JOSÉ A. SILVA PENEDA

Trabalho digno

1. O governo apresentou no Parlamento um diploma que define um conjunto de novas regras para regular o mercado de trabalho e intitulou esse conjunto como a Agenda para o Trabalho Digno. Esta iniciativa surge na sequência de uma deliberação tomada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2015, sobre o desenvolvimento sustentável, com o objetivo de promover o crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos até ao ano de 2030.
A Agenda para o Trabalho Digno e Crescimento Económico aprovada nas Nações Unidas apresenta no capítulo oito do documento doze medidas. Sete dessas medidas (58% do total) têm a ver com a vida das empresas e apenas três se relacionam com a regulação do mercado de trabalho. De acordo com as Nações Unidas as medidas que procuram incentivar as empresas, no sentido de elas promoverem postos de trabalho dignos, são as seguintes:

 - Atingir níveis mais elevados de produtividade das economias através da diversificação, modernização tecnológica e inovação, inclusive através da focalização em setores de alto valor agregado e dos setores de mão-de-obra intensiva.

- Promover políticas orientadas para o desenvolvimento que apoiem as atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo, criatividade e inovação, e incentivar a formalização e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive através do acesso a serviços financeiros.

- Melhorar progressivamente a eficiência dos recursos globais no consumo e na produção.  

 - Elaboração de programas sobre produção e consumo sustentáveis, com os países desenvolvidos a assumirem a liderança.

- Elaborar e implementar políticas para promover o turismo sustentável, que gere empregos e promova a cultura e produtos locais.

- Fortalecer a capacidade das instituições financeiras nacionais para incentivar a expansão do acesso aos serviços bancários, de seguros e financeiros para todos.

- Aumentar o apoio à Iniciativa de Ajuda para o Comércio para os países em desenvolvimento, particularmente os países menos desenvolvidos. 

Relativamente à regulação do mercado de trabalho a Agenda de Trabalho Digno prevê as quatro seguintes medidas:

- Promover o trabalho decente para todas as mulheres, homens, jovens e pessoas com deficiência, além de uma remuneração igualitária;

- Reduzir substancialmente a proporção de jovens sem emprego, educação ou formação;

- Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas;

- Proteger os direitos do trabalho e promover ambientes de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, em particular as mulheres migrantes, e pessoas em empregos precários.

 

Em resumo: A Agenda para o Trabalho Digno assenta em quatro pilares, a saber: Promoção do emprego e das empresas; Garantia dos Direitos dos Trabalhadores; Proteção social; e, Promoção do diálogo social sendo que a igualdade do género é transversal a todas elas.
Acontece que a proposta apresentada pelo governo português ao Parlamento trata apenas de aspetos regulatórios do mercado de trabalho. À luz da proposta aprovada pelas Nações Unidas esta é claramente uma proposta desequilibrada a vários títulos. Enquanto na decisão tomada pelas Nações Unidas a Agenda para o Trabalho digno incorpora 58 % de medidas dirigidas às empresas no caso da proposta enviada à Assembleia da República não existe uma única medida dirigida às empresas. Acresce que na mesma proposta foi ignorado um dos pilares fundamentais para o trabalho digno que tem a ver com a promoção do diálogo social. Pouco ou nenhum esforço foi feito para que o tema fosse discutido em sede de concertação social. Prova desse desequilíbrio é a seguinte frase da Ministra do Trabalho. “Esta é uma agenda que responde, de facto, a uma necessidade que o País tem e é, acima de tudo, desenhada para dar força aos trabalhadores”.
Todavia, nem isso é, porque a proposta apresentada na Assembleia da República apresenta falhas incompreensíveis como é o caso da mudança operada no cálculo das indeminizações quando cessam os contratos a termo. Até aqui os contratos a termo que terminassem por vontade da entidade empregadora ou, quando cessassem no fim do prazo de vigência estipulado no respetivo contrato, haveria o direito de trabalhador receber um montante equivalente a 18 dias de trabalho. Na proposta apresentada anuncia-se que esse montante de indeminização será calculado com base não em 18 mas em 21 dias de trabalho, mas nada se diz sobre os casos em que o contrato termina em função da existência de automatismo previsto no seu clausulado, ou seja, nesse caso a indemnização será zero. Entretanto, um conjunto de professores universitários de Direito denunciaram esse grave erro que tudo o indica vai ser corrigido. Anda bem. Mas não é desculpável num diploma desta importância, que mexe com a vida das pessoas haver tanto amadorismo e ligeireza na sua preparação.

2. Uma palavra de saudação e de congratulação aos dirigentes das Instituições Particulares de Solidariedade Social e das Santas Casas de Misericórdia é devida pelo excelente resultado que obtiveram no acordo que negociaram com o Governo, relativamente ao reforço das comparticipações financeiras que o Estado paga pelos serviços prestados à comunidade por este tipo de instituições. Trata-se do resultado de um trabalho sério e aturado que tive ocasião de acompanhar de perto. Até por essa razão, quero publicamente expressar do Dr. Manuel de Lemos e do Padre Lino Maia o meu enorme reconhecimento pela seriedade, firmeza e convicção de que deram provas nesta caminhada. Parabéns aos dois. Tenho a noção que a caminhada não acaba aqui. Há ainda um longo caminho a percorrer, mas se a atitude de clarividência e cooperação que deram mostras os dirigentes destas instituições continuarem como até aqui, a vida dos utentes e dos funcionários será com certeza melhorada.

 

Data de introdução: 2022-08-12



















editorial

Financiamento ao Sector Social

Saúda-se a criação desta Linha de Financiamento quando, ao abrigo do PARES ou do PRR, estão projetadas ou em curso importantes obras no âmbito da transição ambiental e da construção ou requalificação de...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Agenda do Trabalho Digno – um desafio às IPSS
Durante muitos anos, dirigi, com outras pessoas, uma IPSS. Em um pouco mais de metade das suas valências os utentes não pagavam. Nessas, os acordos de cooperação celebrados com o...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Maio, mês do recomeço e do trabalho
Desde tempos imemoriais que em certas regiões europeias se celebra maio como o mês do recomeço, do lançamento de um novo ciclo temporal, a meio caminho entre a Primavera e o...