Passaram, ainda recentemente, pouco mais de dez anos sobre a declaração da independência do Kosovo. O novo estatuto daquela antiga província da Jugoslávia só foi reconhecido então por uma parte significativa dos países membros da ONU desta organização internacional, enquanto um número razoável dos restantes recusou, até hoje, aceitar aquela resolução. Estão neste caso estados que enfrentam problemas de unidade territorial, linguística ou cultural como é o caso da Espanha, e ainda outros países condicionados por alianças históricas, como acontece por exemplo com a Federação Russa, cuja ligação política e religiosa à Sérvia sempre marcou as relações entre os dois povos.
A independência do Kosovo resultou de um conflito armado que envolveu forças da NATO e da Sérvia e que muitos consideram a última guerra europeia. O novo estado nasceu da incapacidade do governo de Belgrado em perceber, a tempo e horas, as consequências políticas duma transformação demográfica que fez da população de origem albanesa a etnia dominante naquele território da antiga Jugoslávia. Os dirigentes sérvios, e particularmente Slobodan Milosevic, reponderam a esse desafio com uma política repressiva que foi tornando cada vez mais difícil e perigosa a expressão publica da identidade histórica e cultural dos kosovares de origem albanesa. Empurrados para uma espécie de gueto, estes foram politizando as suas reivindicações até chegarem à utilização da violência, e mesmo da guerra, na sua luta por aquilo que consideravam a sua dignificação. O resto da história já é conhecido. Face à resposta cada vez mais intolerante do governo de Belgrado, uma parte da comunidade internacional, com o apoio da ONU, decidiu intervir envolvendo-se numa guerra que esteve longe de contar com o apoio de todos os membros daquela Organização.
Durante estes onze anos de independência, o novo estado ainda não conseguiu ter do seu lado países com um peso decisivo ma Organização das Nações Unidas, como é o caso da Rússia e da China. Mesmo assim, e apesar da oposição da Sérvia, o Kosovo tem evoluído politicamente como qualquer outro país democrático, com problemas e crises internas que vai resolvendo com o recurso a eleições, como aconteceu ainda há pouco tempo. A sua participação surpreendentemente positiva no campeonato europeu de futebol diz bem do caminho percorrido pelo novo estado.
De qualquer modo, as feridas daquela que pode ser considerada a última guerra europeia não estão ainda totalmente cicatrizadas. A reacção da maioria dos seus habitantes à recente atribuição do Prémio Nobel da Literatura ao escritor austríaco Peter Handke, a quem acusam de ser um admirador da Milosevic, diz bem de como essas feridas ainda doem.
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