Quando se fala de IPSS muita gente associa-as de imediato à Igreja Católica, o que é profundamente errado. Aliás, as instituições canonicamente eretas são apenas cerca de 30% do universo total de 5.647. E se é um facto que a Igreja Católica está na génese das primeiras instituições sociais, a verdade é que o panorama atual do Sector Social Solidário evidencia que a maioria das IPSS é laica, havendo ainda um sem-número de instituições ligadas a outras religiões. No entanto, confessionais ou não confessionais, todas elas têm uma ação laica e aberta a todas as pessoas, independentemente da crença, aliás como dita a Constituição da República Portuguesa.
Há a ideia instalada na sociedade portuguesa de que as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) são aquilo que, afinal, não são. É frequente ouvir-se dizer que as IPSS são (departamentos do) Estado ou ainda que são coisa da Igreja Católica.
Ora, ambos os rótulos, frequentemente, colados ao Sector Social Solidário não estão corretos. Para começar, as IPSS são, como o próprio nome indica, instituições particulares, de direito privado, mas que não deixam de ser meios públicos. No entanto, não são Estado, cooperam, sim, com o Estado.
“A Constituição define que as IPSS constituem um pilar no sistema de proteção social em vigor no nosso país”, lembra o jurista Henrique Rodrigues.
O outro grande mito urbano em torno das IPSS é o de serem instituições da Igreja Católica. É um facto que muitas o são, mas muitas mais não, sendo até que a maioria é formada por instituições, chamemos-lhes, laicas.
Facto indesmentível é que Portugal é um país maioritariamente católico e os números provam-no. No Censos de 2011, o último realizado em Portugal, dos 8.989.849 cidadãos residentes, 7.281.887 disse-se católico, 56.550 ortodoxo, 75.571 protestante, 3.061 judeu e 20.640 muçulmano, sendo que 163.338 disseram professar outra religião cristã, 28.596 outra não cristã, enquanto 615.332 assumiu-se sem religião.
Ora perante este quadro é natural que em entidades que emanam da sociedade civil a Igreja Católica possa ter um peso maior no cenário geral, mas isso acontece apenas quando falamos de IPSS que têm na sua génese uma qualquer religião ou igreja. E aqui fala-se das igrejas Ortodoxa, Baptista, Adventista do Sétimo Dia, Presbiteriana, Metodista, Assembleia(s) de Deus ou Lusitana para referir algumas de inspiração cristã, mas também nascidas no seio da religião islâmica.
No entanto, olhando-se ao universo global do Sector Social Solidário, os números mostram que as instituições de inspiração religiosa são minoritárias.
“De facto, a maioria das instituições não são canonicamente eretas, não são da Igreja Católica, e há diversas instituições com inspiração de outras religiões, como muçulmana, cristã de igrejas protestantes, e, no universo geral, as instituições da Igreja Católica serão cerca de 30%”, afirma o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), a organização que congrega o maior número de IPSS (mais de 3.000 num universo de 5.647).
“São as Misericórdias, que quando surgiram a questão não se colocava, os centros sociais paroquiais e os institutos de organização religiosa que no conjunto são pouco mais de 30% do universo das IPSS. Há depois um volume muito significativo de instituições que não estão ligadas a nenhuma igreja. São as associações de solidariedade social, as fundações, as cooperativas de solidariedade social, as mutualidades e as casas do povo”, complementa o padre Lino Maia.
Assim é, pois no universo de 5.647 IPSS registadas em Portugal há 3.364 associações de solidariedade social, 174 casas do povo, 252 fundações de solidariedade social, 161 cooperativas de solidariedade social, 85 mutualidades e 1.017 centros sociais paroquiais, 219 institutos de organizações religiosas, 375 misericórdias.
Sabendo-se que, por imposição legal, outras igrejas, como as de matriz protestante, não se podiam constituir de «per si» como IPSS, muitas optaram pelo estatuto de associação de solidariedade social. Mesmo assim, todas essas, juntamente com as canonicamente eretas, ou seja, da Igreja Católica, não superam o número das instituições que não tem qualquer ligação a igrejas ou religiões.
Aliás, a diversidade é uma das marcas do sector, havendo instituições que têm na sua génese fundadora grupos económicos ou industriais, clubes desportivos, associações de mulheres, de cegos, de artistas e outras ou apenas nascem da iniciativa individual ou coletiva de gente preocupada com o outro.
