Sobre as mulheres - e outras exclusões

1 - Dizem os jornais que Zapatero vai promover uma alteração da Constituição espanhola - o que implicará dissolução das Cortes e da Câmara dos Deputados, bem como novas eleições-, com o fim de modificar as disposições constitucionais sobre a sucessão no trono de Espanha, assegurando a igualdade sucessória de homens e mulheres, de príncipes e princesas.
Tal iniciativa teve como motivo próximo o nascimento do primeiro filho do príncipe herdeiro, Filipe, primeiro filho esse que é uma rapariga.
Com efeito, a Constituição de Espanha consagra ainda a prioridade dos herdeiros varões na sucessão do trono, sendo essa prioridade contraditória com uma outra disposição constitucional que estabelece o princípio da não discriminação em função do sexo, princípio este aliás também constante da nossa própria Constituição.
Esta questão da discriminação - ou da proibição da discriminação - em função do sexo, e a chamada promoção da igualdade de género, está hoje presente no dia a dia de muitas instituições, já que se trata de um eixo que constitui factor de elegibilidade das candidaturas que apresentamos a programas de desenvolvimento social, de âmbito nacional ou comunitário, de par com outras exclusões.

As várias tribos das chamadas ciências sociais, nacionais e europeias, tribos herdeiras da vulgata revolucionária que lhes confere uma espécie de missão de transformar o mundo, e que são os donos dos Programas e seus respectivos fundos, querem por essa via globalizar-nos no politicamente correcto pensamento único europeu - e nós lá vamos.

2 - A discriminação das mulheres costuma vir acompanhada, nos formulários da praxe, de outras discriminações, também elas objecto de idêntica atenção por parte de tais tribos: dos emigrantes, das minorias étnicas, das minorias sexuais, dos reclusos e ex-reclusos.
É para mim evidente que as injustiças do mundo devem ser combatidas e que, quer nós, quer as nossas instituições, devemos ter o sentido do progresso da sociedade humana como a base e o timbre da nossa acção.
Só que, nisto de igualdades, como em tudo na vida, há que ter bom senso, e não perder o pé.
Ora, com perdão dos fundamentalistas, as demais discriminações distinguem-se da discriminação em função do género, e especificamente da praticada contra as mulheres, em quase tudo, mas também certamente nisto: trata-se de minorias, o que não sucede com as mulheres, que são mais de metade do género humano.
Tenho para mim que a eficácia da luta pela igualdade de direitos das mulheres perde muito com esta dissolução num caldo de tantos ingredientes, que às vezes apaga o que a igualdade de género tem de distinto.
Com todo o respeito pelas minorias, no nosso país vale o princípio democrático; devendo ser a maioria a definir a norma, o cânone, a que todos se devem acolher, mesmo as minorias, salvo no que constitui a sua diferença. Mas sendo também a maioria a definir os limites civis desta diferença.

3 - Vale isto por dizer, e voltando a Zapatero, que me parece conforme ao estado actual do pensamento e dos valores da sociedade ocidental a alteração que vai levar a cabo na Constituição para assegurar os direitos dinásticos da princesa recém-nascida.
Mas já não digo o mesmo da alteração legislativa que o Chefe do Governo espanhol levou recentemente a efeito no sentido de permitir a adopção de crianças por casais homossexuais.
Não se pode defender simultaneamente o direito à diferença e o direito à igualdade.
Há uma área da diferença que não cabe na esfera da igualdade.
O que fundamentalmente distingue as duas medidas é que a consagração da identidade da capacidade sucessória das mulheres se inscreve no estado actual da realidade social e com ela convive sem sobressaltos; enquanto as novas regras da adopção procuram forçar essa mesma realidade, deformando-a para se acomodar ao molde pseudo-moderno das regras morais que a União Europeia brevemente imporá aos países membros. É uma espécie de engenharia mecânica.

4 - Ainda como um exemplo, este caseiro, de como uma pequena alteração da lei, de acordo com o espírito do tempo, pode ter, nesta matéria, imensa repercussão é o do acesso às magistraturas.
Quando acabei o meu curso de Direito, em 1974, as mulheres não podiam ser juízes - nem oficiais de justiça.
A democracia mudou esse regime discriminatório, abrindo o acesso às mulheres. E, sabiamente, não estabeleceu quotas, ou percentagens, para homens e para mulheres.
O "Público" de domingo passado informa-nos de que no último concurso de ingresso no Centro de Estudos Judiciários - onde se formam os juízes-, dos 159 que foram aprovados, 127 são mulheres e 32 são homens.
Já vem sendo mais ou menos assim há alguns anos, sendo hoje mais as juízas do que os juízes, como sabemos só por ler os jornais e acompanhar os casos mais mediáticos: foi uma juíza que libertou a Dr.ª Fátima Felgueiras; é uma juíza a responsável pelo processo do Apito Dourado; é também uma juíza que preside ao processo Casa Pia.
Para este predomínio, não foi preciso forçar a realidade, mas apenas esperar que coincidissem vários factores: a universalização do ensino; a maior capacidade, ou determinação, ou pertinácia das mulheres no estudo, onde têm melhores classificações; e a lei ser neutra.
É por isso que, quando há quem defenda a introdução de um mecanismo de engenharia para forçar a realidade, como as quotas para as mulheres no acesso aos cargos políticos, tenho para mim que as melhores não estarão interessadas: elas encontram-se a crescer nas qualificações e nas competências; e o prestígio dos políticos desce continuadamente há vários anos.
Não há forma de a linha que sobe se cruzar com a linha que desce. 

* Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2005-12-14



















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