É, reconhecidamente, uma das grandes sumidades na área social, designadamente no trabalho e emprego, proteção social e economia social e solidária, nada mais nada menos do que as três áreas estratégicas do CoLABOR, Laboratório Colaborativo, onde Paulo Pedroso é investigador, juntamente com Carvalho da Silva, ainda recordado como histórico líder da CGTP.
Paulo Pedroso é licenciado em Sociologia e pós-graduado em Sociologia Rural e Urbana pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa. desde 2020 colabora com a Associação Mutualista Montepio Geral e com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Em 1997 e durante dois anos integrou o governo, liderado por António Guterres, como Secretário de Estado do Emprego e Formação. Em 1999, no XIV Governo Constitucional, igualmente presidido por António Guterres, desempenhou os cargos de Secretário de Estado do Trabalho e Formação e em 2001 passou a Ministro do Trabalho e da Solidariedade. Enquanto governante foi responsável pelo projeto de criação do rendimento mínimo garantido.
Foi deputado do Partido Socialista e em 2009 candidatou-se à Câmara de Almada.
Em janeiro de 2020, anunciou ter deixado de ser militante do Partido Socialista e decidiu participar na candidatura de Ana Gomes às eleições presidenciais de 2021.
Em maio de 2003, Paulo Pedroso era deputado quando foi detido na Assembleia da República. Ficou em prisão preventiva durante 4,5 meses, acusado de abuso sexual de menores no âmbito do processo Casa Pia. Não chegou a ir a tribunal. Em 2006 ficou livre de acusações e o Tribunal de Instrução Criminal considerou não haver fundamento para ser levado a julgamento. Paulo Pedroso intentou várias ações contra o Estado português por ser vítima de erro grosseiro. Foi o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em 2018, quem acabou por dar razão final a Pedroso, confirmando a decisão do Tribunal da Relação em 2003 de que “não eram relevantes nem suficientes” os motivos para a detenção. O Estado português foi condenado a pagar uma indemnização de 68.555 mil euros.
Ainda há pessoas que não aceitam a verdade
SOLIDARIEDADE - Quando o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu condenar o Estado português por causa da sua prisão preventiva em 2003, no âmbito do caso Casa Pia, disse que só a partir daí se sentia verdadeiramente livre. Passados uns anos, foi comentar à RTP os abusos sexuais na igreja católica e é alvo de um coro de críticas nas redes sociais. Sentiu-se de novo prisioneiro?
Paulo Pedroso - Obscurantismo existirá sempre. Atualmente, só acreditam e propagam mentiras acerca de mim as pessoas que conscientemente o querem fazer. Não me sinto minimamente condicionado por gente que se recusa a aceitar a verdade. A verdade e a mentira são a verdade e a mentira, não são opiniões. Há pessoas que se recusam a reconhecer a verdade sobre processo em que fui envolvido, a verdade sobre o que se provou em tribunal e o desfecho. Não é um assunto que me perturbe.O que me perturbava é que as instâncias de apuramento da verdade não pudessem ter conseguido lá chegar. E, portanto, a minha liberdade derivava disso. A verdade foi restabelecida, não apenas em relação à minha inocência, e essa já tinha sido há bastantes anos, mas restabelecida também quanto ao que os tribunais erraram, nomeadamente ao determinar a prisão preventiva. Ou seja, não só que eu era inocente como nunca houve no processo, e é isto que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos diz, indícios que justificassem aquela medida. Aquela medida é um erro do estado e é essa a motivação da indemnização.
Tinha pedido uma indemnização de 800 mil euros...
Até podia ser um euro apenas. Era irrelevante. O valor da indemnização é para pagar os meus custos judiciais e uma avaliação que o tribunal faz de danos morais. Mas os danos morais não se quantificam em euros. Quantificam-se em sofrimento e o sofrimento não tem valor: sofrimento próprio, dos amigos, da família, dos pais, dos filhos, dos cônjuges.
Falávamos dos seus comentários sobre os abusos sexuais da igreja...
