ASSOCIAÇÃO INTEGRAR, COIMBRA

Há exigências para as respostas atípicas “perfeitamente disparatadas e sem lógica”

Criada em 1994 por um grupo de profissionais da área da reinserção social preocupado com a (falta de) intervenção junto das populações desfavorecidas identificadas e desprovidas de apoio e respostas sociais à época, a Associação Integrar é, há mais de três décadas, a única rede que muitas pessoas em Coimbra têm para conseguirem… sobreviver.
“O balanço é positivo”, começa por dizer Jorge Alves, presidente e um dos fundadores da Associação Integrar, que recorda o contexto que levou à criação da instituição: “Em 2025 fazemos 31 anos, mas, na altura em que os sócios fundadores decidiram avançar com a Integrar, fizeram-no porque entendiam que em Coimbra havia uma série de problemas sociais que não estava a ter resposta”.
Jorge Alves aponta, nomeadamente, “as situações de pobreza que não eram abrangidas por nenhuma instituição”.
Nesse sentido, os fundadores “definiram dois ou três princípios básicos para a fundação da associação: um era o voluntariado, ter o voluntariado como uma matriz bem presente na instituição; o segundo era o respeitar sempre o espaço das outras instituições, ou seja, não entrar em projetos que outros já tivessem; e um terceiro que passa por tentar que todas as pessoas que nos procurassem tivessem resposta”.
Ora, ao fim destes 31 anos, “estes três princípios básicos mantêm-se iguais, continuamos a dar resposta a toda a gente que nos procura, mesmo que não tenhamos apoio da Segurança Social ou de outros organismos do Estado, continuamos a ter muito voluntariado e continuamos a respeitar o espaço das outras instituições”, argumenta, sublinhando: “As respostas que temos os outros não têm ou são poucos os que têm”.
E uma característica (quase) transversal às respostas que a instituição dá é serem atípicas.
Para Jorge Alves, serem respostas atípicas “tem vantagens e tem desvantagens”: “A vantagem é que vamos atrás daqueles que estão mesmo nas franjas da pobreza extrema, as desvantagens é que, quando se trata de negociar com a Segurança Social, os acordos atípicos parece que não existem. É preciso serem tratados da mesma maneira, ao nível das atualizações anuais, como são os acordos típicos”.
E a justificação, segundo o líder da Integrar, é simples: “Estas pessoas que têm risco de pobreza extrema também precisam de apoio! Continuamos a ter muita dificuldade em perceber as atualizações que são acordadas, porque as respostas atípicas vêm ali diluídas no meio de uma série de outras questões. Se são atípicas não podemos definir criteriosamente as coisas”.
Exemplificando, Jorge Alves prossegue: “Por exemplo, a nossa equipa de rua tem de fazer giros noturnos, porque é quando as pessoas estão nos locais identificados, tem de fazer trabalho de rua para dialogar e motivar as pessoas a sair da rua. Por vezes, vão busca-los debaixo da ponte para irem a uma consulta ou a tratar do RSI. Ora, isto, por muito que a Segurança Social queira, não é um trabalho típico! Como não é, tem de ter um tratamento diferenciado. Porque nós temos o mesmo problema que qualquer outra instituição com os encargos fixos e não temos verbas para colmatar as situações com que nos deparamos”.
Depois, a instituição ainda enfrenta as exigências da Segurança Social, que Jorge Alves apelida de “perfeitamente disparatadas e sem lógica”.
“Como é que podemos dar resposta àquelas franjas da população que não têm mesmo nada? Pessoas que não têm onde dormir e que vão buscar a comida à nossa Cozinha Solidária. Dizerem-nos que a equipa de rua tem de ter um espaço físico para fazer os atendimentos, quando 80% dos nossos atendimentos são na rua, não tem lógica. Por isso é que se chama Equipa de Rua. Agora querem-lhe chamar Equipa de Intervenção Direta, mas esta também é uma equipa que tem de ir onde estão os problemas. Quando se consegue que um utente vá ao gabinete, já há semanas e meses de trabalho na rua”, sustenta, concluindo: “Se continuarmos a ignorar este tipo de respostas, não é de estranhar que os indicadores de pobreza estejam a disparar. As instituições continuam a dar respostas complementares ao que o Estado faz, mas não são acompanhadas no financiamento. As exigências, essas só aumentam. As IPSS são parceiras da Administração Central, não são departamentos do Estado”.
