Em 1997, a Comissão do Livro Branco da Segurança Social previa a rutura financeira da segurança social entre 2010 e 2015, período a partir do qual teria um défice anual progressivo e crescente, que atingiria o seu ponto máximo no défice de 5,5% do PIB em 2045.
Felizmente estamos em 2023 e, apesar da ocorrência de duas crises económicas inesperadas e de grande dimensão, não ocorreu a entrada em défice estrutural vaticinada.
O futuro não foi o que se previa porque os salários e as contribuições para a segurança social tiveram um comportamento significativamente melhor do que o projetado e as sucessivas reformas introduzidas desde então por governos de esquerda e de direita contribuíram para uma contenção da despesa que se projeta nas décadas seguintes.
A discussão sobre o futuro da segurança social está de volta. No dia 15 de março tive o privilégio de participar com José Silva Peneda e Manuel Carvalho da Silva numa mesa-redonda promovida pelo Observatório das Crises e das Alternativas sobre o futuro da segurança social, sendo de assinalar a significativa convergência de visões que os três ali tivemos.
No meu contributo para esta reflexão, que aqui partilho, entendi que a discussão sobre o futuro deve partir de alguns dados que já sabemos e terá de se ater a eles se quiser ser útil e informada.
Sabemos que são o crescimento económico e a dinâmica do emprego que tornam sustentável a segurança social.
Dispomos de estudos apresentados todos os anos com o Orçamento de Estado que nos dizem que o nosso sistema previdencial está equilibrado, mas pode ter défices moderados em torno de 1% do PIB nas próximas décadas e que é incerto que o Fundo de Estabilização Financeira seja suficiente para cobrir esse défice até que o sistema regresse ao equilíbrio lá pela década de 2060.
Sabemos também que a população portuguesa interiorizou e respeita o nosso regime previdencial.
Antecipamos ainda tendências de mudança social em que avultam a digitalização e as transformações demográficas.
Não há ainda consenso se o emprego vai diminuir, crescer ou simplesmente transformar-se, mas haverá perdedores com esta mudança.
Agir preventivamente sobre este risco implicaria pensar alternativas para a introdução de garantias mínimas e para a tributação de fontes alternativas ao trabalho em complemento às contribuições, a exemplo do que se tem vindo já a fazer, embora marginalmente, com as receitas para a capitalização de estabilização.
Essas alternativas serão impostos sobre os rendimentos, ou sobre o consumo ou sobre o uso de tecnologia, sendo a mais famosa proposta neste último domínio, a da tributação dos proprietários de máquinas inteligentes e autónomas (o “imposto sobre os robots”). Num estudo que coordenei para a UGT chegámos a uma proposta concreta para discussão, propondo a criação de uma contribuição sobre as comunicações entre máquinas inteligentes, que segundo as nossas projeções pode cobrir o défice potencial de 1% do PIB já daqui a uma década.
A demografia apresenta-se como o segundo grande inimigo do regime previdencial de segurança social. A dinâmica de duplo envelhecimento na sociedade portuguesa, com o prolongamento da vida e a redução dos nascimentos é um dos fatores motrizes das variantes mais pessimistas das projeções de sustentabilidade do sistema. Nos anos mais recentes, a melhoria da qualidade do emprego, bem como a imigração têm compensado esse risco, mas a questão da sustentabilidade do modelo demográfico do país, prévia à do modelo de pensões, coloca-se.
Agir para mudar a nossa demografia também é possível, mas implica uma reflexão mais profunda sobre o nosso modelo de sociedade. Os jovens adultos são hoje o parente pobre no nosso sistema de emprego e de proteção social. Sem mudar profundamente as oportunidades que lhes damos e os apoios e serviços que concedemos aos jovens não podemos esperar que os jovens casais tenham condições para terem os filhos que desejam e possamos vencer o desafio demográfico. Mas esse é tema para outro artigo.
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