O planeta Terra aguarda que a rotina dos dias se instale novamente. Mas enquanto o “Depois” não chega, vivemos um dia de cada vez, em alerta permanente. Enquanto seres humanos, somos naturalmente atraídos para o que é familiar (assim aprendemos e somos quem somos). Perante cada desafio recolhemos, de entre as nossas aprendizagens, os caminhos e soluções que se provaram mais eficazes ao longo da vida. Hoje, porém, deparamo-nos com um cenário que dificilmente antecipamos. Vasculhamos no baú de aprendizagens quais as ferramentas e recursos que melhor se poderão adaptar. Não é estranho que se instalem sensações e sentimentos que, se não forem devidamente aplacados, podem escalar para sofrimento. Ninguém está imune a este círculo vicioso do medo ou da tristeza. Mas isso não significa que não seja possível revertê-lo ou evitá-lo, gerindo estas emoções de forma mais saudável. Como, então, podemos lidar com este assustador e admirável novo mundo, pelo menos enquanto ele acontece?
Importa saber que os pensamentos que geramos propiciam sensações e sintomas no corpo, que por sua vez reforçam os pensamentos. Numa frequência mental de medo, a resposta automática de proteção só dá atenção à informação que me permite antecipar o que de pior pode acontecer. Sobrevivo. Ao permitir que a intensidade do medo seja questionada, nem que seja por instantes, consigo olhar a situação de outros ângulos, vejo os perigos mas também vejo os recursos para lidar com eles. Passo a viver. Neste momento estamos longe das rotinas, longe de amigos e família, há despesas que não desaparecem, pode haver solidão ou a revelação do desconforto de viver com alguém. Frustração, zanga, medo. Tudo isto é natural! Mas também é natural sentir alguma serenidade no meio do caos, sentir que tudo vai passar, que estamos mais juntos do que nunca, e que isso parece inabalável. Não há emoções certas ou erradas, só há emoções. Elas dão pistas sobre o caminho para o conforto. Talvez seja importante refletir a que tem prestado atenção nestes dias. O perigo está presente, claro. Mas os recursos para lidar com ele também. Onde tem focado a sua atenção? Assuma a responsabilidade por aquilo que pode, efetivamente, controlar. Não consegue controlar se este vírus vai desaparecer, se vai reaparecer, as políticas de emergência definidas. Mas pode controlar e quebrar o fluxo crescente de medo ou tristeza, a forma como se cuida e à sua família.
O QUE PODEMOS FAZER?
Manter rotinas. Pode parecer estranho, mas é uma poderosa arma. Defina a hora de acordar, de deitar, o horário de trabalho (se estiver em teletrabalho), os momentos de lazer, as refeições. Dá a sensação de orientação e controlo, a resposta fisiológica de stress diminui, o sistema imunitário agradece. Crie um horário escrito afixado num local visível, com contributo de todos em casa. Defina no espaço, se possível, as áreas de trabalho, descanso, lazer e refeições. Pode fazê-lo com criatividade, fazendo placas com avisos de “silêncio” para o estudo/trabalho e faça pausas periódicas. Quando organizamos o ambiente que nos rodeia arrumamo-nos “por dentro”.
Praticar exercício físico. Improvise um espaço de exercício em casa, aproveite as aulas disponíveis na internet. A prática regular de exercício (três vezes por semana) é um poderoso relaxante muscular e tem efeito antidepressivo.
Manter a conexão. Somos seres de conexão, estamos biologicamente assim programados. As redes socias e videochamadas são ferramentas valiosas para reconectar pessoas, especialmente as mais isoladas. A solidariedade é uma das palavras-chave, seja porque decidimos ficar em casa como forma de diminuir a propagação do contágio, seja porque nos disponibilizamos para ajudar quem, mais do que nunca, precisa.
Limitar a exposição a notícias. A necessidade de informação é natural, mas quando permitimos que o medo domine, este atua como um filtro que só deixa passar o que vai ao encontro da visão de ameaça. Escolha apenas fontes credíveis (como DGS e OMS ou SNS24) veja notícias até duas vezes por dia.
Praticar a serenidade. A serenidade é um músculo que se treina, permite-lhe entender que, no momento presente, pode estar tudo bem. Escreva sobre o que sente e pensa (a escrita é uma poderosa ferramenta terapêutica). Direcione-se para a natureza, trate das plantas em casa ou no exterior. Recorde momentos especiais através de fotografias ou símbolos desses momentos. Crie um diário de Gratidão. Volte aos seus passatempos. Pratique a generosidade. Faça exercícios de relaxamento. Medite. Pratique respiração abdominal.
Escolher uma alimentação equilibrada. Somos o que comemos. Pensamos melhor quando comemos melhor, tomamos decisões mais informadas. Beba água de forma regular, hidrate-se. É natural que a sensação de vazio surja, uma fome não fisiológica. A fome emocional surge como uma necessidade repentina de comer difícil de controlar que tem que ser saciada imediatamente, com propensão clara para alimentos calóricos, ricos em açúcar e/ou gordura. Já a fome fisiológica surge gradualmente, no limite por provocar uma ligeira dor de cabeça, pode ser satisfeita por uma grande variedade de alimentos, e a sensação de saciedade surge com a ingestão. O consumo abusivo de álcool pode também ser um problema. Esta é mais uma forma de tentar escapar à realidade, de anular a sensação de impotência que pode existir. Saiba que não está sozinho, pode pedir ajuda.
