HENRIQUE RODRIGUES

“Em novembro, é de abril e de maio que me lembro"

A Assembleia da República celebrou, em sessão solene, e pela primeira vez de modo formal, o dia 25 de Novembro, no contexto do programa das Comemorações dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril.
Essa comemoração solene suscitou aplausos e repúdios.
Do lado dos aplausos, argumentou-se que foi verdadeiramente o 25 de Novembro a desenhar o sistema político demo-liberal que felizmente nos rege, ao restituir à pureza originária os ideais de Abril e ao afastar a ameaça de feição totalitária que contaminara parte da direcção político-militar da Revolução, principalmente nos meses entre Março e Novembro de 1975.
Não há como não concordar com essa avaliação, sobretudo para quem pretendia que o 25 de Abril significasse o corte com os princípios totalitários e as práticas persecutórias do anterior regime e não estivesse disposto a deixar que a Revolução libertadora viesse a transformar-se num regime idêntico ao da Ditadura derrubada em 25 de Abril, apenas de sinal contrário.
Do lado dos repúdios, alegava-se que o 25 de Novembro representara um corte com os ideais de Abril, constituindo antes uma verdadeira Contra-Revolução, que teria conduzido à perpetuação das desigualdades entre os cidadãos, que ainda hoje se verifica de modo chocante.
Mais se argumentou: que o 25 de Novembro constitui uma data que divide simbolicamente os portugueses, pelo que não deveria ser objecto de umas comemorações que se pretendiam nacionais; ao contrário do 25 de Abril, que, na perspectiva desses, uniria todas as correntes e todos os cidadãos.
(Entre os arguentes desse significado divisor – e, nessa medida, oponentes às comemorações –, encontrava-se o anterior Comissário Nacional para as Comemorações, Pedro Adão e Silva, bem como o anterior Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.)
Tal como com os aplausos, não há como não concordar com alguma da argumentação que se manifestou no espaço público em oposição à comemoração solene da data de 25 de Novembro.
No entanto, algumas das razões não colhem: por exemplo, não é seguro dizer que, hoje, 50 anos passados sobre essa data fundadora de Abril, ela ainda seja factor de unidade que abranja todos os portugueses – uma vez que, também entre nós, vão surgindo e espessando fenómenos de radicalismo populista a ensombrar o ambiente e vai-se igualmente disseminando um discurso hostil; ou, pelo menos, indiferente aos pobres e aos excluídos.
Para mal dos nossos pecados, comemorar Abril não recolhe, hoje, a unanimidade.

2 – Quando estudava Direito, em Coimbra, antes do 25 de Abril, as sebentas onde repousava a sabedoria dos mestres, ao exporem uma teoria ou ao enunciarem uma questão, seguiam um percurso discursivo que consistia na explicitação de uma posição da doutrina, contrapondo-lhe de seguida a posição da doutrina contrária; para terminar no enunciado da posição defendida pelo mestre, naturalmente a melhor, normalmente contendo elementos das duas em oposição, constituindo uma espécie de bissectriz.
Como diríamos hoje, uma Terceira Via, como a de Blair, ou, entre nós, Guterres, sob a epígrafe “social-democrata na economia, liberal no funcionamento do sistema político, conservador nos costumes”
( Que saudades!)
De modo que os festejos foram organizados segundo o modelo dos meus velhos mestres, catando uma coisa aqui, catrapiscando outra acolá, diminuindo a extensão dos discursos, procurando servir a dois senhores, agradando a uns e a outros, mas agradando pouco a todos; uns, porque queriam mais, outros, porque queriam menos.
Foi uma espécie de 25 de Abril de serviços mínimos.
Mas um estatuto de segunda divisão é sempre um estatuto menor.
A mim, parece-me que o que aconteceu em Portugal no dia 25 de Novembro de 1975 teve uma importância decisiva para o exercício das liberdades civis, para o bem-estar e para a paz social, virtudes que, de facto, se encontravam sob ameaça durante boa parte daquele ano de 1975.
Tão importante foi que é uma espécie de injustiça tratá-lo como um episódio secundário de um percurso instaurado em Abril de 1974.
Não são da mesma natureza, não se medem nem comparam pela mesma escala.
Vejo o que se passa comigo: sou devedor, ao 25 de Novembro, da circunstância de viver em liberdade, no meu País, de poder escrever e publicar estas crónicas onde digo o que me apetece, sem censura.
E também por me ter permitido pertencer à Europa civilizada e viajar por ela, e por todo o vasto mundo, sem restrições.
Por pertencer àquela parte do mundo, o chamado Ocidente, onde se vive melhor, quer do ponto de vista das liberdades, quer da distribuição dos recursos.
Estou desse lado!
Sou devedor e reconheço a dívida. Mas quando penso no 25 de Novembro – e penso de forma agradecida – não sinto o coração a saltar no peito nem se me alarga a alma como quando evoco aquele Abril e Maio iniciais, cuja memória me leva a participar na manifestação popular anual de celebração das liberdades, na busca do aroma fresco e da festa que foi o daquele dia de Abril, há 50 anos.

3 - Percebo agora melhor, ao cumprir esse ritual tranquilo, as razões que levavam os opositores do regime de Salazar e Caetano, então vigente, a comparecerem, no 31 de Janeiro, no Cemitério do Prado do Repouso, no Porto, na homenagem aos Vencidos dessa primeira Revolta republicana, também no Porto, ou no 5 de Outubro, em muitas localidades do País, a comemorar a República e a reiterar o seu amor à liberdade.
Também esses foram momentos e datas fundadoras.
Hoje, passados tantos anos, com a idade que então tinham essas figuras da Oposição, ao recordar as vezes em que, jovem estudante, acompanhava essas celebrações, pensando, na presumida verdura da idade, que se tratava de meros rituais, sem possibilidade de promover uma mudança efectiva da situação, percebo melhor o que movia esses velhos democratas que assim manifestavam a sua oposição a um regime iníquo.
No 25 de Abril, era eu um jovem. Passaram 50 anos – e fiquei velho, como os velhos republicanos que celebravam o 5 de Outubro e o 31 de Janeiro.
Consigo pôr-me na sua pele e comungar da mesma esperança no futuro; mas lembrando sempre que se, como se sabe, “não há mal que nunca se acabe”, o certo é que também “não há bem que sempre dure”.

Henrique Rodrigues (Presidente do Centro Social de Ermesinde)

 

Data de introdução: 2024-12-11



















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