A Obra de Nossa Senhora das Candeias nasceu no Porto pela iniciativa de três beneméritas, que decidiram acolher, nas próprias casas, meninas que iam para a cidade Invicta estudar.
“O objetivo era apoiar meninas vulneráveis da aldeia que vinham para o Porto estudar, uma vez que entendiam que era necessário alguém que as ajudasse, educasse e protegesse”, conta Inês Santos, presidente da instituição, que acrescenta: “Entretanto, o mundo mudou e elas passaram a acolher não só quem vinha estudar ou trabalhar, mas também, as que hoje se diz serem, crianças e jovens em perigo. Tiveram a particularidade de fazer sempre um acolhimento misto em todos os espaços, porque não queriam separar irmãos”.
Ao longo dos anos, as três fundadoras congregaram outras senhoras que se dedicaram aos jovens e à Obra e, perante o desaparecimento das fundadoras, tomaram conta da casa. “Entretanto, deu-se uma cisão entre o grupo de senhora que mantinha a Obra em funcionamento. Umas continuaram a estar nas casas a cuidar dos jovens, outras consideravam-se leigas consagradas, o que tenho sérias dúvidas que sejam. Então, as que ficaram à frente da instituição foram pedir à Diocese que nomeasse alguém para gerir a casa, porque estavam a sentir-se um bocado incapazes de dirigir uma instituição desta dimensão”, conta a atual presidente, recordando que, após alteração dos estatutos, foi nomeado um Curador pela Diocese, cargo exercido, então, pelo padre José Baptista.
Isto aconteceu em 2014, tendo sido nomeada uma Comissão Administrativa, tendo, dois anos volvidos, Inês Santos assumido a presidência da Obra.
“Em 2016, o meu compromisso foi reestruturar todas as casas, remodelar e ampliar a casa de Pinhel e transformá-la em Lar Residencial e foi assim que aconteceu. Depois começámos por reestruturar as casas que estavam necessitadas. Havia problemas de acessibilidade, não havia licenças de utilização… Começámos pela casa de Belém, depois foi a do Sorriso, a seguir a da Apresentação e, agora, estamos na do Abrigo”, conta a presidente.
Atualmente, a instituição não está apenas no Porto e conta já com uma equipa de 172 funcionários. Tem equipamentos também em Olhão e em Pinhel. No Algarve, tem uma Casa de Acolhimento, com 25 utentes, e um infantário, com 56 petizes em creche e 80 em Pré-escolar. Em Pinhel, nasceu, em 2018, um Lar Residencial, para 17 utentes, com o propósito de dar resposta a um problema real entre os utentes da Obra. Em resumo, a instituição ainda tem 28 utentes com deficiência.
No Porto, a instituição tem um infantário (Luzinha), com 42 bebés em creche e 60 crianças em Pré-escolar, e ainda uma creche (Luzinha do Abrigo), com 30 petizes, e ainda quatro núcleos espalhados pela cidade, perfeitamente enquadrados na vivência da mesma: Núcleo de Nª Sª do Sorriso, com 15 utentes; Núcleo de Nª Sª de Belém, com 26; Núcleo de Nª Sª da Apresentação, com 25; e o Núcleo de Nª Sª do Abrigo, com 12, quando já teve capacidade para 50.
“No Abrigo temos apenas 12 utentes porque está a ser esvaziado lentamente, porque vamos denunciar o acordo de cooperação da Casa de Acolhimento para afetar a verba ao Lar Residencial que vamos criar, para 22 utentes, e que, pensamos, inaugurar em meados do ano”, explica Inês Santos, justificando: “Isto porque precisamos de dar resposta a estas pessoas que já estão connosco. Atualmente, temos 28 pessoas a precisar desta resposta entre os nossos utentes. Pessoas com deficiência intelectual e que não conseguimos colocar em lado nenhum. São pessoas que estão na instituição desde que as fundadoras criaram a Obra e que não têm qualquer retaguarda familiar e que não podem ser postas na rua”.
Sem nada receber por acolher e cuidar destas pessoas, a instituição, desde os tempos da Comissão Administrativa, em 2014, assumiu o compromisso de que, mesmo que nada recebesse do Estado, ia acolhendo e tratando destas pessoas.
“Não temos acordo nenhum com a Segurança Social. Esta era também a situação dos utentes de Pinhel até 2019. Decidimos criar um Lar Residencial para dar resposta a esta população que tínhamos dentro de portas, que abriu em 2018, mas só um ano depois houve acordo de cooperação com a Segurança Social”, recorda.
“Na altura em que tomámos conta da Obra havia um problema, pelo que o nosso primeiro compromisso foi o de reestruturar as casas e colocar as coisas no sítio. Ou seja, os jovens com deficiência estavam espalhados pelas casas todas, nos mesmos espaços que as crianças e jovens em perigo”, refere, avançando com a solução encontrada: “De 2014 a 2016, o trabalho foi arrumar as casas, ou seja, jovens em perigo em espaços próprios e jovens, que muitos já não o são, com deficiência em espaços próprios igualmente. E, então, tirámos de Lumbrales, onde funciona o infantário, os jovens em perigo, que foram essencialmente para a Apresentação e vamos concentrar os utentes com deficiência no Lar Residencial que estamos a fazer no Abrigo”.
Com a atribuição, pela Câmara do Porto, do direito de superfície sobre o edifício do Abrigo, tal como o de Lumbrales, abriu-se a possibilidade de uma candidatura ao PRR.
