1 - Tive o privilégio de assistir ao 2º Congresso das Instituições Privadas de Solidariedade Social, realizada no Cinema Estúdio, pertencente ao Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na cidade do Porto, nos dias 14 e 15 de Junho de 1980, onde foi decidido constituir a União das Instituições Privadas de Solidariedade Social – decisão que veio a ser consumada pela celebração da respectiva escritura pública de constituição, em 15 de Janeiro de 1981, e que representa o acto fundador da actual CNIS.
Eu desempenhava então funções no Centro Regional de Segurança Social do Porto, onde dirigia o Serviço de Apoio às IPSS – e fiz parte de um apreciável conjunto de dirigentes da Segurança Social convidados pelo Revº Pe. Marinho Cia, responsável pela organização do Congresso, para assistir aos trabalhos.
Tinha sido publicado pouco antes o 1º Estatuto das Instituições Privadas de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 519-G2/79, de 29 de Dezembro, nos dias derradeiros do Governo de Maria de Lourdes Pintasilgo, que previa a constituição de uniões, federações e confederações de IPSS – e foi sob esse enquadramento que a UIPSS (como inicialmente se designava) foi criada.
Poucos dias depois desse 1º Estatuto, em 3 de Dezembro de 1980, foi empossado o VI Governo Constitucional, sendo Primeiro-Ministro Francisco de Sá Carneiro, Ministro dos Assuntos Sociais João Morais Leitão e Secretário de Estado da Segurança Social António Bagão Félix – que marcaram de forma muito significativa o que veio a ser a configuração e o futuro deste Sector.
2 – Já lá vão 40 anos…
Foi esse tempo de exercício de funções no Centro Regional de Segurança Social do Porto que me permitiu aceder ao conhecimento – e ao reconhecimento - do vasto e pujante universo das Instituições de solidariedade desse distrito - mundo de que estava anteriormente no mais completo desconhecimento.
Foram celebrados, nesse início dos anos 80 do século passado, os primeiros acordos de cooperação entre a Segurança Social e as Instituições de Solidariedade Social, normalmente precedidos de visitas a tais Instituições, para negociação dos termos dos acordos de harmonia com a situação real em cada caso.
Havia então tempo para tudo…
Essa peregrinação per loca sancta foi o meu percurso de aprendizagem sobre as virtudes e as dificuldades das Instituições de Solidariedade; e, se houve coisa que depressa aprendi, foi que o respeito pela identidade dessas Instituições e pela sua afirmação autónoma face aos poderes públicos é a primeira condição para a sua indispensável subsistência como organismos intermédios em sociedades democráticas e para a qualidade dos serviços por si prestados.
Ainda hoje penso o mesmo.
3 – Começou, em boa hora, a ser executado o programa de vacinação contra a COVID 19 nos lares de idosos.
Seguindo a orientação seguida praticamente em todos os demais países, também as nossas autoridades elegeram os residentes e trabalhadores dos lares para a primeira prioridade do programa de vacinação, de par com os trabalhadores da Saúde
Foi uma opção acertada.
O mesmo não se pode dizer da decisão de remeter para uma 2ª fase as pessoas mais velhas que permanecem nas suas residências, ou dos seus familiares – que constituem a maioria dos idosos, uma vez que apenas uma minoria (cerca de 100.000, nos lares legalizados) é acolhida em estruturas residenciais.
Esta decisão permite perceber a melhor luz a sugestão chocante, avançada a seu tempo no seio da task force comandada pelo ex-Secretário de Estado, Francisco Ramos, de excluir mesmo do programa de vacinação as pessoas com mais de 65 anos não residentes em lar, por não haver, segundo o alegado, evidência científica quanto aos efeitos benéficos da vacina nessas idades.
Esta proto-decisão foi revertida a tempo, tendo o Presidente da República e o Primeiro-Ministro repudiado enfaticamente essa sugestão e desautorizado a task force, como aqui referi na crónica anterior.
Mas, inviabilizado que foi esse caminho cogitado por alguns, a task force acabou por insistir, dando, agora de mansinho, um sinal no mesmo sentido, relegando para a 2ª fase – isto é, para Abril - os mesmos idosos que estiveram para ser pura e simplesmente excluídos do programa de vacinação.
Os últimos dias fizeram-me sentir bem acompanhado nessa crítica ao plano de vacinação que aqui fiz no mês passado – e hoje retomo.
Só no fim-de-semana de 8/10 de Janeiro, quer no Público, quer no Expresso, um conjunto de personalidades ligadas à Saúde, de competência reconhecida, insuspeitas de traição à Pátria, como Jorge Torgal, Maria de Belém Roseira e Constantino Sakellarides, vieram pronunciar-se no mesmo sentido.
São palavras deste último, no Expresso de 8 de Janeiro: “Em termos técnico-científicos, o consenso universal é de que esta vacinação tem como objectivos, pela seguinte ordem, evitar mais mortes, proteger os serviços de saúde e chegar a uma imunidade de grupo. A idade avançada é, de muito longe, o maior risco de mortalidade – aumenta significativamente a partir de 70 anos e dispara a partir dos 80 – e é nesta lógica que estão definidas as prioridades em países altamente diferenciados cientificamente em saúde pública, como o Reino Unido, Alemanha, França e Estados Unidos… Todas as pessoas com mais de 65 anos que não estejam em lares ou gravemente doentes ficam praticamente para o fim. Serão vacinados talvez em finais da primavera. E isto não acompanhado por nenhuma referenciação bibliográfica que suporte a lógica adoptada.”
E Jorge Torgal, no Público de 9 de Janeiro: “A vacina irá evitar que as pessoas infectadas venham a ter uma doença grave. Vai evitar a morte. É por isso que deveríamos pôr como primeira prioridade os maiores de 80 anos e os profissionais de saúde que estão a trabalhar na primeira linha. Não o geral dos profissionais de saúde, esses deviam vir a seguir.”
Ou os militares, ou os membros das forças policiais – também na primeira prioridade, sem motivo aparente.
Se, como dizem as autoridades, e refere o jornal Público de 10 de Janeiro, morreram 2.254 residentes em lares – das IPSS, das Misericórdias, lucrativos e ilegais - e se morreram, até à mesma data, mais de 6.700 pessoas com mais de 70 anos, como se deduz dos gráficos publicados pela DGS, afigura-se evidente que o número de óbitos de não residentes em lares é, no mínimo, o dobro do que o dos que neles residem.
4 – Quando sair a próxima crónica, em Fevereiro de 2021, já termos um novo – ou o mesmo - Presidente da República.
Custava-me ver excluídos da possibilidade de participação nas eleições as pessoas residentes em lares.
É certo que a sua participação, nos moldes habituais, seria de concretização complexa.
Como a experiência nos tem mostrado, todos os cuidados são poucos para evitar que o vírus entre nos lares.
Mas o direito de votar é sagrado, nas democracias liberais.
Por outro lado, os mais velhos são, em regra, os menos abstencionistas nas eleições; são os que têm idade para se lembrar dos tempos em que se não podia votar livremente; e são os que construíram o Portugal democrático que se seguiu a Abril.
(São os que se lembram ainda de Marcello Caetano acusar Mário Soares de pôr em causa o bom nome de Portugal no estrangeiro, só por justas críticas feitas por este em Londres à Situação em Portugal.)
Acabo de ler, on-line, a notícia de que as mesas de voto se deslocarão aos lares, para que os residentes possam exercer o seu direito, com segurança para si e para os outros.
Já serviram para alguma coisa os debates!
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