E para que as coisas possam mudar e as respostas atípicas serem uma espécie de parente pobre das negociações com o Estado, Jorge Alves reconhece que é preciso fazer mais.
“Também faço aqui um mea culpa, porque os dirigentes das instituições com respostas atípicas não têm muito o hábito de filiar as suas associações na CNIS e de irem às Assembleias Gerais. É um erro profundo, porque a CNIS deve representar-nos a todos, tem um peso importante e tem o peso que cada uma das IPSS lhe queira dar. Se não formos lá e não falarmos das matérias que nos preocupam, estas ficam esquecidas, indo lá podemos colocar as questões. Agora, é também nossa responsabilidade estar presente nos fóruns promovidos pela CNIS”, defende.
Nos dias que correm, são muitas as respostas que a Integrar presta à população de Coimbra, fruto de acordos com o Estado, parcerias com outras entidades ou por iniciativa e expensas próprias.
No âmbito das respostas financiadas pela Segurança Social (acordos atípicos e protocolos de cooperação), a Integrar promove: Equipa de Rua; Centro de Acolhimento e Reinserção Social (Comunidade de Inserção), com capacidade para 12 pessoas e mais 25 em ambulatório; Apartamentos Partilhados para população sem-abrigo, conjunto de três apartamentos com capacidade total para 13 pessoas; CAFAP, que trabalha com crianças, jovens e respetivas famílias multiproblemáticas; e Cantina Social, com protocolo para 35 refeições em regime take-away. Por outro lado, a Integrar tem também um protocolo com o Ministério da Educação para Atividades Extra Curriculares (AEC) no Agrupamento de Escolas Coimbra Centro, um outro com a Câmara Municipal de Coimbra para promoção do Projeto Principezinho, na prevenção dos maus-tratos e da negligência infantil, que abrange todas as crianças dos cinco agrupamentos de escolas da cidade, e ainda, com financiamento do Programa Centro 2030, o (Re)criar Novos Caminhos de Vida, que é um Programa Ocupacional e de Desenvolvimento de Competências.
Depois há toda uma série de respostas que a Integrar desenvolve a expensas próprias: Serviço de Alimentação Solidária, através do qual a instituição distribui refeições e bens alimentares, em regime de take-away, o único local a funcionar, em Coimbra, 365 dias por ano e que em 2024 serviu cerca de 12 mil refeições; Centro de Atividades Ocupacionais, que funciona na Quinta dos Olivais; o projeto Mais Cuidados Mais Integrados, que pretende produzir melhorias efetivas na aparência dos utentes e que é feito por um jovem barbeiro, no passado apoiado pela instituição e agora retribui com os seu voluntariado; e Loja Social, onde há todo o tipo de vestuário e calçado.
Para último, e também a expensas da instituição, fica o serviço de Atendimento Social Integrado, a resposta que permite à Integrar tentar dar resposta a todos que a procuram.
“Nos últimos três anos a procura tem aumentado, porque há mais cidadãos a precisar e, em Coimbra, somos a única cozinha que abre todos os dias do ano. As pessoas precisam de comer todos os dias. Da Cantina Social, a Segurança Social paga-nos cerca de 35%, o resto iria para lista de espera! Nas respostas típicas, a instituição dá resposta a 30 e o resto vai para uma lista de espera, mas uma lista de espera para uma equipa de rua não existe. Não se diz à pessoa, espere aí, que agora não tenho vaga para falar consigo! Com as refeições passa-se o mesmo, não podemos mandar as pessoas para lista de espera. Por isso é que as respostas são atípicas. Ao fim de semana servimos uma média de 75 refeições, a Segurança Social paga 30, significa que os outros 45 não comiam. Não pode ser e aí avança a instituição”, lamenta Jorge Alves.
Para conseguir levar o barco a bom porto, a instituição tem dois modos de atuação, segundo o seu presidente: “Uma gestão rigorosa e um controlo muito apertado no que são as aquisições; com muito voluntariado, quer universitário, quer voluntariado mais velho, e com diversas campanhas de angariação de bens alimentares. Cada campanha permite-nos encher a despensa para dar resposta a essas situações não cobertas pelo financiamento público”.
Jorge Alves defende que as contas da Integrar estão “equilibradas”, pela “gestão muito apertada”.
