Um em cada dois mil portugueses sofre de autismo, uma alteração no desenvolvimento cerebral que não tem cura e afecta essencialmente a população masculina, afirma o psiquiatra Carlos Nunes Filipe. "Sendo o autismo uma perturbação do neurodesenvolvimento, pode afirmar-se que (quem sofre desta patologia) já nasce autista", salienta Carlos Nunes Filipe, que lança o livro "Por Dentro de Nós".
O trabalho pretende sensibilizar os leitores para o autismo, condição que impede os portadores de se relacionarem normalmente com o que os rodeia. Calcula-se que em Portugal, à semelhança do que acontece noutros países, existam cerca de 5 casos de autismo por cada 10.000 habitantes (1 em cada 2.000), com uma prevalência nos rapazes cerca de quatro vezes superior à das raparigas, adianta o autor do livro.
Apesar de o autismo ser "uma condição crónica e irreversível", cujas causas são ainda "mal conhecidas", é possível melhorar a vida das pessoas que sofrem desta patologia. "É necessário estudar as estratégias de intervenção quer ao nível da educação, quer ao nível do comportamento", defende o psiquiatra, que nos últimos anos se dedicou ao estudo das manifestações das perturbações do neurodesenvolvimento nos adultos.
O especialista observa ainda que não há medicação específica para modificar de forma consistente as perturbações básicas da comunicação ou da interacção social que caracterizam o autismo. "Não é mesmo de esperar que nos tempos mais próximos seja possível encontrar terapêutica específica ou prevenir o autismo de forma eficaz", sustenta.
Isto deve-se ao facto de o autismo ser uma perturbação global do funcionamento cerebral, que afecta numerosos sistemas e funções, eventualmente com múltiplas causas e que se expressa de formas bastante diversas. Ou seja, alguns autistas são capazes de realizar operações matemáticas complexas mas podem não saber vestir-se sem ajuda ou contar dinheiro.
Segundo a fundação norte-americana Instituto Nacional da Surdez e de Outras Doenças de Comunicação (que estuda o autismo), as pessoas afectadas adoptam comportamentos repetitivos e ritualizados, têm epilepsia, bem como problemas para comer e dormir. "A descoberta de um denominador comum, se é que ele existe, que se pudesse tratar ou prevenir é, por isso mesmo, muito difícil", explica o psiquiatra, acrescentando que as terapias existentes apenas aliviam os sintomas e controlam as alterações comportamentais associadas.
Para o psiquiatra, a melhoria da expressão comportamental só se consegue intervindo no meio envolvente e utilizando estratégias específicas de reabilitação. Contudo, acrescenta, a "quase totalidade dos autistas será sempre incapaz de gerir de forma autónoma a sua pessoa e bens, pelo que carecem, por toda a vida, de estruturas sociais cuidadoras".
Para Carlos Nunes Filipe, é fundamental equacionar-se medidas de inclusão adequadas às pessoas com autismo para que não sejam privadas dos seus direitos fundamentais e de viver plenamente as suas vidas, tendo em consideração as suas possibilidades excepcionais.
O livro "Por Dentro de Nós" publica, ao longo de 91 páginas, várias fotografias de jovens autistas na Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA).
"Estas imagens reflectem uma forma de olhar resultante da minha vivência na Associação", salienta o autor, para quem cada imagem presente no livro corresponde a uma leitura da realidade em determinado momento.
Os direitos do autor revertem a favor da APPDA, que dá apoio directo a 60 adolescentes e jovens e apoio indirecto a cerca de 200 casos.
16.11.2005
Data de introdução: 2005-11-20