A CNIS promoveu, no passado dia 30 de janeiro, um encontro em que marcaram presença 94 IPSS associadas, representadas por 211 pessoas, entre dirigentes e técnicos, com o intuito de fazer o ponto da situação quanto às Casas de Acolhimento de crianças e jovens.
A pertinência do encontro prende-se com a execução da Portaria nº 450/2023, de 22 de dezembro, o mais recente diploma legal a enquadrar a referida resposta social. Em concreto, há demasiadas pontas soltas nesta matéria, que estão a levantar muitos obstáculos às instituições, aliás como ficou bem patente no largo período de debate, em que os representantes das associadas colocaram diversas questões a que a CNIS, através de quatro assessoras, tentou dar resposta.
Na abertura do encontro, o presidente da CNIS começou por lembrar “a tradição muito antiga das instituições acolherem crianças e jovens”.
Por ser uma questão que tem trazido as instituições preocupadas, a CNIS avançou com uma auscultação junto das instituições associadas que promovem respostas de acolhimento residencial de crianças e jovens, tendo apresentado de forma resumida alguns dados recolhidos.
Filomena Bordalo, assessora da CNIS, começou por sublinhar “o hiato de tempo na saída da legislação”, que começou com a publicação da Lei nº 142/2015, de 8 de setembro (Lei de proteção de crianças e jovens em perigo). Desde esta altura que as respostas sociais de acolhimento no âmbito das crianças e jovens – Lares de Infância e Juventude, Centros de Acolhimento Temporário e Apartamentos de Autonomização – aguardavam pela regulamentação do regime de organização e funcionamento das casas de acolhimento de crianças e jovens, o que apenas se concretizou oito anos mais tarde, com a publicação da Portaria n.º 450/2023, de 22 de dezembro.
A publicação desta Portaria deu início a “um período de incerteza, mas igualmente, de consciência da necessidade de concretização de um processo de qualificação”, o que algumas instituições já haviam iniciado por sua própria iniciativa, após a publicação do Decreto-lei n.º 164/2019, de 25 de outubro, que “estabelece o regime de execução do acolhimento residencial, medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças e jovens em perigo”.
“A CNIS não acordou para esta situação hoje”, sublinhou Filomena Bordalo, lembrando que “há uns anos o Estado queria comparticipar pela frequência e não pela capacidade, mas essa medida não passou por causa da CNIS”.
Em paralelo, a CNIS “constituiu um grupo de conhecimento e operacionalização, com a participação de especialistas da Academia e representantes de instituições associadas”, de cujo trabalho, em julho de 2019, resultou “uma proposta de regulamentação ao respetivo Governo e à Procuradoria-Geral da República”, relatou a assessora, deixando um lamento: “O silêncio do Instituto da Segurança Social (ISS) é um obstáculo”.
No entanto, a CNIS teve uma reunião com o ISS, a 17 de janeiro, “e agora estamos a trabalhar de uma forma mais articulada, porque é preciso que o ISS perceba que a CNIS é parte da solução”, afirmou.
De seguida, Ana Rodrigues, assessora jurídica da CNIS, abordou questões dos dois documentos legais que, ultimamente, mais têm preocupado os dirigentes das instituições.
Para além da Portaria nº 450/2023, também a Portaria nº 95/2024/1, de 11 de março, que aprova o modelo de comparticipação para a requalificação do sistema de acolhimento residencial, foi abordada, porque a falta de execução do que determinam levanta problemas às instituições.
As questões mais candentes que se prendem com estes documentos legais é que, por exemplo, “a linha de financiamento específica para requalificar os equipamentos ainda não está definida”.
E de acordo com o Compromisso de Cooperação, “o processo de adequação dos acordos de cooperação para as casas de acolhimento carece de consensualização prévia com os representantes das instituições do Sector Social Solidário”.
