Os que fazem a misericórdia de seguir este meu espaço de crónica sabem como abomino a inflação.
A inflação é o mais injusto dos impostos. Em ambiente inflacionário desencadeia-se uma luta de todos contra todos pela distribuição do bolo económico, luta na qual os perdedores são os mesmos de sempre: os mais frágeis, os que não têm voz…
É por isso que costumo dizer que a inflação não é apenas um problema económico, é também um tema de moral.
Que notícias nos chegam desta frente? Na zona euro a inflação em janeiro de 2025 subiu ligeiramente para 2,5% em relação aos 2,4% de dezembro de 2024, sendo que para fevereiro se estima uma ligeira descida para um valor similar ao de dezembro. Em Portugal o valor da inflação de janeiro foi de 2,7% enquanto para fevereiro se estima uma descida para 2,4%.
Não devemos esperar que o caminho para o retorno aos mágicos 2% de que o BCE tanto gosta seja breve ou linear. Como sempre defendi, provavelmente vai levar mais algum tempo do que estimavam os mercados e os mais otimistas, embora a tendência geral descendente, ainda que com altos e baixos temporários, pareça clara.
Em última análise tudo se joga na moderação salarial. Segundo o BCE a taxa de variação dos salários nominais terá atingido o pico em 2024 onde o crescimento médio ficou ligeiramente por baixo dos 5%. Para 2025 espera-se uma maior moderação na variação dos salários nominais que deverão cair para a casa dos 3%.
É fácil perceber como a moderação salarial é fundamental para o controlo da inflação.
Como é óbvio o aumento dos salários implica aumento de custos para qualquer setor de atividade. Há, contudo, um setor onde o tema é especificamente mais complicado – o setor dos serviços.
Naturalmente que o setor de serviços é muito diversificado e abarca desde subsetores de alta tecnologia, alto valor acrescentado e salários elevados até atividades de baixa qualificação e salários deprimidos.
Seja como for, em geral, no setor de serviços os salários são a maior componente dos custos empresariais e, por isso, quando os salários nominais sobem os preços nos serviços tendem a subir mais ou menos na mesma proporção.
É o que está a acontecer atualmente na zona euro. A inflação nos serviços é de 3,7% e, como o peso dos serviços no índice geral dos preços é apenas ligeiramente inferior a 50%, verifica-se que a contribuição dos serviços para o índice geral é pouco menos de 2%.
Fica claro que enquanto os serviços tiverem aumentos de preços próximos de 4%, para que o índice geral ficasse nos mágicos 2% seria necessário que os restantes contribuintes do IPC, a saber, comida, energia e bens industriais não energéticos, tivessem um contributo nulo, isto é, que os respetivos preços ficassem constantes. Não é provável e daí a afirmação de que ainda vai levar algum tempo e alguma moderação na variação de salários nominais para chegar ao objetivo do BCE.
O curioso é que vamos ter um período de inflação em excesso a conviver com uma economia europeia a passar por uma fase de baixo crescimento. Em 2024 a área euro terá crescido 0,7% e para 2025 prevê-se algo próximo de 1,1% .
Os atuais indicadores avançados são tudo menos exuberantes. O PMI compósito para fevereiro de 2025 é de 50,2 (abaixo de 50 significa retração), com o setor industrial a marcar 46,6, ou seja em zona de contração e com os serviços a registar 50,7, portanto, em zona de expansão muito moderada.
Por outro lado, os fatores geopolíticos estão claramente inclinados para o lado negativo, nomeadamente a ameaça por parte de Donald Trump da aplicação de tarifas sobre as importações americanas de mercadorias europeias, eventualmente na casa dos 25%.
Neste contexto será que existe o risco de a zona euro entrar em estagflação?
A estagflação é o pior de dois mundos, é uma situação em que convivem taxas de inflação elevadas com níveis de atividade económica e emprego relativamente baixos.
A estagflação é uma aberração para os economistas, ou seja, algo que, em teoria, nunca deveria acontecer. Os economistas gostam de acreditar que existe um trade-off entre emprego e inflação. Se queremos um pouco mais de emprego temos de tolerar um pouco mais de inflação, se queremos inflação mais baixa temos de conviver com um pouco mais de desemprego.
Não obstante o estatuto de aberração teórica da estagflação, a verdade é que já aconteceu no passado.
Em Portugal, no final dos anos setenta e no início dos anos oitenta do século XX, as taxas de desemprego chegaram a andar perto dos 10% com taxas de inflação que, em algum momento, rondaram os 30%.
Será que corremos o risco de, na Europa, voltar a registos como os que se viram há cerca de cinquenta anos? Podemos estar à beira de um novo ciclo de estagflação?
É evidente que, caso o tresloucado que atualmente desgoverna os Estados Unidos nos arraste a todos para uma guerra comercial planetária, as consequências económicas podem ser desastrosas para a Europa, para os Estados Unidos e para a economia global.
É também certo que essas consequências nos vão encontrar numa situação em que a inflação ainda não está totalmente controlada.
Seja como for não creio que uma guerra comercial tout court, caso se chegue a esse ponto, implique necessariamente uma situação de estagflação.
Lembrar que a estagflação de há meio século foi o resultado de uma crise energética a que se juntou uma dinâmica autoalimentada de preços – salários – preços.
Não se vislumbram sinais de uma qualquer crise energética que empurre os preços da energia para níveis sustentadamente elevados nem tampouco as condições sócio económicas atuais parecem compatíveis com uma dinâmica de salários e preços em autoalimentação.
Com as tresloucadas políticas económicas que se anunciam do outro lado do Atlântico existem uma série de riscos, alguns dos quais bem sérios, contudo, creio que a queda num regime de estagflação não é um desses riscos.
Um tema interessante é antecipar o caminho futuro das taxas de juro na situação absolutamente anómala que vamos vivendo. Curiosamente, começam a emergir divergências no seio do conselho de governadores do BCE sobre o tema.
Um assunto interessante a que voltaremos numa próxima crónica.
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