“Não é fácil… O que recebemos do Estado é mesmo à justa. Se não fossem os donativos e uma gestão rigorosa, facilmente a instituição entraria em rutura. E há hoje um contrassenso, que é, se as coisas correrem mal, pedimos um apoio extraordinário à Segurança Social, mas, se a IPSS tem uma gestão cuidada e com rigor e até criou alguma mais-valia, que será para reinvestir, e até precisarmos de comprar uma carrinha, como foi o nosso caso, e formos pedir apoio, não temos direito, porque não tivemos prejuízo! Este contrassenso nesta relação é complicado. Isto obriga a um esforço enorme, até mesmo com as despesas fixas. E não é fácil. Obriga os dirigentes a terem uma atenção enorme”, afirma, destacando: “E conseguimos colmatar muitas necessidades porque os voluntários complementam muito do trabalho. Temos 15 funcionários, mas contamos sempre com o apoio de muitos voluntários. Atualmente temos 56, o mais novo com 18 anos e a mais velha com cerca de 70 anos”.
“Temos uma voluntária que colabora connosco há 14 anos na equipa de rua e há pouco ligou-nos a dizer que a empresa onde trabalha ia desfazer-se de um mobiliário que queria doar. Cada técnico tem um computador da instituição, que foram oferta dessa mesma empresa”, revela Dora Rigueiro, diretora técnica da Equipa de Rua, ao que o presidente acrescenta: “São estas dinâmicas que gostamos de criar, a senhora que traz um saco com roupa e a empresa que doa computadores”.
Apesar das variadas respostas que já dá, a Integrar tem outros projetos já em fase de andamento no sentido de colmatar necessidades reais.
“Temos sempre avançado para áreas que mais ninguém quer. Por exemplo, avançámos com os Apartamentos Partilhados, numa altura em que ainda era desconhecida. E acabamos por entrar num túnel que nunca sabemos onde acaba. A Segurança Social dá as orientações, mas o pior são as orientações complementares à legislação”, começa por referir Jorge Alves, que revela duas novidades futuras: “Vamos assinar dois protocolos, um com a Psiquiatria do CHUC (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra) e outro com a Procuradoria Distrital do Ministério Público de Coimbra para começarmos a intervir na área do Maior Acompanhado. É um trabalho que tem meses, até porque já temos muitos utentes com problemas de decisões de tribunais. Estamos, se calhar, a entrar numa área onde mais ninguém está. E já temos apoio? Não, zero, mas já temos alguns problemas desses que queremos resolver. A nossa matriz é apoiar quem precisa, estes precisam e isto pode ser uma resposta de futuro”.
Para Jorge Alves, “a matriz já está mais do que cumprida ao longo destes 31 anos”, apesar de a instituição já ter perdido uma resposta em que apostava muito.
“Há uns anos avançámos com uma resposta de Housing First e até acabámos por propor um alargamento da capacidade. A instituição optou por um modelo adaptado, mas que dava resposta a 15 pessoas sem-abrigo e que até consumiam, porque a lógica é tirá-los da rua diretamente para um quarto. Entretanto, houve uma orientação da Segurança Social de que aquela resposta devia ser dada em T0 e T1. Isto é descabido em Coimbra, porque todos os T0 e T1 que existem são absorvidos pelos estudantes universitários e são caros. Nós tínhamos 15 alojados em quartos e propusemos um alargamento para mais 10. É que em Coimbra nem sequer a Câmara Municipal tem apartamentos para ceder ou alugar”, conta Jorge Alves, avançando o resultado: “Tivemos de desistir do protocolo para os 15 e desistir do alargamento para mais 10. E, assim, Coimbra deixou de ter Housing First. Os 15 foram encaminhados, alguns para as nossas estruturas e outros para outras instituições. Estes programas têm de ter horizontes e ser adaptados às diferentes realidades do país. E isto terminou em março de 2024, mas o dinheiro dos quatro meses de extensão a pedido da Segurança Social para reencaminhar os 15 utentes, ainda não o recebemos, apesar das insistências”.
E como seria Coimbra sem a Associação Integrar?
“Teria mais problemas sociais. Somos um parceiro que procura sempre estar do lado da solução e nunca do problema. Damos as respostas que temos de dar, às vezes, somos incómodos e desafiadores, porque publicamente damos conta do que fazemos e do que nos desagrada. E apresentamos propostas desafiadoras. Se fosse um ATL era só fazer contas, mas nós propomos uma resposta para dar apoio a maiores acompanhados, pessoas com doença mental que não se encaixam em lado nenhum… E isto é um desassossego! Mas vamos continuar a desassossegar”, garante Jorge Alves.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2025-04-10



















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