No próximo dia 15 de janeiro, o Teatro Thalia, em Lisboa, acolhe a comemoração do Dia da CNIS. Assim, o 39º aniversário da maior confederação de instituições sociais portuguesas terá uma tarde dedicada à reflexão e ao debate não apenas do presente e do futuro do Sector Social Solidário, com a conferência «Direitos Fundamentais em Contexto de Resposta Social», mas igualmente fará uma abordagem ao passado das IPSS, com a apresentação do livro «Das Confrarias às Instituições Particulares de Solidariedade Social. O longo caminho das Instituições Particulares de Solidariedade Social em Portugal – subsídios para a sua História», da autoria de Isabel Monteiro.
Dia 15 de janeiro é há muito o Dia da CNIS. E para assinalar o 39º aniversário, a CNIS promove uma tarde de reflexão que terá como pontos altos a conferência «Direitos Fundamentais em Contexto de Resposta Social» e a apresentação do livro «Das Confrarias às Instituições Particulares de Solidariedade Social. O longo caminho das Instituições Particulares de Solidariedade Social em Portugal – subsídios para a sua História», da autoria de Isabel Monteiro, colaboradora da Confederação.
A obra é o resultado de um aturado trabalho de investigação, coordenado por Manuela Mendonça, até há pouco presidente da Mesa da Assembleia Geral da CNIS, e que exigiu grande dedicação e labor da autora.
O impulso para Isabel Monteiro avançar para tão exaustivo trabalho deu-se quando, após fazer o levantamento e organização de todos os livros que se encontram na sede da CNIS, tomou consciência de que, ao contrário das misericórdias, as IPSS não têm uma obra escrita com a sua história desde os primórdios.
“Penso que todas as organizações, tal como a CNIS, devem conhecer a sua história e ter consciência de onde vêm, para onde vão e o que é que fazem. E ao ler vários livros dos que aqui estão na CNIS, pensei propor à Direção fazer a história da organização e das organizações que a compõem”, começou por dizer, ao Solidariedade, a autora, lembrando que a história da CNIS, enquanto Confederação, já está exposta no livro «UIPSS/CNIS – 30 anos ao serviço da solidariedade», “mas as IPSS não vêm daqui, vêm de muito mais atrás” e “a maior parte das pessoas que estão à frente das IPSS não sabe de onde elas vêm”.
O «Portugaliae Monumenta Misericordiarum» é a obra que conta toda a história das misericórdias, mas nada há de semelhante sobre as IPSS, que “não se resumem ao tempo de história da CNIS, pois vêm muito mais de trás”.
E é aqui que começam algumas das revelações, apesar de, como diz a autora, “nada disto ser novo e desconhecido”: “As IPSS são anteriores às misericórdias, porque estas nascem daquilo que hoje chamamos Instituições Particulares de Solidariedade Social”.
Com referências aos primórdios da nacionalidade, em Portugal sempre existiu um espírito solidário entre as pessoas, que sempre tomaram em mãos a tarefa de acudir aos mais necessitados, com diferentes respostas consoante os tempos que se viviam.
“E é isto que as instituições precisam de saber, é que são do povo, vieram do povo e tem que estar para o povo”, sublinha Isabel Monteiro, acrescentando: “E ajudaram a construir aquilo que hoje podemos chamar de sistema de segurança social público”.
Para a autora, “as instituições não têm noção desse percurso histórico e de onde vêm, porque se tivessem não tomavam as posições que tomam, nem se posicionavam como o fazem, por vezes”.
Mesmo assim, findo o livro e assimilado todo o percurso que as entidades, a que hoje chamamos IPSS, fizeram ao longo dos séculos dá à autora confiança no futuro: “Dá garantias para o futuro, porque venha o que vier o povo dirá sempre presente. Venha o que vier, as instituições vão sobreviver sempre, porque vêm do povo e são para o povo”.
O aturado trabalho de investigação desenvolvido, começou por confirmar que “as confrarias e as instituições são anteriores ao início da nacionalidade”, revela.
“Não havia organizações com os nomes que hoje lhes damos, mas tinham nomes correspondentes aos que hoje lhes damos, como as confrarias, de vários tipos, onde temos as albergarias e, mais tarde, os hospitais e também o surgimento dos esmoleres e das esmolarias, que também são um tipo de instituição social. Para além disto, há toda a ação social de proteção à infância, aos idosos e aos mais pobres, que vem desde o início da nacionalidade”, conta, acrescentando: “Desde o Tratado de Zamora, de 1143, que marca o início da nacionalidade, podemos entender que este tipo de solidariedade já existia na Europa e também no território que depois será Portugal. E aqui não trago nada de novo, porque o meu trabalho consubstanciou-se, na primeira parte, em todos os trabalhos que li e onde encontrei referências a este tipo de solidariedade e de intervenção, junto dos mais pobres, dos mais abandonados e também daquilo que eram os peregrinos, e em que apenas fiz uma síntese”.
Segundo a autora, “isso é anterior à nossa nacionalidade e vem com as ordens religiosas conventuais e não conventuais, que na sua missão tinham as albergarias e também a proteção aos idosos”.
Muito importante em todo este contexto é a “mentalidade judaico-cristã, que levava à criação de solidariedades várias que se entrecruzavam com as ordens religiosas, mas também com o povo na expressão da sua religiosidade, no sentido de tratar do seu pobre e dos seus pobres”, evidenciando-se aqui uma característica própria da época: “Era uma solidariedade muito direcionada e muito presa a um tipo de religiosidade. Havia a necessidade de ajudar os pobres para salvação da alma. As pessoas davam o seu contributo e tinham em retorno a salvação da alma. É uma solidariedade muito ligada à religiosidade judaico-cristã que se foca muito no «meu pobre». E em Portugal tudo isto foi assim até ao século XV, XVI”.