“Isto é a cultura judaico-cristã que está na matriz do povo português. A sociedade portuguesa foi-se estruturando na cultura judaico-cristã e há, quer no judaísmo pré-cristão, quer depois no cristianismo, uma consciência muito nítida de que nós somos guardas uns dos outros, responsáveis uns pelos outros – algo que aparece logo no livro de Génesis –, e que é obrigação de cada um fazer o que está ao seu alcance para que não falte a ninguém aquilo que precisa”, argumenta o padre Lino Maia, reforçando: “Isto está muito presente na sociedade portuguesa, independentemente das religiões que as pessoas praticam ou não praticam”.
Mas na sociedade portuguesa, como um recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos revelou, há mais de 800 confissões religiosas, muitas de inspiração cristã, mas também de outra matriz.
Por exemplo, não bebendo da cultura judaico-cristã, mas tendo matriz abraâmica, também o Islão tem preocupações com o outro e aquele que mais precisa.
“O Profeta de Allah (que a paz e bênção estejam sobre ele) disse: ‘A religião (Islão) é solidariedade’ (Sahih Muslim Nº 55)”, começa por referir Altaf Siddik, responsável máximo pela Comunidade Islâmica do Sul do Tejo, acrescentando: “Uma das obrigações comunitárias que um muçulmano tem é o Zakat (caridade), um dos cinco pilares do Islão. Em inúmeros versículos do Sagrado Quran [Alcorão], Allah enfatiza e expressa o mérito do Zakat. Em 32 ocasiões no Sagrado Quran, Allah menciona o Zakat juntamente com a oração, o que demonstra a importância do Zakat. Como diz, Allah no Sagrado Quran, ‘Observai Salah (oração) e pagai o Zakat’”.
Para além disto, ação solidária baseia-se no dogma: “Sejais misericordiosos para com os que estão na Terra e Aquele que está no Céu será misericordioso convosco”.
Segundo Altaf Siddik: “No Islão somos guiados pelos princípios religiosos, morais e cívicos no que concerne às aspirações e visões globais. Nas localidades onde se estabelecem os locais de culto islâmico, os muçulmanos daquela determinada zona habitualmente tentam congregar, de acordo com conhecimentos e alcance de cada um, esforços em prol dos mais desfavorecidos de modo a responder ou atenuar as dificuldades do próximo, nomeadamente comparticipando ou custeando, entre muitas necessidades, residências sociais nos arredores de Lisboa, tratamentos médicos, ranchos alimentares mensais, propinas e outras aflições pontuais”.
E apesar de ainda não possuir um estatuto de IPSS, a comunidade islâmica tem uma organização que apoia os sem-abrigo no centro da cidade de Lisboa.
Trata-se da Noor’Fatima Voluntariado, uma organização que pretende tornar-se IPSS e que nasceu do impulso da sua fundadora, Nurjaha Tarmahomed. Todas as noites um grupo de voluntários, nem todos muçulmanos, leva comida, roupa, cobertores e outros bens aos sem-abrigo que, noite após noite, fazem das ruas da capital o seu quarto de dormir.
Levar “sorrisos, abraços e uma palavra amiga” é a máxima da Noor’Fatima [que significa Luz de Fátima]”, para além dos bens materiais e alimentos, e que pretende “promover a multiculturalidade e abarca todas as religiões”, como diz a sua mentora e principal responsável.
Mas a Noor’Fatima não é a única instituição de matriz islâmica que atua em Portugal. A mais conhecida é a Fundação Aga Khan, organização que emana da Comunidade Ismaili, há muito sedeada no nosso país.
Liderada pelo Príncipe Aga Khan, o único imã para os ismailis, a Fundação tem como principais áreas de atividade trabalhar junto da sociedade civil, promover o desenvolvimento cultural e infantil e a inclusão económica das franjas mais desfavorecidas, atuando ainda junto dos mais velhos.
Referência incontornável para os ismailis, o imã Aga Khan deve assumir a responsabilidade “na melhoria da qualidade de vida das populações em geral, principalmente onde a pobreza é crítica”, princípio que norteia a ação da Fundação, que é “não confessional” e inspirada no “Imamat”.
E se Nurjaha Tarmohamed refere que, por vezes, alguns sem-abrigo questionam os voluntários que exibem, exteriormente, sinais da sua religião, como o hijab que as mulheres usam, também revela que nunca foram alvo de discriminação.
O mesmo acontece com a Fundação Aga Khan no seu trabalho no terreno com as comunidades que apoia.
