A proposta de Orçamento do Estado para 2023 foi aprovada na generalidade, no parlamento, no dia 27 de outubro, pela maioria absoluta de deputados do PS e com as abstenções dos deputados únicos do PAN e do Livre. Votaram contra a proposta do Governo as bancadas do PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP e BE.
No que ao Sector Social Solidário diz respeito há uma omissão de medidas específicas neste OE2023 que considerem o período difícil que o mundo, a Europa e Portugal estão a viver, na ressaca da pandemia Covid-19 e, desde fevereiro, a braços com os efeitos de uma guerra na Ucrânia imposta pela Rússia. O próximo ano vai ser difícil.
A Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) tem vindo a chamar a atenção para as dificuldades que o sector social atravessa provocadas pelas consequências dessa crise e recorda que, mais tarde ou mais cedo, as pessoas vão começar – em muitas situações já começaram - a bater às portas das IPSS.
Assim, há pretensões antigas que deviam ser atendidas neste Orçamento de Estado 2023. É o caso do recurso às receitas dos jogos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para acudir aos encargos do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social com o pagamento das comparticipações nos acordos de cooperação com as IPSS. A CNIS tem vindo a sugerir uma alteração legislativa para que tal seja possível. Seria uma ajuda também na aproximação às metas de paridade previstas no Pacto de Cooperação com que o governo está comprometido.
A fragilidade das IPSS ficou bem evidente no estudo feito pela Equipa da ATES - Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa (Porto). Um novo trabalho científico, executado pela mesma equipa, que atualiza para 2022 a Central de Balanços das IPSS, vai ser em breve apresentado pela CNIS. No Editorial desta edição o presidente da Confederação, Lino Maia, apresenta já algumas indicações que confirmam a degradação da sustentabilidade das Instituições de Solidariedade, em grande medida, assente na demissão do Estado quanto ao apoio protocolado com as IPSS.
Há ainda questões de tributação fiscal, matéria que continua a ser integrante da zona cinzenta para onde, convenientemente, o sector social muitas vezes é relegado. Em tempos de crise, como agora, volta a fazer todo o sentido voltar a falar-se do IVA nas obras que tenham como objeto instalações destinadas aos fins estatutários das instituições, bem como nas empreitadas municipais, beneficiando da taxa reduzida (6%) semelhante às cooperativas de habitação e as associações de bombeiros. É uma questão de tratamento igual a entidades que têm finalidades semelhantes e se diferenciam dos clássicos sectores público e privado.
Ainda em matéria fiscal, a reclamação já foi verbalizada pelo presidente da CNIS, tendo em conta os efeitos da inflação e da guerra na Ucrânia, é de elementar justiça que haja já em 2023 a isenção do IVA na alimentação para o sector social solidário.
Outra reivindicação antiga, agora retomada, é a isenção do IMI de todos os bens imóveis pertencentes às IPSS, equiparando-se o tratamento relativamente a outras entidades similares que gozam dessa justiça fiscal.
A CNIS considera ainda ser este o momento para alertar para algumas questões que, no que toca ao PRR (Programa de Recuperação e Resiliência), devem ser tidas em conta para que o Sector Social Solidário não perca as oportunidades criadas por não terem sido consideradas as suas idiossincrasias aquando das candidaturas aos diversos programas. Desde logo a simplificação dos processos, evitando uma burocracia impiedosa que pode ser razão para abandono e insucesso das IPSS. Depois deve considerar-se a revisão dos preços das empreitadas para promover a participação em concursos; promover candidaturas específicas para o Sector Social Solidário nas áreas da eficiência energética e da transição digital; priorizar os territórios de baixa densidade; abrir linhas de financiamento bonificado ou até sem juros para as instituições sociais sem capacidade financeira para suportar o autofinanciamento das candidaturas.
A proposta de Orçamento do Estado para 2023, depois de aprovado na generalidade, baixa agora à comissão de Orçamento e Finanças para o debate na especialidade. No dia 25 de novembro será votado na especialidade e a seguir em votação global.
CNIS PEDE AJUDA AO GOVERNO
O presidente da CNIS, padre Lino Maia, alertou que o aumento dos preços está a levar a que mais pessoas e instituições precisem de ajuda para enfrentar a crise.
“Com a inflação galopante, com o aumento de custos, temos muita gente que trabalha, mas que não tem rendimentos para suportar as despesas e, portanto, há mais gente a precisar de apoio”.
Para o padre Lino Maia, as dificuldades são extensíveis às instituições, enumerando “os significativos” custos crescentes com a luz, gás, combustíveis, alimentação e as consequências da inflação em geral.
“As instituições estão hoje com dificuldades acrescidas”, sublinhou, defendendo que esta realidade seja considerada nas negociações com o Governo, porque “já havia um défice muito grande em muitas instituições, que agora aumenta”.
Nesse sentido, o presidente da CNIS sugere que o Orçamento do Estado contemple 0% de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) na alimentação para instituições, medida que considera essencial.
O padre Lino Maia disse ainda que existem instituições que apoiam diretamente as pessoas, por exemplo, as que recorrem a cantinas sociais, através dos acordos de cooperação, e as que têm ao seu cuidado utentes com reformas e rendimentos “insuficientes para comparticipar condignamente os custos e despesas das instituições”. E, por isso, defende apoios diretos às pessoas e às instituições para fazer face às necessidades.