Quando eu apareço a comentar os abusos sexuais na Igreja Católica, insere-se na opção que fiz de que todos os temas que são de relevância social merecem o meu comentário. A igreja, tal como muitas outras instituições, demorou muito tempo a dar o devido valor aos atos contra a autodeterminação dos indivíduos; a dar o devido valor à proteção das crianças e jovens e teve uma reação de procurar proteger a instituição e não os abusados. Essa atitude foi errada sempre, na Igreja e nas instituições públicas, como é errada na família. E hoje para além de ser errada é anacrónica; não tem hoje para os cidadãos qualquer ponta de justificação moral. Proteger a instituição e não as vítimas foi sempre um erro e não tem justificação moral. E o Papa Francisco sobre isto é muito claro. A Igreja precisa fazer justiça hoje ao presente, precisa de ter memória e ajustar contas com o seu passado; e de garantir aos crentes que há mecanismos que asseguram que isto foi uma página negra que não se repetirá.
Mas a Igreja Católica parece não estar a lidar bem com o relatório da Comissão independente...
Penso que a Igreja está sob uma pressão que tem a ver muito com o facto de ter sido das últimas instituições a assumir esta autocrítica face ao seu passado. Há algumas décadas o Estado começou a fazê-lo. Eu orgulho-me de ter participado num movimento que levou à criação da comissão nacional de proteção de crianças e jovens. Quando eu cheguei ao governo as comissões já existiam em grande parte do país, mas foi comigo no executivo que elas se tornaram nacionais.
As críticas que lhe fizeram por comentar o tema dos abusos sexuais na televisão provocaram-lhe memórias dolorosas...
Mesmo que ninguém hoje falasse disso eu acordo e deito-me todos os dias com a experiência traumática do ano de 2003. Isso não sai de mim um minuto na minha vida. É uma marca. Há uma vida antes e depois de 2003. Há prioridades de vida antes e depois de 2003. Mas quem não tem na sua vida razões para o sofrimento individual? Evidentemente que a acusação injusta e errada do tribunal provocou-me um trauma que não vai desaparecer. Aprendi a viver com ele.
As Instituições Sociais têm que ter disponibilidade para mudar de paradigma
Através do COLABOR está cada vez mais ligado ao Sector Social Solidário. A pandemia veio alertar para novas necessidadesnas estruturas e instituições já existentes, designadamente as ERPI. É preciso uma nova geração de respostas
sociais?
É necessário repensar toda a estrutura de cuidados de longa duração. Nós evoluímos de um modelo histórico que assentava basicamente no apoio familiar e as famílias transformaram-se. Hoje o modelo dominante nas famílias é o de que todos os adultos trabalham, o que torna muito mais difícil os cuidados de longa duração. Por outro lado, muitos idosos viviam em habitações precárias e agora já têm algum conforto habitacional e, dentro do possível, deve potenciar-se esse conforto. Foram sendo encontradas soluções e atualmente muitas instituições já as praticam, como o apoio domiciliário, as teleassistências, mas ainda não há uma gestão integrada do contínuo de cuidados. A nível nacional, uma integração que nos garanta que aquilo que a OMS pretende com o contínuo de cuidados garantidos, os modelos de referenciação, tenha alguma uniformidade. Portugal vai precisar disso porque, com o envelhecimento da população, com as transformações das famílias e com o facto de conseguirmos prolongar o tempo de vida humana, mas sem garantir a saúde durante esse tempo, nas próximas décadas a pressão sobre os cuidados de longa duração vai aumentar muito e está já a colocar problemas de prioridades políticas e de recursos.
Concretamente nos recursos humanos...
Nós temos que qualificar parte substancial dos recursos humanos. Temos que avançar na certificação profissional, no reconhecimento das profissões, na melhoria das carreiras. Tudo isso tem consequências e esta pressão não pode ser vivida pelas instituições sozinhas. Isto obriga a que, nomeadamente no Pacto para a Cooperação, o Estado e as Instituições sejam capazes de encontrar o modelo de financiamento que responda a estas novas necessidades.
Fala de uma nova geração de cuidados de longa duração...
Eu costumo dizer que as ERPI oscilam entre três modelos predominantes. O hotel, o hospital e o quartel. Todos gostaríamos de ter um conceito que ande perto da residência assistida. O mais perto possível do conforto das pessoas e da sua autonomia em casa. Há paradigmas de gestão e há orientações, mas temos que procurar encontrar o ponto de equilíbrio. Abandonar uma cultura de quartel, disciplinadora - eu penso que a maior parte das instituições já abandonou, seria injusto não o dizer, mas é um modelo - e procurar o equilíbrio entre o hotel e o hospital. Entre o cuidado residencial da pessoa que tem alguma dependência e o cuidado de saúde da pessoa que tem necessidades de acompanhamento médico e farmacêutico, por exemplo. O esforço tem sido feito, mas é preciso aprofundar muito para que as pessoas mantenham uma vida com sentido e com projeto. É preciso combater a invisibilidade social a que se votam as pessoas mais velhas a determinado momento das suas vidas. A visibilidade é o primeiro fator de inclusão.
