Não falta quem diga que a chamada “Guerra Fria” se transferiu para o Pacífico. A afirmação pode conter algum exagero, mas não se podem ignorar ou desvalorizar as ameaças de tempestade que vão surgindo repetidamente neste mar imenso. A última teve origem na discussão sobre a propriedade de um pequeno grupo de ilhas desertas, disputadas pelo Japão e pela China, uma discussão que se agravou a partir do momento em que cresceram os indícios da existência de petróleo naquela região.
Conhecidas como ilhas Senkaku pelo Japão, e por ilhas Diaoyn pela China, este arquipélago de ilhéus despovoados, foi entregue à administração japonesa pelo tratado de S. Francisco, em 1945, contra a vontade de Pequim. Um pouco inesperadamente, o governo chinês incluiu agora essas ilhas na sua “zona de identificação aérea” impedindo-as pois de serem sobrevoadas sem sua autorização. Alguns países, entre os quais o Japão, os Estados Unidos e a Coreia do Sul, reagiram de imediato a esta decisão, tornando claro o seu propósito de não a cumprir.
Este diferendo veio agravar ainda mais as já difíceis relações entre a China e o Japão. O pico da tensão entre os dois países aconteceu em 2005, por ocasião das grandes manifestações estudantis anti-nipónicas de Pequim, a pretexto da publicação de alguns dos manuais escolares japoneses e da perspectiva sobre o comportamento dos seus militares nas guerras do século vinte, cujas grandes vítimas foram a China e a Coreia. Por coincidência ou não, o primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, fez, há dias, uma inesperada visita oficial ao santuário xintoísta de Yasukun, consagrado às vítimas dessas guerras, mas onde também se faz memória de “heróis” que chineses e coreanos consideram criminosos de guerra. Apesar de todas as explicações, estes interpretam o gesto como uma provocação e uma falta de respeito pelas vítimas da guerra e pelos seus países.
Ainda por coincidência ou não, o governo de Shinzo Abe dá sinais de querer abrandar o espírito antimilitarista que caracteriza a constituição japonesa. Sobretudo no seu artigo nove, que impede o país de recorrer ao uso de meios militares para resolver problemas externos, embora nestes últimos anos os seus soldados já tenham participado em missões internacionais, ainda que, oficialmente, sem carácter bélico. Uma coisa é certa: o orçamento japonês para a Defesa está a crescer a um ritmo cada vez menos consentâneo com o espírito pacifista da sua constituição.
Se a tudo isto juntarmos o agravamento das relações entre as duas Coreias, bem se pode falar de ameaças de tempestade no Pacífico…
António José da Silva
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