“A nossa candidatura é para a criação de um CACI para 60 utentes, no edifício central da estrutura, um antigo palacete do séc. XIX; aumentar a creche de 30 para 42 vagas, que funciona num segundo corpo do edifício; e no terceiro corpo será o Lar Residencial. Estes dois corpos são construções dos anos 1950”, revela Inês Santos, ao que Jaime Queirós, vice-presidente da Obra, acrescenta: “Isto sem construir nada de novo, apenas remodelando o edificado existente. Não houve qualquer ampliação, apenas requalificação do que já existia”.
A autarquia também atribuiu o direito de superfície sobre um terreno contíguo ao edifício, sem outra entrada que não a instituição, onde a instituição construiu um parque infantil para a creche.
A intervenção no Abrigo implica um investimento de 2.116.994 euros, valor pelo qual a obra foi adjudicada, tendo a instituição recorrido a um empréstimo bancário, o que veio estremecer as contas da instituição.
“Até agora a Obra tinha uma situação financeira, mais ou menos, confortável, mas agora com este investimento nas obras, tivemos de nos endividar. Tivemos que pedir dinheiro, porque o PRR demora a pagar e não nos podíamos dar ao luxo de não cumprir as nossas obrigações com o empreiteiro e, menos ainda, deixar de pagar aos nossos funcionários. Até concluirmos esta obra, vamos ficar ali na corda a balançar, mas vamos conseguir”, garante Inês Santos.
A presidente da instituição, à semelhança dos congéneres que lideram IPSS com a Acolhimento Residencial, está preocupada com a Portaria nº 450/2023, de 22 de dezembro.
“Quem está à frente de instituições com acolhimento residencial de crianças e jovens em perigo anda em alvoroço com a Portaria nº 450 e tem de andar! Vejo esta situação toda com muita preocupação. As nossas casas, na realidade, estão todas adaptadas e pudemos fazer uma unidade em cada casa, mais do que isso não. Nenhuma das nossas casas pode ter mais do que 15 utentes, porque os espaços comuns têm de ser espaços separados. As nossas casas têm espaço, mas não chega para fazer duas unidades. A minha preocupação é o onde a Segurança Social vai colocar os utentes quando tiver que os retirar das nossas casas”, questiona, prosseguindo: “Depois, relativamente ao pessoal, ou o Estado paga muito melhor ou não há nenhuma instituição que aguente. Em terceiro lugar, não cuidaram de saber que são precisas uma ajudante de cozinha e uma cozinheira, porque acham que os jovens com uma ajudante de ação educativa podem cozinhar as próprias refeições. Não podem, a lei do trabalho não permite. Não podemos colocar os meninos a trabalhar”.
Mas, para Inês Santos, a Portaria não é o único problema, “é também o Compromisso de Cooperação deste ano”.
“Ninguém consegue sobreviver com o valor de 970 euros/mês que o Estado paga. Estes jovens são muito mais difíceis do que as pessoas pensam. Muitos destes jovens, quando chegam à Obra, já consomem ou têm problemas do foro mental. Aceito que é preciso mais pessoal, mas a Segurança Social não pode colocar nestas casas tudo aquilo que não cabe em outros sítios, ainda para mais impondo. Ao que sei, aqui no Porto fecharam duas no ano passado e, se isto continuar assim, também teremos de pensar seriamente nisso. Aliás, uma já está a fechar, que é a do Abrigo”, sustenta, sublinhando: “Já temos todas as casas remodeladas para 15 utentes e prontas a cumprir as exigências da Portaria nº 450, exceto a de Águeda. Com esta grande obra no Porto, para já não vai ser intervencionada, para além da manutenção permanente. Agora, não temos dinheiro, tenho esperança que venha um PARES para a podermos requalificar”.
Nestes últimos anos, a Obra de Nossa Senhora das Candeias tem-se reestruturado, requalificando o edificado e promovendo a qualidade do serviço prestado.
“Foi um caminho muito duro para chegarmos onde estamos, mas estamos no bom caminho, depois de todo o investimento que fizemos na qualidade do serviço aos nossos utentes e nos nossos trabalhadores”, afirma Inês Santos, acrescentando: “Depois de definidas as melhorias no edificado da Obra, a Direção quis atuar na qualidade dos serviços. O quadro de pessoal cresceu bastante, com quadros mais qualificados, estamos a informatizar a instituição e concentrámos e estamos a informatizar a faturação, entre muitas outras melhorias no serviço prestado”.
No arranque da instituição, em 1958, a Obra viveu muito de donativos e da boa vontade da comunidade, hoje as coisas são um pouco diferentes, mas ainda assim…
“A questão dos donativos é uma realidade muito difícil, porque as pessoas não acreditam. Não me pergunte porquê, mas o Sector Social Solidário está muito descredibilizado. Todavia, temos donativos, em dinheiro alguns, e concorremos a tudo e mais alguma coisa. Nunca peço dinheiro a ninguém, peço é produtos de higiene e outras coisas que são necessárias numa casa. E assim as pessoas confiam, porque não pedimos dinheiro”, conta Inês Santos, recordando o último Natal como exemplo: “No Natal, através de amigos e amigos de amigos, os nossos jovens receberam, em muitos casos, mais e melhor do que muitos jovens de famílias da classe média. Sapatilhas de marca, roupa de marca… Bem, temos tido sorte e feito, também, um bom trabalho”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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