Para isso, é preciso rever o modelo de cooperação com o Estado. Há um recuo do Estado na comparticipação dos custos das respostas sociais. Como se resolve?
A cooperação entre o Estado e o Sector Social tem consagração constitucional, nomeadamente, na Segurança Social, o artigo 63 da Constituição, ao dizer que o Estado apoia e fiscaliza as instituições, deu-lhe um grande impulso. É verdade que há uma tradição histórica, mas o grande impulso às instituições sociais é dado depois do 25 de abril, e em particular depois do primeiro Estatuto das IPSS. Nós temos muitos centros sociais, paroquiais, muitas associações que nasceram depois do 25 de abril com esta filosofia de cooperação. Seria um erro deitar fora esta longa experiência. Há países que desenvolveram sistemas de serviços públicos, como a Espanha. Haverá quem o defenda. Se nós estivéssemos a criar desde o início um sistema faria sentido discutir isso, mas temos centenas de anos de história e em particular 50 anos de história depois do 25 de abril, em que a cooperação entre o Estado e as Instituições de Solidariedade produziu um modelo único, que nem mesmo os países de inspiração católica, como a Polónia e a Itália, têm. Eu julgo que há tentações na sociedade portuguesa de equiparar este modelo ao sector lucrativo. Um pouco como aconteceu na Holanda em que se criou um mercado de serviços sociais. Eu não vejo vantagem nenhuma. Defendo uma manutenção da cooperação entre o Estado e a sociedade civil e não vejo vantagens em que se coloquem as instituições como prestadoras de serviço a par com quaisquer outras e que sejam tratadas meramente numa lógica contratual. Isto implica que a parceria tem que ser desenvolvida dos dois lados. Do lado das instituições tem que haver a capacidade e a flexibilidade de dialogar com o Estado, refletindo a evolução das prioridades de política pública. As instituições para estarem em parcerias têm também de se adaptar à evolução dos modelos, quer na parte teórica quer na parte das necessidades. Têm que ter disponibilidade para mudar de paradigma. A União Europeia acaba de aprovar a recomendação sobre os cuidados de longa duração e isso significa que Portugal vai ter que mudar muito nessa matéria. As instituições têm demonstrado ao longo dos tempos uma grande capacidade de adaptação. Em grande parte dos serviços sociais hoje temos a noção que a subsidiariedade é essencial, entendendo-a como responsabilidade em primeira instância da família. Não achando eu que deva diluir-se essa responsabilidade, considero que essa carga hoje é injusta para com os cidadãos. As famílias estão a ficar encurraladas entre o dever, que não podem cumprir, e uma falta de recursos a que possam aceder. A sociedade civil e o Estado têm que adaptar-se a que as novas famílias, com poucas crianças e muitos idosos, com todos os adultos ativos, não podem ter a mesma carga que tinham as famílias do passado.
E qual deve ser o papel do Estado?
O Estado tem que assumir que a centralidade dos serviços sociais mudou, no fundo aquilo que está dentro da Cooperação na Ação Social. Nas creches, por exemplo, houve uma mudança de paradigma. Que todas as famílias tenham direito a uma creche gratuita estende pela primeira vez à área dos serviços sociais algo que nunca tinha acontecido fora da Educação e da Saúde. Até agora foi sempre aceite o princípio de que há uma responsabilidade primeira da família e só quando a família falha é que o Estado, em cooperação com a sociedade civil, vai apoiar. Uma resposta supletiva. Nas creches deixou de ser assim. Agora há um direito das famílias à gratuitidade das creches. Abriu-se um caminho sobre o qual temos que refletir. Como vamos financiar os cuidados de longa duração no futuro? O que temos hoje claramente não resolve as novas necessidades. Pensem só nisto: A média dos países da OCDE gasta o dobro de Portugal com a proteção social. Nós gastamos cerca de 0,9 por cento do PIB, a média da OCDE está perto dos 2 por cento. A Holanda gasta 4 por cento do PIB. É idealista pensar que podemos duplicar ou triplicar o custo público desta política social. Eu estou de acordo com o que foi adotado no novo Pacto para a Cooperação e acho que nos devemos afastar quer da tentação liberal quer da tentação estatista. Não há nenhuma necessidade de rutura com um modelo que tem proteção constitucional, se afirmou e desenvolveu com a democracia, participativo e democrático. Só temos que rever os termos da parceria.