Por outro lado, “com vista à avaliação e adaptação dos equipamentos sociais existentes, o ISS constituiu equipas distritais de acompanhamento para identificação das necessidades de adaptação e de investimento e para conversão de respostas sociais, bem como a elaboração do plano de formação que deve ser assegurado pelo ISS”.
Contudo, a formação ainda não está em marcha e, por outro lado, “a criação das equipas de acompanhamento não foi comunicada à CNIS” e esse momento determina prazos de execução.
“É que os centros de acolhimento temporário, lares de infância e juventude e apartamentos de autonomização que se encontrem em funcionamento devem adequar-se ao estabelecido na Portaria no prazo máximo de 36 meses” e estes começam a contar da data da sua entrada em vigor ou da constituição das equipas distritais, caso o sejam em data posterior.
Ora, não se sabendo quando as equipas de acompanhamento foram criadas, a não ser aquando da primeira visita, e algumas instituições já começaram a receber, é problemático para definir calendários. Porém, o prazo de 36 meses pode ser prorrogado por 12 meses, por duas ocasiões, através de “um pedido bem fundamentado”.
A CNIS aconselhou as instituições a inquirirem junto da Segurança Social em que data as equipas foram criadas.
Ana Rodrigues lembrou ainda que, “no âmbito da avaliação e adaptação dos equipamentos sociais existentes, as equipas distritais do ISS podem propor a conversão do acordo de cooperação para uma nova resposta social, em linha com o diagnóstico efetuado”, como CAFAP, Acolhimento Familiar ou outras.
Por outro lado, “o valor de comparticipação mensal por criança ou jovem, que tenha em conta os novos requisitos constantes da Portaria, bem como a especificidade, complexidade e exigência técnica de cada unidade que constitui a casa de acolhimento”, foi fixado pela Portaria n.º 95/2024/1, de 11 de Março, da qual “resulta claro que os valores aí fixados se aplicam às IPSS ou equiparadas que disponham ou venham a dispor de casas de acolhimento e que se adaptem às regras da Portaria n.º 450”, sendo, para o efeito, revistos os acordos de cooperação existentes ou celebrados novos acordos de cooperação com o ISS.
“Cuidado com a assinatura de novos acordos de cooperação sem que os requisitos financeiros estejam estabelecidos”, alertou Ana Rodrigues, lembrando, novamente, que ainda se está à espera que a Linha de Financiamento seja definida.
A este propósito, já no período de debate, esta questão foi levantada, com a acusação de que a linha de financiamento “é um empréstimo que as instituições terão de pagar”.
Neste assunto, o padre Lino Maia foi bastante claro: “Não queremos uma linha de financiamento, queremos apoio financeiro, que pode ser de um PARES, mas não do PRR. O que se pretende é apoio financeiro sem reembolso”.
No tempo de microfone aberto à plateia, muitos casos particulares foram relatados, muitas preocupações expostas, muitas indignações proferidas e muitas matérias que estão a criar incerteza e desconfiança foram colocadas a debate.
Da não adequação das categorias profissionais que datam de 1999 às remunerações insuficientes, da (quase) impossibilidade de intervir em edifícios muito antigos e que são património nacional ao problema que é o encaminhamento das crianças e jovens para as instituições muito foi dito e alguma coisa esclarecida.
Quanto a esta matéria do encaminhamento das crianças e jovens, um dirigente sublinhou que “não podemos ter como parceiro apenas o Ministério da Segurança Social, mas também os ministérios da Justiça e da Saúde”.
Sobre esta questão, o padre Lino Maia informou os presentes que, “nas negociações do Compromisso de Cooperação 2025-2026, a CNIS já requereu a participação do Ministério da Justiça”, lembrando ainda que “os jovens com processos tutelares educativos não deviam ir para os CAT”.
Sobre a questão do encaminhamento dos menores, um outro dirigente defendeu que “é preciso definir bem e separar os jovens em risco dos jovens que colocam a sociedade em risco, e há muitos nas nossas instituições”.
