Afinal, o Reino Unido não perdeu, como se chegou a pensar, um dos países que dele fazem parte desde 1707: a Escócia. No passado dia 19 de Setembro, os escoceses disseram não à independência, para alívio de uns e para frustração de outros, dentro e fora da Grã Bretanha. Sobretudo fora, como foi o caso da Catalunha.
Sem ser arrasadora - 55% contra 45% -, a vitória do “não” foi suficientemente clara para abafar por muito tempo a voz daqueles que reclamavam ter chegado a hora de os escoceses poderem decidir em plenitude o seu destino. Havia quem defendesse mesmo, a começar pelo seu líder agora demissionário, que uma derrota no referendo representaria o fim do sonho independentista. Tratou-se, naturalmente, de uma dramatização eleitoralista cujos efeitos foram precisamente opostos aos que ele pretendia.
O governo de Londres tinha sérios motivos para temer uma vitória do “sim” à independência e as suas consequências, não constituindo pois qualquer surpresa que tudo tenha feito para evitar esse resultado. E não foi apenas o governo, já que os três grandes partidos deram as mãos para defenderem a identidade e a unidade do Reino, e fizeram-no de um modo verdadeiramente exemplar. Ao contrário o que costuma acontecer em grande parte dos referendos, o comportamento dos políticos e dos cidadãos em geral foi absolutamente exemplar em todo o processo. Não obstante o ambiente apaixonado da campanha, não se registou qualquer episódio de violência, mesmo verbal, nem se ouviram acusações de pressão ou de fraude. O “não” ganhou, mas quem venceu foi a democracia.
O governo de Londres tem muitas razões para festejar um resultado que afasta por muito tempo uma grave ameaça à unidade do Reino, mas não pode fugir ao compromisso assumido para com o povo escocês, durante a campanha eleitoral, de aprofundar a autonomia política de que este já goza. Quem conhece os direitos e os poderes de que já usufruem o governo e o parlamento de Edimburgo tem alguma dificuldade em perceber como será possível alargá-los ainda mais, sem estarmos a falar de independência.
Mas este não é o único desafio que o referendo vem levantar ao governo britânico. O seu resultado acabará por ter consequências nos restantes países que fazem parte do Reino, mesmo na própria Inglaterra. O quadro institucional e político da Grã Bretanha terá de sofrer adaptações e estas tornarão ainda mais ténues os laços que sustentam a unidade política de um estado que tem uma história de democracia única no mundo. Mas é precisamente essa história democrática que garante o seu futuro.
António José da Silva
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