Aliás, como se disse, há mais de 800 confissões religiosas em Portugal e, o mesmo estudo revelou ainda que 98% das pessoas interrogadas afirmou nunca ter sido alvo de discriminação por questões de crença.
Também no universo das IPSS o sentimento geral é de que a crença religiosa não é fator de discriminação ou marginalização, seja por parte do Estado, seja por parte dos pares ou até pelas comunidades em que se inserem. Relembre-se que, à exceção das instituições da Igreja Católica, as demais acolhem e apoiam maioritariamente pessoas de outra(s) crença(s).
E se não se sentem discriminadas, todas as instituições que o SOLIDARIEDADE questionou também não discriminam, utentes ou trabalhadores, em função da crença religiosa. Aliás, nem o poderiam fazer, pois a legislação é clara sobre essa matéria.
“Todas as instituições têm que ser reconhecidas pelo Estado com a salvaguarda do serviço a todos, independentemente das opções religiosas ou outras. Mas isso não cria problema porque as coisas são assim universalmente aceites. Andando um bocado pelo país, parece-me que, por vezes, são mais religiosas as instituições, digamos, laicas, do que aquelas que são de orientação canónica”, sustenta o padre Lino Maia.
De facto, todas as instituições interpeladas afirmaram a sua inspiração religiosa, mas todas sublinharam o carácter laico da sua ação junto das comunidades.
“Em bom rigor, não há nenhuma disposição legal que estipule que os equipamentos das instituições possam estar abertos sem nenhum critério de seleção. E se houver critério de seleção implícito, que entendo que há, é no sentido de favorecer as pessoas com menos rendimentos, menos recursos e não em função de crenças. Este não é um critério, nem pode ser. Não que esteja previsto na legislação específica das IPSS, mas por princípios constitucionais de igualdade”, argumenta o jurista Henrique Rodrigues, acrescentando: “Na minha perspetiva, a natureza pública dos bens faz com que os princípios constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade, tenham que ser assegurados pelas instituições, independentemente de serem subsidiadas ou não. Se as IPSS integram um pilar do sistema de proteção social, então têm um papel constitucional, independentemente de serem ou não apoiadas, e na prossecução desse papel estão vinculadas a regras de igualdade”.
Emanuel Dinis, pastor da Igreja Metodista e presidente do Centro de Solidariedade Social de Valdosende, concelho de Terras do Bouro, é perentório, deixando ainda um lamento: “O Estado não discrimina. A Constituição é muito clara nesse aspeto. Mas, é verdade que há pessoas que são funcionários do Estado, aos vários níveis, que podem tratar de forma diferente as instituições ligadas à Igreja Católica Romana e as instituições ligadas à Igreja Metodista ou outras entidades religiosas sem o peso político e social da primeira. O preconceito foi enraizado durante muito tempo. Às vezes ainda há vestígios desse passado indesejável numa sociedade democrática e plural a todos os níveis”.
Joaquim Lopes Moreira, presidente da Associação Baptista Shalom, de Setúbal, afina pelo mesmo diapasão: “Não nos sentimos marginalizados e não marginalizamos ninguém e conquistámos um espaço na cidade de grande credibilidade muito rapidamente. Temos ótimas relações com todos”.
Neste particular das “relações com todos”, refira-se as várias parcerias que a Fundação Aga Khan tem com o Patriarcado de Lisboa [Igreja Católica] ou ainda o almoço solidário que, há nove anos consecutivos, a Comunidade Islâmica do Sul do Tejo promove por altura do Natal. Em 2018, a iniciativa serviu para apoiar a Associação de Solidariedade e Desenvolvimento do Laranjeiro (ASDL), do concelho de Almada.
“O Islão ensina a respeitar todas as crenças e fés assim como instrui o respeito pelos locais sagrados de cada uma das crenças”, refere Altaf Siddik, considerando que, “certamente, esta iniciativa é uma das formas da referida expressão ecuménica, pese embora, seja de referir que o Islão tende a unir todas as crenças antes dela, pelo que, para o Islão, Jesus, Maria, Moisés e todos os outros Profetas são sagrados. Ora, essa crença, por si só manifesta verdadeiramente em termos religiosos e espirituais o carácter ecuménico do Islão”.
Por seu turno, o pastor Samuel Aires defende que, no caso da Igreja Adventista do Sétimo Dia e da experiência nas quatro IPSS espalhadas pelo país, a filosofia é de abertura à comunidade.
