HENRIQUE RODRIGUES

O sentido visual

1 - Ainda a propósito da operação policial na rua do Benformoso, ao Martim Moniz, o Primeiro-Ministro veio declarar-nos que ele próprio não gostara de ver as imagens da fila de imigrantes encostados à parede e de frente para ela, por ordem da polícia, para serem revistados pela mesma polícia.
Não gostou do que viu, “no sentido visual” – afirmou.
E tem razão em não ter gostado.
Após o conhecimento geral, pelos cidadãos, dessas imagens e da sua divulgação pelas redes sociais e pela imprensa, e até hoje, o tema não abandonou a primeira linha do debate público.
É bom que assim seja, que poucos temas são mais relevantes numa democracia do que o debate sobre os limites do exercício da autoridade pública.
E não vale muito a pena tentar descobrir, em algum recanto obscuro, quem de bom senso tenha sentido comprazimento ou manifestado apoio à intervenção policial.
Como se sabe, “uma imagem vale mais do que mil palavras” – e, na verdade, a força icónica daquelas imagens de gente humilhada e discriminada não deixa margem para posições dúbias ou reticentes, nem para palavras de explicação.
Bem se tentou desvalorizar o incidente, alegando que a revista não visava especificamente imigrantes ou que se tratava de uma operação de rotina, idêntica a outras já anteriormente realizadas.
O Primeiro-Ministro fala do “sentido visual” como o que o chocara nas imagens.
A visão é, com efeito, um sentido; um dos cinco sentidos.
Os cinco sentidos correspondem a atributos físicos: a visão apela à apreensão de conhecimentos ou sensações pelos olhos, o olfacto pelo nariz, a audição pelos ouvidos, o sabor pela língua ou pela boca, o tacto pela pele, com particular relevo para as mãos.
(“Quem foi que à tua pele conferiu esse papel,/ de mais que tua pele ser pele da minha pele” – escreveu David Mourão-Ferreira.)
Penso que o Primeiro-Ministro, ao confessar-nos o seu desconforto pelas imagens divulgadas da fila de imigrantes desapossados, quer da posição erecta, quer momentaneamente do direito à mobilidade, embora se tivesse referido ao sentido, não era ao sentido físico da visão que se referia.
Era, creio bem, ao sentido simbólico.
Na verdade, a palavra “visão”, para além de designar um dos cinco sentidos físicos do corpo humano. também pode ter uma conotação valorativa – positivamente valorativa.
É o caso da expressão “ter visão” ou de “uma visão de futuro”, de algo por que se anseia; por exemplo, a visão de um país de acolhimento, sem pobreza, que assegure a igualdade de oportunidades para todos.
E é uma “visão” deste tipo que incumbe aos Governos, a quem compete conduzir o leme, levando consigo o entusiasmo dos governados rumo a um futuro melhor do que o presente, já que o caminho do mundo devia ser de progresso.
Ora, imagens como a da fila dos imigrantes na rua do Benformoso não cabem numa visão optimista, nem sequer civilizada, quanto ao futuro; pelo contrário, fazem recordar tempos idos, de má memória, neste nosso mesmo País.

2 – A Trump agradaria certamente uma visualização de filas de imigrantes nos Estados Unidos, em espera da revista pelas polícias, ou na rota da deportação para os países de origem.
(Li algures que também compatriotas nossos correm o risco de serem devolvidos à Pátria… como se fossem uma encomenda…)
A eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos não foi um equívoco do eleitorado americano.
Trump não iludiu o que o movia; e, entre o que o movia – e move – figura certamente o ódio ao outro, ao que vem de fora, ao que “rouba” empregos aos autóctones.
Tal discurso teve sucesso e tem seguidores.
O Governo de Portugal tem o dever de não se confundir com eles.
Por razões de princípio; mas também por pragmatismo: calhou mal à operação policial a coincidência de, na mesma altura, os organismos estatísticos do Estado terem divulgado informações da Segurança Social, dando conta de um muito folgado ‘superavit’ das contribuições relativamente às prestações pagas aos imigrantes.
E também os dirigentes das confederações patronais vieram a terreiro dar conta da precisão de mão-de-obra imigrante para manter as empresas em funcionamento, designadamente na construção civil e no turismo.
A desinformação tem perna curta.   
A Europa Ocidental padece de uma espécie de complexo de superioridade democrática relativamente aos Estados Unidos, não se imaginando até há pouco que alguém como Donald Trump pudesse ser ungido como Presidente da República com poder executivo de uma qualquer democracia da velha Europa.
Mas a facilidade com que o discurso anti-imigrantes conquista terreno nessas democracias antigas e consolidadas faz temer que um qualquer Trump possa vir a destoar nessa imagem civilizada que, todavia, ainda timbra as democracias europeias – e, entre elas, a nossa.

3 – Este tópico irá certamente alimentar o debate que, após o Verão, irá animar as nossas comunidades locais, a propósito das eleições autárquicas.
Como sempre, votarei nessas eleições: para a Junta da minha freguesia, para a Câmara Municipal e para a Assembleia Municipal do meu concelho.
Não votarei ainda, ao contrário do que me prometeu António Costa, para a Assembleia Regional do Norte, bem como para a Junta de Governo da Região Norte.
Tem sido assim desde há 30 anos, por responsabilidade, à vez, do PS e do PSD.
Desta vez é que era…. prometeu António Costa.
Mas veio o Presidente da República e tirou-lhe a vontade.
Era o tempo em que ambos eram felizes… e não sabiam.
Ou sabiam…?

Henrique Rodrigues (Presidente do Centro Social de Ermesinde)

 

Data de introdução: 2025-01-08



















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