A revisão constitucional deve considerar ajustamentos no modelo e proteção social?
Não vejo que a Constituição seja um problema para este modelo, julgo que o potenciou... Não creio que o que está estatuído sobre a necessidade de apoio e fiscalização seja origem de algum entorse ao desenvolvimento. A discutir algo, desse ponto de vista, era revisitar o Estatuto das IPSS e dar consagração legal mais forte ao princípio da cooperação entre o Estado e o Sector Social. A haver mexidas é na regulamentação e não nos princípios constitucionais. Há três grandes questões: as áreas da inovação social, que no passado eram feitas através dos acordos atípicos; a repartição do financiamento público e o financiamento das instituições e famílias ou pessoas; e a questão de saber se para alguns serviços sociais deveria haver outras formas de financiamento. São estas as questões jurídicas.
E em matéria de fiscalidade?
Na dimensão fiscal houve, na segunda metade dos anos oitenta e nos inícios dos anos noventa do século passado, e nunca foi revertido, uma tentação ideológica liberal de quem mandava no Ministério da Finanças. Ainda há nas Finanças Públicas uma dificuldade de entender a especificidade do Sector Social que deve merecer algum privilégio fiscal. Porque não é mercado; porque não visa a apropriação individual dos resultados; porque presta serviço coletivo; porque beneficia a coletividade. É necessário avaliar se a fiscalidade é proporcional à especificidade da missão do Sector Social. Temos experiências comparativas para estudar não é uma matéria exclusivamente portuguesa. Nos cuidados temos um modelo muito português. Há países, como a França, com grande peso das Mutualidades, outros com grande peso das Cooperativas. Nós temos um sector que produz, presta serviço, procura o bem comum, procura o benefício da comunidade, empenha-se no bem-estar coletivo, e não busca o lucro individual e, portanto, não deve ser tratado como lucrativo. Há questões, como o IVA, que parecem discriminação ideológica e têm que ser resolvidas.
O Sector Social deve estar na Concertação Social?
A exemplo do que acontece com o Comité Económico e Social Europeu faria todo o sentido que nós tivéssemos a representação do sector empresarial, do sindical e das iniciativas da sociedade civil. Muitas das matérias que são discutidas na Concertação Social interessam não apenas aos trabalhadores e aos empresários, mas também à sociedade civil organizada. Sou favorável a que o Sector Social entre na Concertação Social e tenho a certeza que a beneficiava.
Nas IPSS na grande maioria os dirigentes são voluntários. É uma virtude ou um defeito do modelo social solidário português?
Eu acho que o voluntariado é uma base de mobilização insubstituível. Não defendo a obrigação de que a direção tenha de ser voluntária. As funções executivas numa IPSS, cada vez mais, exigem profissionalização e as direções talvez devessem não ser só executivas. Nós temos de ter diretores técnicos remunerados. Porque é que esses diretores técnicos não podem fazer parte da direção das instituições? Porque é que quem decide as finanças da instituição tem de ser voluntário e só quem é técnico é que é pago? Eu não partilho dessa ideia. A solução que eu proporia, existe noutros países, é termos direções com membros executivos remunerados e membros não executivos que fazem a supervisão. Usando aqui um anglicismo, o que eu penso que tem de permanecer voluntário é o “oversight”. É a manutenção dos princípios filosóficos da instituição. O que é fundador da Economia Social, do meu ponto de vista, é o voluntariado de iniciativa e o não lucro individual ou proporcional ao investimento. Ou seja, uma não remuneração em função do capital. E quem, na função de supervisão, tem de ser voluntário não é a pessoa que toma a decisão sobre o investimento mas a pessoa que garante que as decisões executivas têm a ver com a filosofia da instituição, com a natureza da instituição, que possa ter a última palavra. Há uma expressão em turco para chefe que é muito interessante, que é “a cabeça que olha”. A “cabeça que olha” tem de ser voluntária.