“A nossa filosofia é muito aberta, a Igreja Adventista tem como filosofia de vida ser aberta à comunidade, por isso, damo-nos bem com os outros, pelo que é fácil os outros darem-se bem connosco”, argumenta, acrescentando: “A instituição tem palmilhado o seu percurso, com respeito por todos os credos, trabalhando em rede com todos os parceiros, na comunidade e com a tutela, cumprindo aquilo que está definido para as IPSS e abrangido pelos estatutos”.
Para o presidente da CNIS, neste imenso universo que são as IPSS, confessionais e não confessionais, não deve haver discriminação entre elas, até porque “o Estado não discrimina”.
“Tenho medo é que, se estas instituições canonicamente eretas, ligadas à Igreja Católica, se entrincheirarem numa organização só delas, haja discriminação e culpo as instituições por isso acontecer”, começa por dizer, explicando: “Uma característica muito importante na Igreja é a da abertura ao mundo. É aquilo que o Papa Francisco diz, o ‘ir até às periferias, cheirar as ovelhas, estar no meio do povo, em especial, nas zonas mais carências’. Isto é o que é ser cristão. Agora, se as instituições se entrincheirarem numa organização só delas pode querer significar algum fechamento ao mundo e até admito que possam vir a ser discriminadas, porque elas próprias estão a discriminar”.
E se a discriminação negativa não existe, seja qual for a crença fundadora da instituição, já o dia-a-dia é diferente de instituição para instituição e até os locais de culto estão mais ou menos presentes. E uma análise empírica revela que é mais por «exigência» dos utentes do que por imposição das entidades religiosas fundadoras das instituições que existem locais de culto e momentos de culto no interior das instituições.
Por exemplo, a Fundação Maria da Conceição e Humberto Horta, sedeada em Torres Novas, assume ter duas vertentes distintas: uma social, com dois lares de idosos (“Uma continuidade do que os fundadores iniciaram de uma forma informal”, diz Augusta Pereira, diretora-técnica da instituição), e uma outra religiosa, que se baseia numa comunidade de padres e freiras da Igreja Ortodoxa, com um mosteiro e uma catedral.
No entanto, “a parte religiosa e a parte social não se misturam”, sublinha Augusta Pereira, acrescentando: “A Fundação nunca pertenceu à Igreja Ortodoxa, coexistem apenas no mesmo espaço”.
Já a pastora Sandra Reis, da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, reforça esta ideia, com o exemplo da instituição a que a igreja está ligada: “O Centro Social de Cova e Gala [Figueira da Foz] é um projeto de desenvolvimento comunitário integrado e integral, iniciativa da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, mas é um projeto autónomo”.
Esta é também a realidade de muitas outras IPSS, ou seja, os lugares de culto e os equipamentos sociais coexistem lado a lado, mas nem sempre se misturam. Na maioria dos casos a origem está nos lugares de culto, surgindo posteriormente as instalações sociais. Isto acontece muito com os centros sociais paroquiais, ligados à Igreja Católica, mas também com as IPSS de inspiração protestante. É o caso por exemplo da Igreja Lusitana Católica Apostólica Romana, em Vila Nova de Gaia, cuja igreja erigida no Torne, há 150 anos, serviu igualmente de escola, dando depois origem à Associação de Escolas do Torne e Prado (AETP), IPSS que agora se dedica mais aos idosos, mas também à infância.
Já em Salvaterra de Magos, a igreja e as demais dependências do Lar Adventista para Pessoas Idosas (LAPI) são um edifício único, construído de raiz.
Por outro lado, é recorrente encontrar-se em IPSS laicas locais de culto criados especificamente, na maioria da Igreja Católica, porque, segundo os vários responsáveis pelas instituições, “as pessoas mais velhas são muito religiosas”, daí que muitas proporcionem, inclusive, momentos de culto, com rezas do terço ou eucaristias.
Com mais três estabelecimentos (Leiria, Funchal e Vila Nova de Gaia), a Assistência Social Adventista acolhe em Salvaterra de Magos uma maioria de utentes adventistas, o que já não acontece nos outros três. Ali todos os dias são promovidos momentos de meditação, que participa quem quer, mas a que muitos aderem.
