1. Realizado em 2019 sobre os rendimentos do ano anterior, o "Inquérito às Condições de Vida e Rendimento" indica que 17,2% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2018. Menos 0,1 ponto percentual que no ano anterior.
Segundo o mesmo Inquérito, embora diminuindo (pouco) o risco de pobreza em Portugal, contudo sobe (bastante) entre quem trabalha: a taxa de risco de pobreza para quem trabalha passou dos 9,7% para 10,8% em 2018 e nos desempregados passou de 45,7% para 47,5%, descendo, porém, nos reformados de 15,7 para 15,2.
Apesar de alguma redução do risco de pobreza infantil, em 2018 a presença das crianças num agregado familiar continuava a estar associada a um risco de pobreza acrescido, sobretudo no caso dos agregados constituídos por um adulto com pelo menos uma criança dependente (33,9%) e naqueles constituídos por dois adultos com três ou mais crianças dependentes (30,2%).
De acordo com o indicador que conjuga as condições de risco de pobreza, de privação material severa e de intensidade laboral per capita muito reduzida, 2 215 milhares de pessoas encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social em 2019. A taxa de pobreza ou exclusão social é de 21,6%, idêntica à registada no ano anterior.
Com um Estado Social em funcionamento e uma sociedade em ação, todavia, há um elevado número de pessoas que não são completamente autónomas para satisfazer as suas necessidades diárias e que depende de múltiplas ajudas para viver.
Uma conclusão parece óbvia: se os apoios sociais atenuam os sofrimentos da pobreza, porém, sobretudo a pobreza hereditária, parece persistir e estar aí para perdurar através das gerações…
2. "A pobreza é injusta e manifestação de outras injustiças".
Encarando a pobreza “como um fenómeno de complexas causas e de abordagem transversal", o Presidente da República tem vindo a assumir o apoio aos sem-abrigo (uma expressão da pobreza, não a única) e o combate à pobreza como um desígnio nacional, que supõe não só uma "estratégia" como a conjugação de "meios públicos e privados". E, inspirando cidadãos para a causa de um Portugal mais justo e coeso, reconhece que este combate para ser eficaz, também tem de ser "feito caso a caso, pessoa a pessoa".
Por sua vez, numa leitura programática dos números da chaga da pobreza e do respetivo combate que se impõe, o Primeiro Ministro tem vindo a apontar como “prioridades” da Legislatura a erradicação da pobreza no trabalho, a erradicação da pobreza entre os idosos e – “a mais importante” – a erradicação da pobreza nas crianças, “de forma a prevenir a reprodução de uma nova geração de pobreza através das crianças e dos jovens”.
Louve-se.
Toda a espécie da apoios é importante, como importantes são os apoios aos idosos, aos sem-abrigo, à política de natalidade e de rendimentos do trabalho. Provavelmente, porém, insuficientes para a eficaz e definitiva erradicação da pobreza.
3. Numa declaração recente, o Papa Francisco disse que não se pode ajudar à distância quem é pobre e que é necessária a aproximação, o “tocar as chagas" de forma a reconhecer a vulnerabilidade também de quem se ajuda.
Talvez isso deva merecer alguma atenção porque por aí poderá estar um bom caminho a percorrer.
Há uma pobreza herdada, persistente e transmissível. É a pobreza dos que nela nasceram, com ela convivem durante toda a sua vida, a doam aos seus vindouros e no seu seio certamente morrerão.
Os números da pobreza podem descer umas décimas aqui ou ali. Porém, ela mantém-se por aí serenamente. Múltiplos apoios fazem minorar as suas dores; mas são insuficientes porque não atingem definitivamente as suas causas. Também as Instituições de Solidariedade, quase todas surgidas para curar alguns desses sofrimentos, são impotentes na sua eficaz e definitiva eliminação.
É nessa chaga de dor que é preciso concentrar os olhares.
É uma pobreza que carece de apoios sociais mas que também não dispensa uma aposta séria na educação.
A via da complementaridade social com educação é a arma de uma geração.
Quando um Partido insiste em dotar o País de creches para todos pode estar a apontar um bom caminho a percorrer. Se idealizar creches para todos num processo educativo proposto à nascença.
Exatamente para todos, sobretudo para aqueles que nascem no seio de uma pobreza congénita, porque provavelmente é por aí que encontrarão a via para dela se emanciparem.
E chamando a sociedade ao seu envolvimento. Contando necessariamente com as Instituições de Solidariedade. Acenando o apoio das autarquias. Exigindo o compromisso do Estado.
Lino Maia
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