JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

SOBRE A PANDEMIA: Um par de conclusões que podemos extrair

Se os planos de vacinação contra a covid19 correrem como previsto, algures entre o meio e o fim do próximo ano, poderemos regressar a uma situação próxima da normalidade.

Pelo caminho ficará um período de quase dois anos de enorme sofrimento para biliões de seres humanos e lamentavelmente para muitos um desfecho fatal. Até ao final de 2020 a pandemia terá ceifado mais de 1, 6 milhões de vidas.

O custo económico da epidemia será enorme. A economia global vai afundar em 2020, recuperar em 2021, mas, provavelmente, só no final de 2022, teremos as economias a regressar aos níveis de pré-covid19.

Obviamente ainda é cedo para tirar conclusões sobre o que se fez bem, menos bem ou mesmo mal na gestão desta catástrofe.

Contudo, há um par de coisas, que não são de somenos, e que já podemos ir avançando com alguma segurança

1. A escolha entre a saúde e a economia nunca existiu

A ideia da inevitabilidade da escolha entre mais proteção sanitária e menos economia e vice-versa era falsa como a evidência empírica permite constatar.

O quadro acima, gentileza do Financial Times, mede no eixo vertical o número de mortos por milhão de habitantes. No eixo horizontal mede-se o custo total da pandemia incluindo a perda direta na atividade económica, o custo do suporte estatal à economia e as dívidas que os estados foram obrigados a assumir.

Vemos que países, como Reino Unido ou a Itália, mesmo com custos económicos elevados, não conseguiram evitar um número significativo de fatalidades ao mesmo tempo que países como a China ou a Coreia do Sul registam mortalidade baixa sem incorrer em custos económicos desmesurados.

O que correu bem ou correu mal resultou de inúmeros fatores, mas nunca de uma suposta opção entre economia e saúde.

2.As ditaduras e os regimes autoritários não foram superiores às democracias na gestão da pandemia.

A narrativa do populismo de direita dizia que as ditaduras e os regimes autoritários lidam melhor com situações de emergência (como as pandemias) que as democracias liberais. Quando os tempos são sombrios e as perspetivas futuras estão carregadas de nuvens o apelo da autoridade, o fascínio dos líderes carismáticos é mais forte. Quando estamos mais frágeis estamos mais disponíveis para aceitar limitações aos direitos civis e políticos. Os ditadores ou candidatos a ditadores sabem isso!

Contudo, como o quadro acima abundantemente demonstra, se é verdade que não há aqui um tema de economia versus saúde, também é verdade que a eficácia no combate à pandemia não é uma questão de regime político.

A ditadura chinesa teve bons resultados tal como registaram bons números algumas democracias, por exemplo, a Alemanha, a Áustria ou Taiwan. Da mesma forma, há democracias que saem mal na fotografia, como os Estados Unidos ou o Reino Unido, assim como há regimes autoritários, por exemplo a Rússia, onde a situação é sanitária é desesperada.

Mais que a natureza do regime foi a qualidade da liderança que fez a diferença. Lideranças incompetentes e afastadas da ciência deram maus resultados nos Estados Unidos, no Reino Unido ou no Brasil, assim como lideranças credíveis e ouvidos bem abertos para a orientação científica deram bons resultados na Alemanha, na Coreia do Sul ou em Taiwan. A natureza do regime foi irrelevante para o resultado final.

3. Sairemos desta crise com níveis de dívida pública apenas vistos em períodos de guerra ou de crise severa

Segundo as mais recentes estimativas do FMI, o conjunto das economias avançadas terá em 2022 uma dívida pública bruta de 124% do PIB o que representa mais 20 pontos percentuais do que em 2019. Em 2025 o nível de dívida sobre do PIB será sensivelmente o mesmo de 2022.

Se olharmos para o subconjunto da zona euro, a situação é menos gravosa uma vez que se espera um aumento da dívida pública bruta de 14 pontos entre 2019 e 2020. Em 2025 o nível da dívida na zona euro terá descido 4 pontos em relação a 2022.

Contudo, este melhor desempenho global da zona euro oculta grandes disparidades entre os países membros. Estados como Espanha, Itália ou França verão os seus níveis de dívida subir mais de 20 pontos entre 2019 e 2020 com pouca ou nenhuma recuperação em 2025.

Outros, como Portugal ou Grécia, terão aumentos de dívida sobre PIB mais contidos, em parte, porque partiam de níveis que já eram muito elevados.

Se as coisas correrem como o FMI prevê, Portugal, que em 2019 era o 3º país mais endividado da zona euro, será em 2025 o 6º e terá à sua frente economias como a França, a Espanha ou a Bélgica.

Níveis de dívida elevados e persistentes vão colocar problemas muito complicados até porque a saída inflacionária não parece estar disponível.

4. As oportunidades de reforma serão abundantes

Atribuem a Winston Churchill o aforismo de que é estúpido não aproveitar uma boa crise. Também desta vez, o lastro dos efeitos económicos da pandemia vai abrir um bom número de oportunidades.

Salvo raríssimas exceções, as crises de dívida pública do passado foram resolvidas com revoluções que legitimaram o confisco dos credores ou, então, com modelos de repressão financeira em geral associados a surtos inflacionistas.

Não sei como será neste caso. Seja como for, está aberta uma oportunidade para enfrentar o tema de uma reforma fiscal profunda que é devida há muito tempo e que os níveis elevados das dívidas públicas podem ajudar a empurrar.

Não é que haja muito para inventar. Os problemas são conhecidos há muito tempo e as soluções também. O que tem faltado é vontade política para uma agenda progressiva nesta matéria.

As grandes linhas deveriam ser: a) – tributar mais a riqueza e menos o rendimento; b) – tributação mais progressiva do rendimento; c) – tributação local das transações do comércio eletrónico; d) – um mínimo de harmonização dos regimes fiscais de modo a limitar a capacidade de arbitragem fiscal das multinacionais.

Talvez o aspeto mais contencioso seja a derivação de um sistema fiscal assente na tributação do rendimento e da despesa para um sistema que contenha uma forte componente de tributação da riqueza.

Já existem impostos que tributam a riqueza como é o caso do IMI em Portugal.

Mas não estamos aqui a falar de impostos parcelares sobre tal ou tal componente da riqueza, mas de um imposto sistemático sobre o balanço da fortuna dos contribuintes.

Ninguém ignora que as dificuldades são imensas. Não por acaso poucos países praticam esse tipo de imposição. No entanto, o movimento faz sentido e deveria ser objeto de uma análise séria, sem preconceitos e sem entregar os pontos de antemão ainda antes de estudar seriamente a ideia.

Nalguns países esse trabalho está a ser feito. Voltaremos ao tema um dia destes.

 

Data de introdução: 2021-01-14



















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