D. MANUEL FELÍCIO, BISPO DA GUARDA

Temos que passar da assistência à promoção

“A nota da hospitalidade é marcante nas gentes da Beira Alta, que liga à Beira Baixa e à Cova da Beira, e é uma honra para estas gentes receber a Festa da Solidariedade”, começa por dizer D. Manuel Felício, bispo da Guarda, ciente de que o evento, que nos dias 28 e 29 de Junho vai assentar arraias na cidade mais alta de Portugal, será “uma grande oportunidade para a cidade e para a região”.
O líder da Diocese da Guarda recorda a experiência da Chama da Solidariedade que, há dois anos, atravessou o distrito numa grande festa e participação dos beirões.
“Já tive a oportunidade de participar na passagem da Chama da Solidariedade, que seguia rumo a Castelo Branco, e mesmo só essa passagem já suscitou muito interesse e algum entusiasmo”, relembra, mostrando-se muito optimista quanto ao evento deste ano: “Estou convencido que o facto de sermos o ponto de convergência de todo o movimento, que vai trazer pessoas e preocupações de vários quadrantes, também nos motiva a nós. E diz-nos que a nossa responsabilidade cresce, em termos de viver a solidariedade e de viver esta proximidade com as pessoas, que é o que temos que construir cada vez mais. Por isso, quando soube que íamos ter a Festa da Solidariedade fiquei muito contente e estou com muita esperança, quer na recepção à Chama, quer na vivência do dia da Solidariedade, que é também o dia de S. Pedro, com significado para esta terra”.

SOLIDARIEDADE - Como caracteriza o distrito da Guarda em termos sociais?
D. MANUEL FELÍCIO – “Por infelicidade, é um distrito onde a população diminuiu 20 mil pessoas em 10 anos e em todos os concelhos. Isto significa que há aqui um défice de criação de condições para que as pessoas tenham possibilidade por optar por estes lugares de excelência em termos de ambiente, mas que não são de excelência em termos de condições para as pessoas viverem. Daí que as pessoas também cedem à tentação de procurar noutros lugares aquilo que tinham direito a ter aqui, nomeadamente a um modo de vida. E não é só ter um emprego, é ter um trabalho, que é diferente. E isto tem acontecido porque arrasta-se há décadas uma indecisão, ou melhor, uma não vontade de criar às nossas terras as condições objectivas que outras têm. Por isso as pessoas fogem… e depois quem fica? Os idosos. Estamos num distrito e talvez o concelho do País com a percentagem de idosos mais elevada”.

Um estudo recente coloca a Guarda em terceiro lugar na lista de distritos com mais idosos que vivem sozinhos…
“As nossas terras, desde muito cedo, tomaram a iniciativa de criar Centros de Dia, mesmo sem apoio das entidades estatais. As pessoas muito cedo começaram a criar condições. Depois, os mais novos saíram para a emigração, porque viam que os pais e familiares ficavam bem acomodados. As pessoas não se acomodam só ao não ter fome e ao não ter frio, mas ao sentirem-se acolhidas, ao sentirem-se em casa, em família. É preciso criar condições para que estas pessoas se sintam em casa. Como muitas vezes os familiares não podem marcar presença, que nós, a rede da caridade, as vá acolhendo, visitando e fazendo sentir que não estão sozinhas”.

Diz-me com isso que o distrito da Guarda é solidário?
“Penso que sim… Há uma solidariedade tal que as pessoas nas terras não se sentem estranhos. Claro que têm pena dos filhos e dos netos, mas não se sentem estranhos, sentem-se acompanhados. A rede existe. O nosso problema aqui é que há poucas condições para se criarem empregos. As pessoas ficam fora do emprego e depois não fazem nada… E a dificuldade é dizer-lhes que, mesmo sem emprego, há que ver se há algo para fazer… Uma pessoa, mesmo estando fora do emprego, fazendo qualquer coisa, sente-se melhor, mais feliz. Temos tido alguma dificuldade em ajudar as pessoas a perceberem que se não podem fazer aquilo de que gostam, vamos tentar que façam qualquer outra coisa. Isto é o que chamo de passagem da assistência à promoção. E nisso, as instâncias de Administração Pública poderiam ajudar mais. Continuávamos a dar os mesmos subsídios a todos, mas com mais algum dinheiro, colocar as pessoas a fazer qualquer coisa. Era um bem social, porque assim contribuem para uma sociedade melhor, mas também um bem pessoal, porque a pessoa sente-se melhor. As pessoas têm o seu apoio, mas se fizerem alguma coisa, não só não o perdem, como são valorizadas”.

Mas os apoios sociais são contraproducentes?
“Não sou contra os apoios, defendo que as pessoas devem ser apoiadas, mas deve ser-lhes dada oportunidade de fazer qualquer coisa. Deus queira que me engane, mas qualquer dia temos o drama dos incêndios. Em matéria de limpeza de matas e de prevenção, podíamos dar que fazer a muita gente, dando-lhes mais algum apoio. Gasta-se imenso no combate aos incêndios, mas se se gastasse a montante uma décima parte, resolvíamos dois problemas. Mas pode perguntar-me: E as pessoas querem? Temos que as motivar. Também é uma questão de formação permanente das pessoas. E a Natureza é o maior potencial que temos nesta região! Isto entronca naquilo que já lhe disse que é a passagem da assistência à promoção”.

Qual é e qual tem sido o papel da Igreja nesta promoção?
“Não lhe escondi que essa está a ser a nossa grande dificuldade, não lhe escondi que há muitas pessoas que vêm ter connosco, não para pedir trabalho, mas porque precisam de medicamentos, de pagar a luz, ou o gás… Agora, essa é a dificuldade e tinha que ser a prioridade das IPSS em diálogo com as instituições públicas. Estas deviam promover o diálogo, e nós estamos abertos a isso, para encontrarmos caminhos e programas que levem as pessoas que estão encostadas a começar a fazer qualquer coisa. Equacionando uma formação inicial, um acompanhamento nas iniciativas e aqueles indispensáveis apoios, mesmo materiais, como o Microcrédito, para as pessoas avançarem. E em resposta à sua pergunta, o que quero dizer é que estamos disponíveis para encetar cooperações com as instituições públicas para podermos ajudar as pessoas a saírem, muitas vezes, do marasmo em que se encontram. E ajudarmos a sociedade, porque todos ganhamos em ter as pessoas activas. É que metade da população activa em Portugal está de braços cruzados. Ora, isto não pode estar bem!”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2013-05-20



















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