Foi pedida maior flexibilidade às Equipas Técnicas de Arquitetura e Engenharia (UTAE) e a CNIS solicitou às associadas que recebam notificações das UTAE que as comuniquem à CNIS.
Outra questão que tem trazido os dirigentes revoltados é a tentativa de imposição de jovens nas instituições. Algumas instituições, apesar de terem capacidade, têm recusado aceitar algumas crianças e jovens, algo com que o ISS já confrontou a CNIS.
“A CNIS não aceita ameaças da Segurança Social, tem é de haver uma postura de parceria”, asseverou o padre Lino Maia, que pediu mais harmonia nas posições dos diferentes Centros Distritais da Segurança Social.
A causar grandes constrangimentos às instituições está o facto de as casas de acolhimento deverem passar a ser “inclusivas”, o que implica passarem a ser mistas e a acolher igualmente pessoas portadoras de deficiência.
“Queremos casas especializadas e é grave que se exija que todas as casas de acolhimento sejam mistas. Em determinadas instituições, em certas idades e em determinadas situações, torná-las mistas não é solução. Por isso, é preciso sensatez”, apelou o presidente da CNIS, lembrando: “Há o preconceito dos governantes, que depois passa para a sociedade, de que estas casas são um mal menor, mas não, elas são um bem maior para todos”.
A este propósito, a assessora Patrícia Monteiro avançou que “a CNIS tem vincado a necessidade de reforço da qualificação de todas as medidas de promoção e proteção”, mas tal como acrescentou Ana Rodrigues: “O acolhimento residencial é o parente pobre do sistema de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo. A CNIS integra um grupo de trabalho sobre as medidas de promoção e proteção e ele não inclui o acolhimento residencial”.
A determinada altura, uma dirigente questionou a CNIS sobre o facto de a UDIPSS Porto ter comunicado às suas associadas que a Portaria nº 450 ia ser retirada. A informação terá surgido num encontro promovido pela União do Porto, à margem da CNIS, e onde esteve a secretária de Estado da Ação Social e da Inclusão, Clara Marques Mendes.
“Cautelas e caldos de galinha cada um toma os que quer”, começou por dizer o padre Lino Maia, mostrando descontentamento com a situação gerada a norte: “Fiquei muito desagradado quando soube que, depois da CNIS estar a elaborar todo este trabalho, paralelamente, fizeram um encontro no Porto com a secretária de Estado e anunciaram que a Portaria ia ser retirada. Foi inoportuna a informação da UDIPSS Porto”.
Depois, lembrou que há muito que reclama pela “revisão da Portaria” e sustentou que “a Portaria está em vigor e se for alterada será com a participação da CNIS”, acrescentando ainda: “Não há certeza de alteração da Portaria, o que vamos fazer é contribuir para a clarificação de muitas questões”.
Por detrás do encontro que decorreu em Fátima esteve um estudo realizado pela CNIS, entre os dias 7 e 20 de janeiro, período em que decorreu a recolha de informação junto das associadas com as respostas sociais Lares de Infância e Juventude, Centros de Acolhimento Temporário e Apartamentos de Autonomização, através de um questionário, por cada acordo de cooperação existente, com objetivo de obter uma caracterização das casas de acolhimento, das crianças e jovens atualmente acolhidos e do processo de adequação às novas exigências legais.
O pedido de colaboração foi enviado às 194 IPSS associadas identificadas como desenvolvendo estas respostas sociais em Portugal continental e nas regiões autónomas. A CNIS recebeu 174 respostas, sendo 171 consideradas válidas das quais 158 são desenvolvidas por associadas de Portugal continental e 13 das regiões autónomas.
De acordo com a Carta Social, as associadas da CNIS desenvolvem 270 respostas de acolhimento residencial em Portugal continental, das quais 158 (59%) responderam ao questionário.
Os resultados foram apresentados pelas assessoras Patrícia Monteiro e Mafalda Jesus e servirão de base para a elaboração de propostas apresentar nas negociações com o Estado.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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