JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

Um balanço da crise europeia

À superfície a crise de dívida soberana na Europa parece contida. Com excepção da Grécia, todos os países da zona euro conseguem actualmente financiar-se nos mercados e a taxas historicamente baixas.

Na verdade a Europa apenas ganhou algum tempo. Apesar do terceiro resgate a Grécia continua a ser um problema intratável e em Portugal, Espanha, Itália ou mesmo em França os problemas de fundo estão longe de estar resolvidos.

A crise deixou à vista as extremas debilidades do edifício institucional europeu e, naturalmente, vozes provenientes dos mais diversos quadrantes reclamam reformas de fundo.

É nesse quadro que aparece o relatório dos cinco presidentes (União, Comissão, Parlamento Europeu, Eurogrupo e BCE) que dá pelo nome de “Completar a União Económica e Monetária Europeia”. O documento está disponível em http://ec.europa.eu/priorities/economic-monetary-union/index_en.htm


O documento tem passado despercebido o que é muito negativo. Trata-se de um documento perigoso porque, mais uma vez, se procuram soluções para o impasse europeu com fugas para a frente em direcção ao que poderia ser (vir a ser) os Estados Unidos da Europa. Chavões como “mais Europa” ou “Europa política” são perigosos porque os tempos não estão para isso e, por outro lado, já temos que chegue de voluntarismos prematuros que nos trouxeram ao desastre.

O euro, o maldito euro, que baste! Chega de sonhos bonitos que derivam em pesadelos.

Aprofundar a integração não é possível nas actuais condições políticas europeias como o mostra o miserável desconcerto na resposta á crise dos refugiados. Depois não podemos esquecer que, em muitos países, partidos com visões eurocépticas ou mesmo de oposição à Europa como a conhecemos hoje, estão a ganhar força: Frente Nacional (França), Podemos (Espanha), 5 Estrelas (Itália), Alternativa (Alemanha), Verdadeiros Finlandeses (Finlândia), UKIP (Reino Unido), etc.

O que a Europa precisa não é de uma reforma ambiciosa com mais transferência de soberania a qual, aliás, só seria possível nas costas dos eleitorados actuais, do que precisa, pelo contrário, é de pequenos passos, de soluções pragmáticas para resolução de falhas evidentes e que possam ser remediadas no actual quadro institucional

Na verdade, a Europa devia concentrar-se em apenas duas coisas: a)- perceber as causas da crise; b) – encontrar soluções para esses problemas, na medida do possível, no actual quadro institucional.

Do que precisamos realmente?

1. Processo Falimentar

Os estados devem poder falir. A crise de dívida soberana europeia ocorreu porque, subitamente, os investidores aperceberam-se que a dívida de alguns países era tudo menos segura e que não existiam mecanismos efectivos a nível europeu para lidar com o problema.

Por isso uma primeira medida deveria ser reforçar a cláusula de “não resgate” de uma forma que seja 100% segura e percebida. Isto é, quando alguém comprar dívida soberana de Portugal, Espanha, Grécia ou França deve saber que está a comprar um risco e que, se as coisas correrem mal, está por sua conta.

Para reforçar este tema pode ser muito útil a separação entre dívida segura e dívida não segura. A existência de um layer de dívida mutualizada a nível europeu (segura) ao lado de dívida pela qual só o país responde (arriscada) pode ajudar. Os investidores saberão que na dívida com risco podem mesmo perder o capital investido e por isso serão mais cautelosos.

Esta solução também teria o mérito de deslocar para os mercados o que hoje, em larga medida, depende de decisões políticas e burocráticas tomadas a nível europeu. Todos sabemos como o processo de decisão política na EU é lento, errático e muitas vezes condicionado por necessidades de equilíbrios políticos que levam a soluções subóptimas.

Os mercados não são perfeitos? Claro que não! Mas é preferível que os mercados digam ao país A ou B que ou põem as finanças em ordem ou passam a pagar juros punitivos do que todos os ralhetes de Bruxelas.

2. Desconectar bancos e dívida soberana

É perfeitamente natural que bancos de um determinado país invistam em dívida pública desse país.

Mas isso, em certas condições, pode ser perigoso nomeadamente se uma crise bancária ocorrer em simultâneo com uma crise de dívida soberana. Se há dúvidas sobre a solvabilidade do soberano então é a solvabilidade do banco (que é seu credor) que está em causa e se a solvabilidade do banco está em causa é necessária uma intervenção do soberano a qual, por sua vez, vai colocar ainda mais dúvidas sobre a saúde financeira do soberano.