O líder da CNIS destacou o papel das instituições e as dificuldades com que se deparam, muitas apresentando “ano após ano resultados negativos”, correndo o risco de deixar de prestar os seus serviços, cenário que é “imperioso contrariar”.
“Gostaria que fosse arquitetado, desde já, um programa de emergência para estas novas situações que vão surgindo” na sociedade, com o intuito de “contrariar o aumento da pobreza”, asseverou.
O padre Lino Maia afirmou ainda temer que 2023 “seja um ano muito difícil”, tendo em conta que “os rendimentos não são suficientes para fazer face ao aumento do custo de vida”.
MUITOS SINAIS
A Cáritas, que apoiou no ano passado 120 mil pessoas, identifica a pandemia como a razão principal para um aumento de “18 mil famílias a mais”. Rita Valadas, a presidente da Cáritas, estimou que este ano já tenha sido prestado auxílio a mais 20 mil pessoas, entre as quais muitas estrangeiras.
O aumento do custo de vida está a provocar uma maior pressão junto das instituições de apoio alimentar como a Cáritas, que ajudam cada vez mais pessoas com emprego, mas cujo salário deixou de chegar para as despesas.
Rita Valadas, disse à Lusa que a ajuda está a ser procurada por pessoas de classe média e média-baixa, uma vez que “o rendimento dá cada vez para menos coisas”.
Rita Valadas afirmou que esta é uma crise que se caracteriza por “um aumento brutal do custo de vida” e que tem sentido um acréscimo das dificuldades para dar resposta às solicitações.
É que, aos novos casos, juntam-se os que já eram anteriormente acompanhados desde a pandemia e que não conseguiram deixar de viver sem este apoio.
“As pessoas que se aproximaram de nós devido à pandemia não chegaram a conseguir autonomizar-se, porque, quando estavam a conseguir reprogramar a sua vida, veem-se confrontadas com a dificuldade decorrente do aumento do custo de vida, das taxas de juro, e não têm condições para fazer essa retoma”, explicou Rita Valadas.
A presidente da Cáritas lembrou ainda que no período da crise social motivada pela pandemia, existiam moratórias e o “lay-off”, ao contrário das atuais “situações avulsas [como o pagamento único de 125 euros], que não resolvem a situação das pessoas senão pontualmente”.
Quem está mais próximo de se aproximar do limiar da pobreza é quem fica em maior risco de ter de recorrer a este tipo de apoios, concluiu.
“Quando o rendimento se altera, altera-se o risco, mas, quando a esse risco se acrescenta uma pressão do custo médio de subsistência, as dificuldades afetam pessoas que estão deste risco para baixo e o que antes um salário mínimo dava para pagar, hoje não dá, e os custos estão a subir e não sabemos quando vão parar”, sublinhou Rita Valadas.
Os que “batem à porta” da Cáritas, organização que trabalha em rede pelo país, têm dificuldades em pagar a renda de casa, a prestação da casa, a luz, a água ou outras contas importantes e na iminência de ficar sem esses serviços ou sem abrigo.
“Depois, a situação agudiza-se e traz outras necessidades”, acrescentou a presidente da organização, que distribui alimentação e também outros tipos de ajuda.
Primeiro, elencou, as pessoas começam por deixar de comprar determinados produtos que não são de primeira necessidade, depois passam a comprar marcas brancas, até que chegam ao momento em que, mesmo fazendo os cortes possíveis, “não têm como comprar o básico”.
Além das famílias, as instituições que fornecem alimentos no seu espaço ou ao domicílio “também estão a sofrer uma pressão enorme com o aumento dos custos dos bens”, referiu.
Rita Valadas mencionou a rede alargada pelo país e exortou quem quiser dar o seu contributo a procurar a Cáritas, as paróquias ou dioceses, que têm as suas estruturas de apoio, distribuição, respostas sociais e conseguem fazê-lo “em proximidade”.
BANCO ALIMENTAR COM MAIOR PROCURA
As instituições estão a recorrer mais ao Banco Alimentar para enfrentar o crescimento do número de famílias carenciadas. O aumento generalizado do preço dos alimentos, a par do gás e da eletricidade, está a ter impacto nas instituições sociais, que fazem mais pedidos ao Banco Alimentar para conseguirem apoiar o número crescente de famílias que pedem ajuda. O afluxo é evidente apesar de não estar quantificado. A presidente do Banco Alimentar, Isabel Jonet, confirma que as próprias instituições “precisam de mais dinheiro para fazer face ao custo dos consumos das suas próprias cozinhas”.
A presidente do Banco Alimentar diz que, para já há mais pedidos de ajuda, mas ainda não há redução no número de doações, tendo em conta que a mais recente campanha de recolha decorreu em Maio e a próxima será no final de Novembro. Ao mesmo tempo, o volume doado pela indústria e pela agricultura mantém-se inalterado, o que poderá querer dizer que ou ajustaram a produção ou mantêm o volume de vendas.
Defendeu que deve ser explicado às famílias que a conjuntura atual não é de curto prazo e alertou que a inflação vai refletir-se por largos meses nos orçamentos das famílias, com “maior incidência nas famílias mais carenciadas porque não têm folga orçamental”.
Para a presidente do BA, é, por isso, “muito previsível que vá aumentar o número de pessoas que vão ficar numa situação muito difícil e em pobreza”, tendo em conta o aumento dos preços dos alimentos, da energia e das taxas de juro em simultâneo.
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