Nasceu e tem crescido no seio de um bairro social, o da Palmeira, também conhecido como «As Malvinas», mas estende a sua acção directa a mais dois bairros, cobrindo ainda, com algumas das respostas sociais, toda a freguesia e concelho de Câmara de Lobos, onde se insere.
Perante a existência de uma comunidade com graves problemas de integração social, o Centro Social e Paroquial de Santa Cecília surgiu para combater a exclusão e a pobreza e tentar dar ferramentas a essas pessoas para que percorram por si o caminho da inclusão.
São muitas a acções, por exemplo, de formação promovidas para a comunidade, que compõem um vasto leque de respostas sociais atípicas, no sentido de combater a pobreza e de ir ao encontro da falta de competências que existe naquela comunidade.
“A missão do Centro é ser um espaço de integração social para todas as gerações, ser um centro intergeracional, e, por isso, também as respostas são muito versáteis, amplas e flexíveis”, começa por referir o padre Francisco Caldeira, presidente da instituição, explicando: “Temos as respostas tradicionais e temos também essas outras respostas sociais mais de vanguarda, que vão de encontro às problemáticas que as populações vivem, desde a toxicodependência às mães solteiras, passando pela integração familiar e profissional e pelas questões intergeracionais”.
Procurar os problemas e encontrar uma resposta para eles é o propósito do Centro Social, como sustenta o seu presidente: “O nosso objectivo foi sempre estar atentos às situações para lhe dar respostas concretas. Por causa do aumento do desemprego, especialmente, nas áreas da pesca e da construção civil, também já criámos estruturas de apoio a essas pessoas. A nossa postura é sempre dialéctica, ou seja, olhar a realidade para lhe dar respostas e não ficarmos parados no tempo. Por isso, abrangemos essas faixas todas e temos um Centro que, de facto, dá respostas a todas as questões de índole social que se colocam a esta gente”.
RESPOSTAS SOCIAIS
O Centro Social e Paroquial de Santa Cecília tem as diversas valências. No que respeita a respostas sociais típicas, a instituição criou: jardim-de-infância e creche, frequentados por cerca de 120 crianças; dois ATL (dos 6 aos 11 anos) com mais de 130 crianças; CATL (dos 12 aos 18 anos), com cerca de 30 jovens; Centro de Dia e Convívio que recebe cerca de 35 idosos.
Para além destas respostas, o Centro Social tem outras atípicas, como o PLCP - Projecto de Luta Contra a Pobreza, Cursos de Qualificação e Valorização Profissional e ainda Actividades de Carácter Cultural e Recretivo (Actividades de Verão).
No conjunto, e com um corpo de funcionários a rondar as quatro dezenas, o Centro Social e Paroquial de Santa Cecília acompanha aproximadamente 450 pessoas e ainda cerca de 400 famílias.
No âmbito do Programa Escolhas, a instituição é a gestora e promotora do projecto social Esc@Up – E5G, que tem como objectivo promover a inclusão social de crianças e jovens, dos 6 aos 24 anos, numa lógica de igualdade de oportunidades e reforço da emancipação dos indivíduos para promoção do bem-estar de si próprios e da sociedade, favorecendo a (re)inserção escolar e profissional da população que abrange. Neste projecto são promovidas iniciativas nas áreas do desporto, apoio escolar, orientação vocacional, atendimento social, formação, acantonamentos, informática, teatro, cultura, culinária e bijuteria criativa. Em 2013, o Esc@Up, cujas zonas de influência são os bairros sociais da Palmeira, da Ribeira Real e da Quinta do Leme, movimentou um universo de 249 crianças e jovens.
COZINHA SOLIDÁRIA
Mais recentemente, a instituição criou uma Cozinha Solidária, que confecciona cerca de 300 refeições/dia. Esta resposta surgiu no âmbito do Programa de Emprego «Empresas de Inserção» e, para além da confecção de refeições e auto-sustentabilidade, tem por objectivo ainda inserir, social e profissionalmente, pessoas com grandes dificuldades de empregabilidade. Sob orientação do chef Duarte Oliveira, seis ajudantes de cozinha, formadas nas áreas de culinária, nutrição e higiene e segurança alimentar, entre outras, nos cursos promovidos pela instituição, ganharam competências, alcançaram um emprego e trabalham agora para a instituição.
