPH que está já em fase de conclusão para se pedir a auditoria”, refere Humberto Fernandes, sublinhando: “Para esta casa para dar o salto em termos de qualidade a certificação é fundamental. A uniformização de processos e procedimentos é algo que favorece todo o trabalho e a qualidade do serviço que prestamos”.
Ao que Carlos Morgado acrescenta: “A certificação da qualidade visa a padronização de qualquer conduta no interior da instituição. Isto tem um custo elevado, mas é preciso ver a situação como um todo… As instituições e as empresas têm, cada vez mais, que se apetrechar com aquilo que vai servir para amanhã e nesta casa fazia todo o sentido, porque quanto maior é a instituição mais difícil é a estandardização de procedimentos… E, perante as dificuldades económicas, há muitos pais que não vão poder, dentro em breve, suportar a frequência dos filhos em instituições privadas, pelo que a IPSS que oferecer melhor resposta vai ter uma maior capacidade de atracção”.
E o director-técnico vai mais longe quanto aos predicados da Certificação da Qualidade: “A longo prazo, na altura da decisão dos pais, vai ser uma mais-valia. E há algo importante nesta casa que tem sido a coragem para mudar, é que as Direcções destas instituições normalmente são avessas à mudança”.
Quanto ao futuro e a novos projectos, Carlos Morgado defende a cautela.
“O caminho está aberto, mas estas decisões não são tomadas de forma leviana, pelo que tem que se pensar em todos os projectos muito bem, porque muita gente depende desta casa. De modo que, nesta fase, queremos primeiro consolidar todo o investimento do novo equipamento e criar uma simbiose com a casa-mãe… Nesta fase é muito importante haver uma grande cumplicidade entre os dois espaços, mas, depois, quem sabe!”.
IPSS VS JUSTIÇA SOCIAL
Colocado perante a questão de como seria Portimão sem o Lar da Criança, o «vice» da Direcção recorda um episódio curioso.
“Uma vez vi uma notícia em que era dito que, na véspera das inscrições, os pais vinham dormir para a porta do Lar da Criança para poderem inscrever os filhos… Ora, uma situação destas só podia acontecer se aquela fosse uma excelente casa, pensei… E na altura estava em Lisboa, nem sequer pertencia à Direcção. Aqui transpira-se felicidade… A criatividade não tem nada que ver com orçamentos e esse é o apelo que fazemos aos funcionários”, afirma, acrescentando: “Sem o Lar, Portimão tinha ainda mais 100 mulheres desempregadas e isto hoje, mais do que nunca, é muito importante”.
Já Humberto Fernandes recorre à sua formação em Sociologia para dizer: “Em primeiro lugar, penso que existia menos justiça social em termos de diferenciação de pagamentos. Nós somos uma gota de água no oceano, mas o que prezamos aqui, correndo o risco de não o conseguirmos sempre, porque há sempre alguém a tentar contornar as coisas, é tentar que haja justiça social no pagamento das prestações. Os que menos podem pagam um pouco menos, os que podem pagam um pouco mais e, depois, as crianças são tratadas todas de igual forma. A palavra que define o nosso trabalho é inclusão”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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