1 - De modo idêntico aos anos anteriores, decorreram na passada sexta-feira as comemorações do 31 de Janeiro, recordando a primeira tentativa de implantação da República em Portugal, em 1891, na manhã do dia 31 de Janeiro, na cidade do Porto.
O País vivia ainda a humilhação sofrida com o “Ultimatum” britânico, de Janeiro de 1890, em que a Inglaterra ordenava que Portugal abandonasse os territórios da África Austral, entre Angola e Moçambique, que tinham sido ocupados, em nome de Portugal, pela expedição dirigida por Serpa Pinto, e que constituíam o chamado “Mapa Cor de Rosa”.
O livro do célebre militar de Cinfães do Douro, “De Angola à Contracosta”, descreve o reconhecimento desses territórios e a incorporação dele nos domínios coloniais do nosso País.
Portugal – melhor, a Monarquia Portuguesa, sendo Rei D. Carlos I - vergou-se ao comando do Império Britânico, cedendo esses territórios aos ingleses; constituindo-se nesse espaço as colónias da Zâmbia e da Rodésia.
A cedência aos ingleses causou um vivo repúdio patriótico por parte do povo e das elites intelectuais burguesas; o que, de par com o crescimento do movimento republicano, através do respectivo Partido Republicano, levou à criação de condições propícias à implantação da República, através de uma Revolução.
(Uma das obras emblemáticas resultante dessa revolta contra a fraqueza da Monarquia foi o livro de Guerra Junqueiro, “Finis Patriae” – o “Fim da Pátria”:
“Ó cínica Inglaterra, ó bêbeda impudente,/ Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão?/ Chitas e hipocrisia, evangelho e aguardente,/ Repartindo por todo o escuro continente/ A mortalha de Cristo em tangas de algodão.// Vendes o amor ao metro e a caridade às jardas,/ E trocas o teu Deus a borracha e marfim,/ Reduzindo-lhe o lenho a coronhas de espingardas,/ Convertendo-lhe o corpo em pólvora e bombardas,/ transformando-lhe o sangue em aguarrás e em gin …”
Passe a semântica que hoje diríamos racista … E era um poeta que era adepto das ideias novas … Mas era então outro o contexto …
Que me perdoem os novos vigilantes da liberdade de expressão: mas não dou para o peditório da condenação do passado pelo olhar de hoje.)
O movimento revolucionário do Porto, em 31 Janeiro de 1891, teve muitas semelhanças com o 25 de Abril de 1974: ambos foram levadas a cabo pelos militares mais modestos – sargentos, praças, escassos oficiais de baixa patente -; tendo ficado para a posteridade os nomes do Capitão Leitão, do Alferes Malheiro e do Tenente Coelho como os principais lideres militares da Revolta, nomes incontornáveis da toponímia portuense.
Não foi a condição de mais velho aliado de Portugal que impediu a Grã-Bretanha de destratar o nosso País, a pretexto de os direitos deste se oporem às suas ambições – o que devia deixar lições sobre o que são as relações entre Estados, designadamente quando um desses Estados é forte e o outro é fraco.
2 – Quem veio ao Porto apresentar a principal intervenção comemorativa do 31 de Janeiro, em 2020, foi Manuel Carvalho da Silva, o histórico dirigente da CGTP – que lembrou a coincidência de ter calhado também no dia 31 de Janeiro, mas de 2020, a data do “Brexit”; que, do mesmo modo que em 1891, envolve o Reino Unido e a forma como este interpreta e faz valer os seus interesses, mas envolve igualmente Portugal e os efeitos que a saída do Reino Unido da União Europeia poderá vir a ter no nosso País.
Como há 129 anos …
O 31 de Janeiro teve, além do mérito imediato de traduzir a Revolta do Porto contra o “Ultimatum” e a arrogância britânica, a natureza de uma premonição, de uma espécie de ensaio, da Revolução que, uns escassos 19 anos depois, em 5 de Outubro de 1910, haveria de levar à implantação da República.
A chamada Revolta do Porto constituiu ainda uma sequela, uma contiguidade, da Revolução de 24 de Agosto de 1820 – faz este ano 200 anos redondos -, também nascida e criada no Porto, que instaurou a democracia liberal representativa em Portugal, no modelo que ainda hoje perdura nos seus traços essenciais.
Também o 24 de Agosto germinou na revolta patriótica contra uma espécie de ocupação inglesa – já que era o Marechal inglês William Beresford quem ditava as leis em Portugal, a mando do Rei D.João VI, instalado no Brasil desde 1807.
Portugal fora invadido pelos exércitos de Napoleão – e o Príncipe Regente, D. João, futuro Rei D, João VI, acompanhado da sua Mãe, a Rainha D. Maria I, que enlouquecera, fugira com a Corte para o Brasil, mudando para o Rio de Janeiro a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Tropas inglesas, que, durante as Invasões Francesas, entre 1807 e 1811, tinham vindo para o nosso País, a fim de ajudar a derrotar os invasores – o que não constituiu nenhum favor, uma vez que o principal inimigo de Napoleão eram as Ilhas Britânicas, só tendo invadido Portugal por o nosso País se ter colocado ao lado da Inglaterra nesse conflito entre as duas margens do Canal da Mancha – tropas inglesas por cá resolveram permanecer.
Era William Beresford quem chefiava a Junta de Regência, com o beneplácito da Corte, que se deixou ficar pelo Brasil após a derrota de Napoleão, agora já com o Príncipe D. João elevado a Rei, por morte da Rainha D. Maria I.
Entretanto, muito por influência do Espírito das Luzes, e dos ideais da Revolução Francesa, de 1789, baseada no tríptico constitutivo da democracia liberal -Liberdade, Igualdade, Fraternidade (ideais a que foram permeáveis as elites burguesas que conviveram com os ocupantes franceses, e de que eram igualmente portadores os soldados portugueses que haviam sido incorporados nos exércitos de Napoleão, e que regressaram a Portugal, findo o Império) -, a ambição de um sistema que acabasse com os antigos privilégios de classe, da nobreza e do clero, e instituísse um regime favorável à igualdade de todos os cidadãos e garantisse a liberdade de comércio passou a constituir um anseio cada vez mais forte.
Foi a esse anseio que os revolucionários do Porto, de 1820, corresponderam com a Revolução vitoriosa de 24 de Agosto, impondo ao Rei o seu regresso ao Reino e a promulgação da primeira Constituição Portuguesa, de 1822, consagrando a separação de poderes.
3 – A julgar pelos últimos séculos, não nos deu grande lucro a aliança com a Inglaterra, que nos vem desde o casamento de D. João I com D. Filipa, da Casa de Lancaster, nos finais do século XIV.
Não é de estranhar … A lição da História é que é sina dos pequenos acolherem-se à sombra dos fortes - o que foi o nosso destino ao longo desta antiga Aliança Luso-Britânica.
E a mesma lição é de que os pequenos ficam sempre a perder.
Como escreveu o Pe. António Vieira, no Sermão de Santo António aos Peixes, “A primeira cousa que me desedifica de vós, peixes, é que vos comeis uns aos outros … Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos …”
Quem diz peixes, diz países.
Mas sempre tenho para mim a ideia de que o chapéu da União Europeia nos serve melhor – e temos nela mais voz – do que o do chapéu da sujeição à soberania e sobranceria inglesa – que, quando, ao longo da História, houve vento, sempre nos levou de escantilhão.
Henrique Rodrigues (Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde)
Não há inqueritos válidos.