Manter a medicação. Não é o momento de parar. Assegure-se de que tem as receitas e o acesso aos medicamentos.
Gerir conflitos em casa. Não faça de cada discussão uma guerra de poder. Não há crédito de melhor ou pior argumento, sob pena de escalarmos a tensão na comunicação. Para chegar a uma solução negoceie. Tem direito a pensar e sentir o que quer que seja. E a outra pessoa também, mesmo que não entenda o porquê. Em crise, pode contar mentalmente para trás desde 2000, de 3 em três números. Não use argumentos sobre o outro (“tu isto e aquilo”), procure usar a linguagem do eu (“eu sinto isto, eu penso que”). Assuma a sua responsabilidade na situação, não acuse o outro.
Pedir ajuda. É um ato de grande coragem, pedir ajuda para si ou para quem está consigo. Trata-se de pensar no que precisa para se sentir mais seguro, saudável e confortável. Pode pedir ajuda a vizinhos, familiares, amigos, profissionais, não tenha medo. Quem realmente está “consigo” vai entender esse pedido e responderá de imediato, fazendo o melhor que pode e que sabe para encontrar o caminho de volta ao seu lugar seguro. Se estava já num processo terapêutico continue com o mesmo, agora com recurso a ferramentas de comunicação a distância como telefone ou videochamada. E se vive uma situação de abuso ou violência, saiba que pode ligar para a APAV no 116 006, chamada gratuita.
Acalmar as crianças. Transmitir segurança às crianças passa por sermos sinceros, usando linguagem acessível. Isto é uma novidade para todos e as crianças podem saber disso. Estamos todos a fazer o melhor que sabemos e podemos. Explique que o melhor agora é ficarmos todos em casa, por causa deste vírus que se passa facilmente entre pessoas. Celebre o esforço da criança, o facto de ser solidário ao ficar em casa, protegendo-se e às pessoas. E se não souber uma resposta assuma-o e comprometa-se a tentar saber. Explique o que pode acontecer se houver sintomas, a possibilidade de ir ao hospital algum tempo para receber ajuda. Responda diretamente ao que lhe pergunta a criança e no final pergunte se há dúvidas ainda e como se sente. Escute. Escutar é talvez o mais importante. Compreenda que, às vezes, são os seus próprios medos que ganham dimensão quando não sabe o que responder. Aproveite para realizar atividades em conjunto, aprenda mais sobre a criança. E se houver alterações significativas no comportamento dela compreenda que podem ser um mecanismo de proteção. Acarinhe-a, tranquilize-a com a rotina dos dias, mostre-lhe o seu amor. Se for necessário, peça ajuda profissional.
Celebre as pessoas idosas. Mantenha o contacto, especialmente com as mais frágeis. Se necessário, ajude a instalar aplicações de comunicação pela internet e explique os passos básicos. Faça questão de lhe falar sem tempo contado. Se houver dificuldade em adormecer, ligue-lhe nesse momento e tranquilize-o. Sugira tarefas para o dia seguinte e mostre-se interessado depois. Preste atenção aos sinais de desorientação temporal ou espacial, perda de memória ou de capacidade para realizar tarefas habituais. Assegure-se que tem a medicação habitual. Pode acontecer que um idoso nem sempre entenda e colabore com as medidas de segurança. Fale-lhe com calma, como gostaria que lhe falassem nessa idade, e entenda que é provável que ele já tenha passado por coisas que o tenha deixado com a sensação de que pior não é possível. Explique que se preocupa com ele, que lhe faz falta. E mostre-lhe que é uma pessoa essencial na luta contra a contaminação. Agradeça. Por tudo.
E QUANDO CHEGAR O “DEPOIS”...
Depois desta experiência, pode acontecer que nada fique igual. Ou que o “igual” se instale bem devagar. Permita dar-se tempo, o seu tempo para se adaptar novamente, agora com informação preciosa que obteve ao longo do isolamento que todos vivemos. Aprenderemos todos mais sobre quem somos. Quando tudo isto passar, como gostaria de se recordar de si e das suas decisões nesta fase?
Cláudia Raquel Andrade
Psicóloga Clínica e Diretora Técnica na WeCareOn
Consultas Online de Psicologia, Coaching e Bem Estar
claudiaandrade.wecareon@gmail.com
Fontes de informação:
https://wecareon.com/como-lidar-com-o-stress-do-covid-19/
https://wecareon.com/covid-19-os-psicologos-de-todo-o-mundo-recomendam/
https://www.youtube.com/watch?v=U0GXM9Yux-s
https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/events-as-they-happen
https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/covid_19_luto.pdf
http://recursos.ordemdospsicologos.pt/files/artigos/doc_covid_19_opp.pdf
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