As grávidas portuguesas vão ser convidadas a doar o sangue do cordão umbilical, que ficará à guarda do Estado e, se estiver em condições, poderá salvar vidas de doentes com cancros e linfomas no sangue. O primeiro Banco Público de Sangue do Cordão Umbilical, que deverá funcionar nas instalações do Centro Regional de Sangue do Porto, irá juntar o maior número possível de unidades de sangue do cordão umbilical para, dentro de cinco a dez anos, ter disponível material para doar.
Mário de Sousa, médico especialista em Medicina da Reprodução Laboratorial e um dos maiores impulsionadores deste projecto, explicou à Agência Lusa que o interesse no sangue do cordão umbilical deve-se ao facto deste conter células progenitoras hematopoéticas, ou seja, com a capacidade de originarem sangue (glóbulos brancos, vermelhos e plaquetas).
Por ter estas características, o sangue do cordão umbilical é, desde 1989, utilizado no tratamento de cancros (como leucemia) e linfomas no sangue. Estas doenças eram inicialmente tratadas com recurso à quimio e à radioterapia. Mais tarde, a introdução da medula óssea substituiu o procedimento, mas esta apresenta vários problemas que não existem no transplante de sangue do cordão umbilical.
Segundo Mário de Sousa, a medula óssea não se pode congelar e, por isso, não pode ser armazenada. Por esta razão, quando a medula é necessária implica a realização de novos exames, pois o dador pode entretanto ter sido infectado.
Segundo Mário de Sousa, apenas 20 por cento dos doentes que precisam de medula óssea conseguem o transplante, acabando os restantes por falecer, o que não aconteceria se existisse sangue do cordão umbilical disponível, devidamente identificado, analisado e crioconservado (congelado).
Assim que o projecto do Banco Público avançar, o que deverá acontecer ainda este ano, será dada formação específica aos profissionais dos centros de saúde, a quem cabe o primeiro contacto com as grávidas.
Estes médicos irão - uma vez que conhecem a história clínica pessoal e familiar da grávida - propor à futura mãe a doação do sangue do cordão umbilical. Se esta concordar, assinará um termo de responsabilidade que entregará aos médicos na altura do parto. Simultaneamente, os médicos obstetras nos hospitais e maternidades irão receber formação para, na altura do parto, saberem recolher o sangue do cordão umbilical.
Durante o parto, e após a saída do recém-nascido, o cordão umbilical é laqueado e, quando ainda está ligado à mãe, é-lhe introduzida uma agulha para aspirar o sangue existente entre este e a placenta. Esse sangue, que será depois transportado para o laboratório do Banco, irá ser analisado e serão concentradas as células-mães que têm a capacidade de dar origem ao sangue.
O sangue só será aproveitado se tiver um bilião de células-mãe por mililitro, número que é o único que assegura o sucesso do transplante depois da criopreservação. Este sangue ficará depois de quarentena, antes de ser sujeito a novos testes genéticos e bioquímicos. Só o que passar esta selecção é que irá para o banco, disse Mário de Sousa. Como "contrapartida" pela doação do sangue do cordão umbilical, a recém-mamã receberá em casa uma carta a agradecer a "dádiva benévola do seu bebé".
Para Mário de Sousa, as vantagens do transplante de sangue do cordão umbilical em relação à medula óssea é que o primeiro contém células-mãe mais imaturas (por terem origem num recém-nascido) e, logo, com maior capacidade de cura e menor taxa de rejeição. O especialista lembrou que, a nível internacional, existe um esforço para cada país ter o seu próprio banco público de sangue de cordão umbilical, porque os transplantes de medula óssea deverão deixar de existir dentro de dez anos, em respeito às novas normas de segurança biológica.
O sangue do cordão umbilical não pode, contudo, ser aplicado na própria pessoa, pois se esta em criança ou adulta desenvolver uma leucemia as suas células-mãe do sangue, embora recolhidas no momento do parto, já "levam a tendência genética para desenvolver leucemia".
Para o presidente do Instituto Português do Sangue (IPS), Almeida Gonçalves, a criação deste banco representa o grande investimento na investigação e ciências novas em Portugal. "Portugal tem de acompanhar o estado de arte da ciência", afirmou Almeida Gonçalves, acrescentando: "Temos de dar resposta aos problemas de saúde dos portugueses e se esta passa por desenvolver técnicas que utilizam células do cordão umbilical, temos de disponibilizá-las".
O IPS ainda aguarda a decisão do Ministério da Saúde para o arranque deste Banco Público de Sangue do Cordão Umbilical que deverá funcionar nas instalações do Centro Regional do Sangue do Porto, o primeiro a ser construído de raiz para este fim.
A directora do centro, Marília Morais, disse à Lusa que um centro deste tipo não existe em Portugal, apesar de ser preciso. Para um centro desta natureza ser "útil" é necessária uma grande diversidade e, por isso, serem realizadas muitas colheitas, disse.
A especialista considera que só após dez anos de recolhas consecutivas é que existirá material suficiente para dar resposta à procura. Marília Morais está convencida de que as mães irão aderir a esta "dádiva anónima, voluntária e não remunerada".
Data de introdução: 2005-05-16