Falemos da situação política. Como é que vê o país liderado por um governo assente numa maioria absoluta?
Eu hoje não tenho participação política ativa por isso olho para o país com o máximo de independência que consigo. Eu penso que o partido no governo, o PS, subavaliou o facto das maiorias absolutas serem sempre solitárias. E depois também desvalorizou, numa primeira fase, que uma coisa é ter a confiança dos portugueses para governar naquele contexto, outra coisa é ter a confiança dos portugueses para fazer o que quer que seja. Portanto, houve um excesso de autoconfiança, na primeira fase do governo, que deitou a perder algumas vantagens que as maiorias absolutas têm.
As coisas têm corrido mal. Porquê?
Eu penso que temos um grande problema. Podemos todos divergir nas soluções, mas julgo que era importante que partilhássemos o diagnóstico: nós estamos com um bloqueio ao nosso desenvolvimento que não nos está a permitir passar para o patamar superior. Temos 20 anos de quase estagnação económica que nos levaram a uma situação orçamental difícil e que nos mantém numa posição de vulnerabilidade. Portanto, nós precisamos de crescer mais, precisamos de viver melhor, precisamos de ultrapassar estes atavismos. Para isso, precisamos de reformas estruturais. Eu sei que a expressão “reformas estruturais” deixa logo toda a gente muito assustada, porque no passado foi usada significando contrarreformas sociais. Nós precisamos de mudanças estruturais, precisamos claramente de ter mais potencial de inovação, precisamos de voltar a ter uma política económica, uma política industrial, uma política de desenvolvimento económico, precisamos de um modelo de desenvolvimento económico que tenha potencial de crescimento, que não fique agarrado ao passado. Temos de refletir sobre isso.
Uma nova política social?
Temos de olhar para as funções sociais sem partir do pressuposto de que os comportamentos, os valores e as atitudes são os mesmos de há 50 ou há 100 anos. Temos de ter um país para as pessoas que temos. A minha geração, que está hoje nos 50 anos, foi a grande beneficiária do 25 de abril: viveu a escola pública; viveu o desenvolvimento do país depois da entrada na EU; comprou a sua casa; atingiu uma situação de conforto; vive muito melhor que os seus pais, com muito mais oportunidades. Mas agora temos uma geração de jovens que têm uma preparação superior, mas que beneficia muito pouco do estado social. O nosso modelo assentava na ideia que não era preciso proteger os jovens porque o futuro era sempre brilhante e radioso. Atualmente, quem é pobre em Portugal? Costumamos dizer que são as crianças, mas as crianças não vivem sozinhas: são os pais jovens com filhos. Em que nem o trabalho tira da pobreza. Qual é o grupo mais pobre em Portugal? Antigamente eram os reformados. Hoje são os desempregados porque nós não olhamos para o subsídio de desemprego ou para a proteção no desemprego como uma prioridade nacional. Nós estamos aqui com uma fratura geracional em que os jovens estão a votar com os pés: que é a sair.
Fala da necessidade de haver reformas. Ainda se orgulha da criação do Rendimento Mínimo Garantido, hoje Rendimento Social de Inserção?
Orgulho. Eu acho que infelizmente a medida está muito fragilizada por duas razões: em primeiro, a criação do IAS, Indexante dos Apoios Sociais, uma medida correta porque libertou o salário mínimo nacional das prestações, que nunca foi avaliada como devia ao cabo de cinco anos, o que implicou uma perda progressiva dos rendimentos de quem vive das prestações. Porque o RSI está indexado à inflação, não só, mas face ao crescimento económico, na prática, fica indexado à inflação, os rendimentos vão progredindo, e as medidas que estão indexadas ao IAS não tiram as pessoas da pobreza. Já não é só o RSI. Depois, o RSI tinha uma segunda dimensão que era tão ou mais importante que a primeira: um compromisso com a inclusão social. O Estado desinteressou-se muito da inclusão social no RSI e as instituições também. Hoje o potencial de inclusão do RSI é muito baixo. E depois como o populismo condiciona os políticos, basicamente os governos, todos eles, os governos de direita e de esquerda, a partir de certa altura, passaram a achar que as mexidas no RSI deviam ser silenciosas. Nós não temos uma avaliação independente no RSI há 20 anos.
V.M. Pinto (Texto e Fotos)
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