O Centro dirigido pelo padre Francisco Caldeira investiu na construção de uma cozinha de raiz, que agora funciona também integrada no PEA (Programa de Emergência Alimentar), sendo uma das 12 instituições da Ilha que colocaram em funcionamento uma Cantina Social.
“É um plano de emergência, não é um programa que ataque as raízes da pobreza e, enquanto isso, deixa muito a desejar”, sustenta o presidente do Centro Social, acrescentando: “Podemos ter muitas leituras do PEA, por exemplo, que é assistencialista, mas temos que ser realistas e quando as pessoas têm fome, quando há necessidades básicas a suprir, há que o fazer”.
Mas a instituição de Câmara de Lobos tem feito mais do que matar a fome às pessoas. “Estamos a tentar fazer com que as pessoas que estão no PEA, elas próprias, tenham possibilidade de ocupar positivamente o tempo, especialmente, no aspecto da formação. Ainda há pouco tempo abrimos um curso de formação para essas pessoas e que, neste momento, abrange 30 mulheres”.
Fornecer competências às pessoas é um primeiro passo para a inclusão, daí que a instituição invista nesse campo, especialmente, quando trabalha com uma vasta comunidade… subsídio-dependente.
“O nosso papel, no âmbito da emergência social, é o de ajudar a colmatar os problemas que surgem no imediato e na proximidade, mas, ao mesmo tempo, de ir ao encontro das causas dessas problemáticas. Relativamente ao PEA, as instituições têm pouca movimentação, ou seja, é a Segurança Social que determina quais as famílias com acesso”, sublinha o padre Francisco Caldeira, sugerindo: “Há uma série de coisas que seria bom reorganizar… Nós colaboramos, a CNIS a nível nacional colabora, mas há coisas a rever. É um programa importante, porque vai ao encontro das nossas características, que é estar com os mais carenciados, mas temos problemas administrativos… Por exemplo, fazer 300 refeições, como no Centro Social, levanta alguns problemas”.
No entanto, esta acção de emergência não se fica pela confecção e entrega de refeições.
“Aqui na Madeira temos uma particularidade… Em vez de receberem a refeição já confecionada, as famílias têm um cartão que carregam mensalmente e elas próprias adquirem os alimentos e fazem as refeições em suas casas”, revela.
COMUNIDADE VS INSTITUIÇÃO
Ao longo do tempo a relação da comunidade com o Centro Social, criado em 1995, nem sempre tem sido a melhor. Os responsáveis pela instituição têm tentado combater isso, especialmente o preconceito, tentando criar uma pedagogia de solidariedade junto da população de Câmara de Lobos.
“Às vezes, essa relação é problemática… Tínhamos aqui uma comunidade com dois ou três pulmões completamente separados, sem nenhuma interligação, porque, muitas vezes, a comunidade paroquial estava de costas voltadas para esta gente dos bairros sociais… Não só física, mas até do ponto de vista social e psicológico”, refere o pároco, prosseguindo: “Desenvolveram-se muitos preconceitos aqui em Câmara de Lobos. Até se dizia que aqueles eram ‘os dos bairros’… Havia, de certa forma, este conflito social… O meu combate sempre foi dizer que a comunidade cristã está ao serviço da comunidade humana e da sua coesão. Houve pessoas que não perceberam e que continuam a não perceber, mas acho que este é o caminho”.
A separação tem vindo a esbater-se com o combate travado pelo Centro Social e a paróquia, pois naqueles territórios a religião ainda tem um grande peso.