Pode instalar-se um ciclo vicioso em que bancos e soberano se empurram mutuamente para o fundo.

É necessário quebrar este ciclo vicioso. A solução chama-se união bancária.

3. União Bancária

O primeiro passo necessário é a união bancária. Sem isso nada feito. A união bancária assenta em 3 pilares: supervisão comum, mecanismo de resolução comum e seguro de depósitos comum.

3.1. Supervisão Comum

Destes 3 pilares apenas o primeiro está já em execução mas de uma forma que está longe de ser satisfatória. Basta olhar para o exemplo dos bancos gregos. Desde logo pergunta-se: como foi possível o BCE deixar chegar as coisas ao ponto de termos na zona euro um sistema bancário nacional completamente falido? Mais, como pode o BCE andar meses a assobiar para o lado e a aumentar a linha de liquidez para os bancos gregos a qual pressupõe a solvabilidade do sistema?

Claro que o BCE o fez por sujeição política – não era politicamente oportuno declarar a falência do sistema grego e, eventualmente, projectar a Grécia para fora da zona euro. Como disse Mario Draghi isso era uma decisão para políticos eleitos e não para simples funcionários.

O que está aqui em causa é a independência do banco central.

Mas, mesmo agora que o problema político da Grécia está pelo menos suspenso, não se consegue perceber a lentidão do BCE em analisar a situação dos bancos gregos e decidir as medidas a tomar. Sabendo que um regulador pode ter de tomar medidas em horas, custa a perceber que se gastem meses para uma análise a um sistema bancário onde há apenas 4 bancos sistemicamente relevantes.

3.3. Mecanismo Comum de Resolução Bancária

Um mecanismo de resolução supranacional é necessário. Para cortar de vez o ciclo vicioso bancos/soberano é essencial que a decisão de resolução e o respectivo custo não fiquem a cargo do soberano mas de um fundo supranacional devidamente capitalizado para o efeito

Só que, em relação ao mecanismo comum de resolução as coisas estão ainda mais atrasadas. Só em 2023 o mecanismo comum estará completo.

Contudo, mesmo em 2023 é bem provável que o fundo de resolução fique curto.

É verdade que o mecanismo de resolução bancária aprovado pela EU privilegia ir aos bolsos dos accionistas e credores e por isso pode dizer-se que não será necessária uma montanha de dinheiro.

Não é verdade! Como o caso BES prova, mesmo num país relativamente pequeno e para bancos pequenos por padrões europeus, podemos estar a falar de quantias não despiciendas.

Agora imaginem uma crise bancária global como fogos a arder um pouco por todo o lado.

Nos Estados Unidos, em 2009, o programa de resgate dos mercados (não se tratava só de bancos, é certo) chegou a valores que multiplicam por 15 o total do fundo de resolução europeu quando completo.

4. Independência do banco central

Todos sabemos que um banco central, para ser credível, tem de ser independente do poder político.

No caso da zona euro a questão da independência é mais complicada.

Por exemplo em Inglaterra a independência do banco central é vista como independência do Ministério das Finanças embora obviamente os objectivos de política económica sejam definidos pelo governo.

Um novo governo pode redefinir os objectivos de política económica mas não pode interferir na definição da política monetária em função do mandato do banco central.

Na zona euro de certa forma a independência foi levada ao extremo ao atribuir ao BCE um mandato muito explícito – a estabilidade dos preços -, devidamente quantificado o qual deve ser prosseguido em absoluta independência.

Só que a crise mostrou que não é bem assim. O maior problema não é a interferência de governos (porventura impossível na prática) mas o facto de o BCE não ser verdadeiramente um banco central soberano mas antes uma federação de 18 bancos centrais nacionais. Cada banco central nacional inevitavelmente transporta para a federação um pouco da sua cultura e dos seus interesses. E na curta história do BCE essas contradições não só têm sido evidentes como, pior um pouco, têm sido públicas.

Um banco central só pode dar por garantida a sua independência quando tem apoio da opinião pública. Será difícil para não dizer impossível que o BCE tenha o apoio da opinião pública europeia se continuarmos a ver o BCE como mais uma instância onde os múltiplos interesses nacionais devem ser defendidos. A estrutura federativa/nacional do BCE deveria ser revista. Quando a Reserva Federal foi criada nos Estados Unidos, os distritos da reserva federal foram constituídos de forma a que as fronteiras desses distritos não coincidissem com as fronteiras dos estados. Sábia decisão que, ainda assim, não impediu que durante a Grande Depressão rivalidades regionais tivessem criado grossos problemas.

 

Data de introdução: 2015-10-10



















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