No livro é também retratado o surgimento e proliferação das misericórdias, que “num primeiro momento se dedicavam a tratar dos reclusos e a enterrar os mortos”, tendo só mais tarde ficado com os hospitais.
Na fase de aparecimento e proliferação das misericórdias, estas “começaram a aglutinar as diversas confrarias, exceto algumas que ficaram sempre autónomas, mas a par das misericórdias vão existindo sempre aquelas confrarias que nunca foram aglutinadas e que foram sempre nascendo da vontade do povo e das pessoas”, conta, prosseguindo: “Mesmo na época do Marquês de Pombal, em que as misericórdias foram alvo de grande apoio, as pequenas confrarias vão sobrevivendo, algumas na clandestinidade, devido à expulsão das ordens religiosas, sempre com o empenho dos seus fiéis e com o chamado bodo”.
Apesar dos tempos difíceis, “existem sempre pequenas instituições ligadas às ordens religiosas, mas sobretudo ligadas a grupos de cristãos comprometidos que queriam ajudar os seus pobres”.
Depois, a certa altura o conceito de pobreza alarga-se e deixa de haver o «meu pobre» para salvação da alma, mas passa a haver uma noção mais abrangente e as instituições também alargam a sua atividade.
Apesar da evidência empírica que muitos têm de que os grandes movimentos sociais e correntes de pensamento sempre passaram um pouco ao lado de Portugal e quando chegaram foi sempre com muito tempo de atraso, Isabel Monteiro confirma-o, em pleno, após a investigação que fez.
E isso levou-a a debruçar-se e a fazer uma abordagem à Doutrina Social da Igreja, que tal como as teorias políticas, como socialismo ou capitalismo, os movimentos sociais reformadores e as correntes de pensamento que foram mudando a Europa e o Mundo também chegou tarde e muito devagar a Portugal.
“Há vários momentos históricos que vão mudando o mundo, mas a Portugal chega sempre muito pouco de tudo o que acontece na Europa, como a Revolução Francesa e, mais tarde, a Revolução Industrial, e até na América, com a Revolução Americana. Os efeitos não se fizeram sentir muito em Portugal por causa da Concordata com a Santa Sé”, afirma, concluindo: “Daí também o nosso sistema de segurança social ser muito diferente dos dos outros países europeus. O nosso é algo único, por causa da nossa ligação à Igreja e ao Papa e da resistência que sempre houve à novidade”.
E é nesse âmbito que a autora faz uma abordagem à Doutrina Social da Igreja e o seu desenvolvimento.
“Tudo o que é sobre a Doutrina Social da Igreja, que é de uma grande novidade e acutilância no sentido de lutar pelos pobres, pela igualdade salarial, a cogestão e autogestão das empresas, e em tudo aquilo que ela se distingue do socialismo, chegou cá muito tarde. A grande diferença com o socialismo prende-se com a defesa da propriedade privada. Por isso o meu livro começa por abordá-la, porque é lá que as nossas instituições vão beber. E dá para perceber como é que em Portugal nos distanciámos da Doutrina Social da Igreja, do socialismo e do capitalismo e criámos um sistema muito próprio”, argumenta, referindo um facto que é bem ilustrativo de como o nosso sistema tem raízes profundas: “Ao longo da nossa história, as crianças abandonadas ou colocadas nas famosas rodas eram responsabilidade da Coroa, mas as crianças eram entregues a essas entidades que hoje chamamos IPSS, tendo o Estado a obrigação de suportar as despesas. Isto é muito interessante, porque reflete o sistema que temos hoje”.
Outros períodos da história das IPSS são abordados na obra, tal como a I República ou o 25 de Abril, sendo que há um denominador comum em todos eles desde o dealbar da nacionalidade: “Houve sempre uma intervenção comunitária, começada com o «meu pobre» e depois o «nosso pobre», até que chegamos à abertura à comunidade. As IPSS vieram da comunidade, para a comunidade e são da comunidade, não são de ninguém”.
E para confirmar esta ideia, Isabel Monteiro recorda os tempos da I República.
“Aquando da República e da expulsão das ordens religiosas foi um caos com o encerramento de diversas respostas para os mais pobres, mas mesmo assim o povo pegou nelas e muitas não as deixou fechar. E muitos religiosos mantiveram-se cá dentro protegidos pelo povo”, conta, sublinhando: “Em Portugal, sempre que o Estado se mostrou afetado, a sociedade civil deu sempre resposta”.
Para realizar este trabalho, Isabel Monteiro contou com a prestimosa colaboração “de muitos amigos” que se disponibilizaram para ajudar requisitando livros nas bibliotecas de algumas universidades e até sublinhando passagem de obras, num período em que a autora, fruto de uma cirurgia, ficou com a visão bastante reduzida.
Por outro lado, contou com a colaboração e coordenação de Manuela Mendonça, docente de História, na Universidade de Lisboa, que considera como principal contributo da obra, que a CNIS apresenta dia 15 de janeiro, “o conhecimento que traz e que é muito importante”.
“É fundamental que conheçamos o processo histórico do Sector e este é um contributo importante para que nos conheçamos enquanto IPSS. Depois é preciso que se saiba que, ao longo de todos os séculos da história de Portugal, enquanto país, sempre houve preocupação da sociedade em responder aos problemas sociais”; argumenta Manuela Mendonça, frisando: “É importante que reconheçamos essa característica do povo português, que é a solidariedade”.
Pedro Vasco Oliveira
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