“As pessoas aqui, os pescadores, são naturalmente religiosos e participavam muito na vida litúrgica da Igreja e na catequese, mas não havia grande ligação com a paróquia. Neste aspecto, o Centro Social foi uma mais-valia… Primeiro, em criar uma consciência e uma pedagogia social, de cariz de solidariedade e de caridade e de atenção às pessoas mais marginalizadas, e, depois, da própria Igreja sujar as mãos na realidade que tem ao seu lado. Foi possível fazer alguma coisa, mas ainda há muita pedra para partir, muita formação a fazer no sentido de os cristão assumirem a sua missão neste Mundo, que é ir ao encontro das pessoas que mais necessitam”, destaca o padre Francisco Caldeira.
Para além deste trabalho pedagógico junto da comunidade, a evolução positiva na situação pessoal e familiar dos habitantes dos bairros também tem ajudado a que o preconceito se vá desvanecendo.
“Aqui havia problemas de inserção escolar e de crianças na rua, porque as pessoas muitas vezes não atribuíam importância à educação básica dos seus filhos, e o Centro Social nisso fez um trabalho positivo, na interligação com as escolas, estabelecendo parcerias com diversas entidades. Isso tem sido a mais-valia da instituição”, releva o presidente da instituição, que, considerando que nem tudo foi conseguido, considera o balanço positivo: “Apesar de tudo, o Centro tem várias conquistas, por exemplo, em relação ao problema da droga, em que tivemos um papel muito importante, quer na prevenção quer na paragem deste fenómeno. Há muitos jovens que foram reabilitados através das acções da instituição”.
E cristalizar não é opção para o padre Francisco Caldeira, por isso defende uma constante evolução e atenção à realidade: “Creio que temos que evoluir, andar para a frente, criar a nossa própria sustentabilidade, obviamente com parcerias com o Estado, mas queremos ser o mais autónomos possível”.
A sustentabilidade financeira é (quase) sempre uma questão em cima da mesa de quem dirige uma IPSS. Em Câmara de Lobos a situação não é diferente, mas, até agora, não há problemas.
“Temos algumas dificuldades de ordem financeira, mas, felizmente, até agora temos conseguido arranjar meios para assegurar a sustentabilidade. Quando há propostas de candidaturas a acções e projectos, nós concorremos, sejam elas de onde forem… Temos, por exemplo, uma parceira com uma instituição dos Estados Unidos… Depois, fazemos uma administração rigorosa, apertada e parcimoniosa e temos conseguido cumprir as nossas obrigações financeiras fundamentais. A sustentabilidade financeira está sempre na nossa mente, e temos tido a sorte, talvez por estarmos num bairro social, de ter uma certa candura para estas questões, também a nível político, e nós temos afirmado isso”, sustenta, revelando que a grande dificuldade do Centro Social, muitas vezes, é o “de conseguir responder sempre às solicitações”.
“O nosso grande trabalho tem sido estar sempre atentos à realidade, ver o que existe e que respostas podemos dar”, afirma o padre Caldeira, que deixa uma crítica, ao mesmo tempo que sublinha um outro obstáculo à acção das IPSS: “Nós integramos a rede escolar, mas na prática isso não se concretiza e deparamo-nos, por vezes, com a construção de uma creche ou de um centro escolar públicos mesmo ao lado dos equipamentos das instituições”.
LAR DE IDOSOS
Quanto a projectos, actualmente mais um sonho adiado, a construção de uma ERI (Estrutura Residencial para Idosos) é a necessidade, mas a falta de recursos impossibilita, para já, a sua concretização.
“Apesar de este ser um concelho muito jovem, há a necessidade de um Lar de Idosos, equipamento que não há no concelho. Já tivemos isso como projecto, para um terreno contíguo à Igreja de Santa Cecília, mas não tínhamos possibilidades… Temos concelhos com três, quatro mil pessoas que têm dois e três lares, nós aqui não temos nenhum! E faz muita falta, porque, cada vez mais, temos problemáticas na terceira idade por causa disso”.
E como seria a vida das comunidades abrangidas pelo Centro Social se este não existisse? “Não sei”, responde o pároco, acrescentando: “Com certeza estariam mais abandonadas, como acontece com outros bairros sociais que existem na Madeira. Aqui ainda há alguma integração social, há referências e as pessoas sabem que podem recorrer ao Centro”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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