O Governo quer aumentar o conhecimento sobre Portugal junto dos refugiados, e sobre estes antes de os receber, estando a preparar num ‘kit’ informativo que será lançado em Guimarães, previsivelmente no dia 23.
O ministro-adjunto do primeiro-ministro, Eduardo Cabrita, que tutela as migrações, reconheceu em entrevista à Lusa que falta informação de parte a parte. “De março para cá, estamos a melhorar bastante no acesso à informação sobre quem chega. Isso permite-nos colocá-los de forma mais adequada”, frisou, acrescentando que também é preciso “saber com a maior antecipação possível as características” dos refugiados acolhidos.
Desde junho, está a ser distribuído um manual de acolhimento em árabe e inglês com o objetivo de “aumentar a informação, não só sobre Portugal, mas sobre os direitos que têm, não só os que estão ligados ao estatuto de refugiado, mas os que têm a ver com o dia-a-dia, direito à habitação, à saúde, à escola, a aprender português”, detalhou o ministro.
Eduardo Cabrita reconhece as “dificuldades” em lidar com “um fenómeno novo”, mas valoriza “dois fatores” do “capital de Portugal”: o consenso político em torno do problema e o envolvimento das várias estruturas sociais, que devem, porém, ser coordenadas e supervisionadas pelo Estado.
“Temos o privilégio de ser dos poucos países da Europa em que não temos, no Parlamento, nenhum partido político que use como instrumento de debate político ser contra receber refugiados”, assinalou.
“Aquilo que temos é de criar condições para que as pessoas, no futuro, se integrem”, disse. Para tal, é fundamental “melhorar a capacidade e a qualidade de aprendizagem do português”, que deve ser “a prioridade de uma estratégia de língua do Ministério da Educação”, sustentou.
O ministro ressalvou que os movimentos em massa de refugiados são “coisas muito frescas”, lembrando que só agora pode dizer-se que há um “fluxo relativamente regular” para Portugal.
“Em março, estávamos a falar de pouco mais de uma centena de refugiados. 80% dos que chegaram, chegaram nos últimos três meses”, disse.
Os refugiados em Portugal já rondam os 700, quer ao abrigo dos programas de reinstalação das Nações Unidas, quer, sobretudo, no quadro dos programas de recolocação da União Europeia.
Destacando que o primeiro acolhimento tem sido “exemplar”, Eduardo Cabrita admitiu alterar o esquema de receção descentralizada de refugiados.
“Temos de equilibrar e, provavelmente (…), não iremos continuar a multiplicar esta diversificação”, antecipou.
A dispersão – atualmente há refugiados em 66 municípios do país – “cria dificuldades no apoio e no enquadramento”, reconheceu.
A decisão de não concentrar os refugiados em determinados locais “cria dificuldades”, mas o ministro sublinhou que a ideia foi não criar guetos.
“Em Portugal, não haverá campos de refugiados”, garantiu, acreditando que os espaços mais pequenos permitem um “acompanhamento de proximidade”, que favorece a integração de famílias.
É esse o caso de Penela, sobre o qual o ministro garantiu que “não é pelo facto de o projeto acabar que não será mantido um acompanhamento específico.”
Eduardo Cabrita adiantou que o Estado “tem de estar atento” e que “o Instituto de Emprego e Formação Profissional terá futuramente um papel mais ativo” na preparação dos refugiados para a vida ativa.
Apesar das falhas, o ministro rejeitou os argumentos de quem classifica a atual política como assistencialista. “Não temos nada essa visão”, garantiu.
“Não queremos criar dependentes, queremos criar cidadãos que encontram, aqui um novo tempo, uma nova vida”, afirmou.
CRÍTICAS AO ACOLHIMENTO
Duas especialistas em migrações criticaram a política de acolhimento de refugiados em Portugal, considerando que tem sido “essencialmente assistencialista”, definida “de cima para baixo” e sem ouvir as pessoas em causa.
“O problema é que não os ouvimos, não lhes damos o benefício da dúvida sequer. Temos uma atitude hegemónica (…), definimos as políticas de cima para baixo, achamos que sabemos o que eles precisam (…). Somos nós que definimos e raramente lhes perguntamos”, disse Cristina Santinho, antropóloga que trabalha com refugiados há mais de 10 anos.
Reconhecer estas pessoas como “cidadãos de pleno direito” exige uma política de igualdade e cidadania, contrapõe a investigadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), unidade do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.
Há várias formas de o fazer, mas passam por ouvir os próprios refugiados em vez de determinar políticas do topo para a base. “Mas ouvi-los como deve ser, ouvir as suas histórias de vida, as suas narrativas, mais do que as histórias de trauma”, disse a antropóloga.
Para Cristina Santinho, “o essencial é mesmo alterar o paradigma da política, deixar de ser assistencialista, hierarquizada e hegemónica” e passar da caridade – que vê os refugiados como “recetores passivos” – à capacitação de seres autónomos.
Elsa Lechner, também antropóloga e investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, reconhece que a “reduzida” experiência de Portugal no acolhimento de refugiados pode explicar algumas coisas. “Há boa vontade, mas falta planeamento a médio e longo prazo”, resumiu.
As iniciativas recentes de acolhimento têm “muito mérito” e “muitos outros países da Europa” não se disponibilizaram como Portugal, “mas depois, na prática, não se pensa no futuro”.
Para pessoas nesta situação, “uma solução temporária é cruel. Se se for ajudar, então que se ajude efetivamente, que não seja só uma aparência de ajuda. Não pode ser temporária, meramente caritativa, obriga a técnicos especializados”, sustentou Elsa Lechner.
“Isto tudo tem a ver com a forma como vemos os imigrantes, sobretudo os refugiados, pessoas que são sempre representadas como estando entre qualquer coisa, como alguém que não pertence a esta sociedade, não pertence a esta cultura, que nos pede algo e depois nos passa a exigir algo”, lamenta Cristina Santinho.
Esta representação “faz com que não se lhes reconheça o papel político” que têm, impedindo-os de “serem os atores essenciais do seu próprio destino”, observou, assinalando: “Não conheci nunca ninguém que quisesse depender de ajudas do Estado. Todos eles tinham uma vida prévia, muitos deles tinham profissões, ou estudavam. O que eles querem é continuar com as suas vidas”.
Cristina Santinho é especialmente crítica da aprendizagem da língua, que “tem falhado redondamente”.
E deixa exemplos. Pela lei, a entidade responsável por disponibilizar cursos de português a refugiados é o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que “obedece a números mínimos de alunos, que nunca são alcançados”.
Às vezes, “quando os cursos abrem, já os interessados não estão em Portugal”, porque entretanto se passaram anos, criticou.
“Os cursos não estão estruturados para as necessidades concretas desta população e são administrados (…) não por professores especialistas no ensino de português para estrangeiros, que supõe o conhecimento de uma grande diversidade cultural, mas muitas vezes por professores no desemprego que não tiveram formação adequada”, referiu.
“Quando isso falha, falha tudo”, alertou, defendendo que é preciso “garantir uma verdadeira e consistente formação na língua portuguesa”.
Cristina Santinho considera que “há muita impreparação do Estado”, não só porque escasseiam técnicos, mas porque os que existem têm falta de tempo e especialização. “Não existe ainda formação adequada”, frisou, exemplificando com a falta de mediadores culturais e tradutores no terreno.
“Há uma série de situações que é preciso rever com urgência”, concluiu a investigadora.
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