“Como isto vem da Igreja, há aqui um fator religioso associado. Uma grande parte dos utentes aqui em Salvaterra de Magos é adventista e temos uma igreja local. Se fosse numa igreja normal, noutro local, tínhamos duas reuniões por semana, aqui proporciona-se que haja meditações diárias. O aspeto espiritual é um ponto forte na sua vivência diária, porque aqui têm a igreja dentro de casa”, explica o pastor Samuel Aires.
Certo é também que na generalidade das IPSS de inspiração cristã (católicos, protestantes e ortodoxos) os momentos mais importantes ligados à vida de Cristo são assinalados, mais ou menos entusiasticamente, tal como as da Igreja Católica celebram ainda algumas datas ligadas a Maria, mãe de Jesus.
Onde se revela a presença das diversas igrejas nas IPSS de forma clara é nos órgãos sociais. Por exemplo, as canonicamente eretas, há hierarquias diocesanas e paroquiais. Assim, nos centros sociais paroquiais o presidente da Direção é, por inerência, o pároco local.
“Segundo os nossos estatutos, os membros dos órgãos sociais têm que pertencer a uma Igreja Baptista, a nossa ou a outra. E isto tem uma razão, porque, como somos bíblicos, caso não fosse assim a Associação podia cair nas mãos de pessoas que poderiam desvirtuar a missão e os valores que estão na sua génese. Aliás, temos muitos sócios que não pertencem à Igreja”, aponta Joaquim Lopes Moreira, presidente da Associação Baptista Shalom, ligada à primeira Igreja Baptista de Setúbal.
Aliás, uma rápida passagem de olhos pelos valores que guiam as mais diversas IPSS de inspiração cristã, é frequente encontrar-se coisas como: “É uma IPSS de raiz cristã visando servir as famílias no apoio à infância, aos jovens e idosos, educando e apoiando ao longo da vida” (Centro de Solidariedade Social de Valdosende); ou “A Ação Social expressa e busca cumprir os valores cristãos na sociedade, com o objetivo de propiciar condições para a plena realização da pessoa humana, ao próximo, à natureza e a Deus” (Associação Baptista Shalom); ou ainda “Toda a sua ação assenta nos valores da mensagem cristã que estiveram na sua génese e dos quais é herdeira” (AETP).
No fundo, são os valores da chamada cultura judaico-cristã que o presidente da CNIS referiu e que toca as instituições de inspiração cristã, mas também as laicas: “[Tem] o objetivo de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos” (CASCI – Centro de Acção Social do Concelho de Ílhavo).
No entanto, com fé ou sem ela, as IPSS guiam-se essencialmente por valores como a ética, a integridade, solidariedade, respeito e rigor, humanismo e igualdade de oportunidades.
No entanto, Henrique Rodrigues lembra que “o movimento das religiões está muito agitado, porque há religiões que estão em recessão e há outras que estão em expansão e em proselitismo”. Para o jurista, “nunca se pode pensar que hoje é de uma forma, porque amanhã tudo pode mudar”, e sublinha: “Há nomeadamente umas correntes religiosas com uma grande capacidade de proselitismo e em grande crescimento, não só no Brasil, mas em Portugal também. E essa é uma realidade com que vamos ter de conviver no futuro. Isto é, nós somos um país que tem uma estrutura matricial ligada à Igreja Católica e andou-se muito tempo a laicizar a Igreja Católica nesta perspetiva das respostas às necessidades das populações. Isso foi conseguido, mas subsistem riscos de religiões em expansão e menos consolidadas e sedimentadas não cumprirem esses critérios. Como em tudo, não obstante obedecer aos princípios constitucionais, do ponto de vista sociológico não são todos iguais”.
Num país considerado por todos como um dos mais tolerantes do mundo em termos religiosos, a coabitação das mais diversas crenças é bastante pacífica e a sua projeção no universo das IPSS segue esse mesmo princípio, tendo como fim último apoiar a população, em especial as franjas mais desfavorecidas e carenciadas.
Nota ainda para o Templo Ecuménico erigido pela Fundação ADFP, de Miranda do Corvo, um monumento ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso, um espaço onde cabem todas as religiões do mundo e que é um excelente local para se tomar contacto com a(s) sua(s) história(s) e os seus fundamentos.
Por fim, e para reflexão: “Muitos ateus não são inimigos de Deus, mas são inimigos de um certo tipo de teísmo, de uma teoria humana sobre Deus. E há vários tipos de teísmo muito problemáticos. O ateísmo pode ajudar-nos a purificar a nossa fé da idolatria” (Tomáš Halík, teólogo católico checo, dixit).
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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