1 - Volta não volta, do seu retiro em Vale de Lobos, a princípio de mansinho, ultimamente em crescendo, o Prof. Cavaco Silva vem a terreiro zurzir os seus herdeiros.
A última vez foi no passado fim de semana, num artigo publicado no Expresso: "Os políticos e a lei de Gresham".
Trata-se de uma lei da economia, segundo a qual "a má moeda expulsa a boa moeda".
O Prof. Cavaco transpõe esse enunciado para a vida pública portuguesa e conclui, a partir da análise da realidade do nosso país, que também na vida pública se verifica um efeito idêntico ao da moeda - aqui são os dirigentes incompetentes que, tendo ocupado os lugares do mando, e apoiados nos aparelhos instalados e na sua resistência à mudança, recorrem a todas as cosméticas e arranjos para evitar que dirigentes competentes os venham substituir.
A gente olha em volta e percebe logo à primeira vista que o Prof. Cavaco tem razão e que essa lei, com efeito, pode ser transposta da economia para outros domínios de actividade humana.
Não se trata, como se vê, de uma lei propriamente dita, no sentido jurídico do termo, com artigos e com normas, mas de uma lei como aquelas que aprendíamos no liceu, em Física, ou Química, ou Matemática - e que estabeleciam relações de causa e efeito entre fenómenos.
Só que, diferentemente do que se passa nessas ciências mais "científicas", passe a redundância, em que a repetição das causas provoca fatalmente os mesmos efeitos, nas "ciências" que têm por objecto as relações humanas, como a politica ou outras da mesma natureza, a vontade e o esforço das pessoas pode alterar, ou inverter, essa fatalidade.
É esse, aliás, o sentido e a mensagem mais importante do artigo do Prof. Cavaco Silva: que o empenhamento cívico das elites em Portugal pode inverter o sentido da Lei de Gresham, contribuindo para que sejam os competentes a afastar os incompetentes.
O Prof. Cavaco Silva considera, aliás, que tal inversão do sentido da lei é essencial para a qualidade da democracia no nosso país.
Também neste ponto tem razão o antigo primeiro-ministro.
2 - Já que falamos de competências, recordo que também a semana passada nos trouxe de novo notícias do Dr. Miguel Cadilhe, que muita gente, e não só da sua área política, considera o melhor ministro das Finanças de qualquer governo posterior ao 25 de Abril.
Desta vez, o motivo foi a regionalização, que o Dr. Miguel Cadilhe considera, com razão, e até por imperativo constitucional, já dever ter sido realizada há muito tempo. E que, se o tivesse sido, o País estaria seguramente mais desenvolvido.
(Já que estamos em maré de renovar os referendos de há 6 anos, porque não rediscutir esta forma de tornar o país mais equilibrado, como ainda há dias defendeu o Presidente da República?
Pela nossa banda, nas instituições particulares, sempre nos demos melhor com a proximidade do que com o centralismo.)
O Governo, pela voz do ministro José Luís Arnaut, veio dar a resposta canhestra que é de uso sempre que é criticado, principalmente quando a crítica parte da imprensa ou de gente do seu próprio partido.
Hoje, na data em que escrevo, 29 de Novembro, soube-se, a partir da carta de demissão do ministro Henrique Chaves, que se projectava a demissão do ministro Arnaut justamente por causa das suas posições relativamente à API - Associação Portuguesa para o Investimento -, de que é Director o Dr. Miguel Cadilhe.
Estas demissões, reais e projectadas, serão já um sinal de que está em curso a inversão do sentido da lei de Gresham?
(Pergunta marginal: quando o Prof. Cavaco Silva afastou do Governo o Dr. Miguel Cadilhe, já estaria em vigor, para a vida pública, a mesma lei de Gresham?)
3 - Enfim, o clima geral, o ar que se respira, é de turbulência - e é de fim de festa.
Essa turbulência, própria das tempestades, não é sempre um mal.
Ocasiões há em que é mesmo essencial para que depois o ar fique mais limpo - e venham tempos de bonança, de que bem andamos precisados.
Com este optimismo me fico desta vez. Justificado pela corrente, que a cada dia engrossa, dos que querem dar a volta a isto, substituindo os dirigentes políticos incompetentes por outros que sejam o seu oposto.
É que, se não for assim, é todo o país, somos todos nós a definhar.
Muito antes de Gresham, não era já Camões quem escrevia que "o fraco rei faz fraca a forte gente"?
* Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde
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