1 – Como tem sucedido nos últimos anos, envio esta crónica para o Solidariedade da Galiza, onde costumo passar as férias de Verão.
Quase não se dá pela passagem da fronteira, quando saio de Portugal e entro em Espanha pelo Norte.
Não sucede o mesmo, por exemplo, na passagem do Alentejo e do Algarve para a Andaluzia, em que, saindo de Portugal, sentimos bem que entramos num outro país – num lado, o nosso, campos e montes desertos, abandonados, fruto de décadas de políticas agrícolas que estimulam o absentismo e promovem o despovoamento do mundo rural; no outro, em Espanha, o olhar perdido em quilómetros e quilómetros de explorações agrícolas de ponta, em terrenos e condições climáticas iguais às nossas.
Não sucede assim na passagem do Norte de Portugal para a Galiza, onde, este ano, a
identidade saiu ainda reforçada pelos incêndios, que tiveram, deste lado da fronteira, a dimensão de catástrofe, com vítimas mortais – como em Portugal.
As causas são as mesmas: plantação intensiva de resinosas e eucaliptos, em detrimento das espécies folhosas tradicionais; abandono do meio rural e falta de limpeza das matas; desordem urbanística, com autorização de construções junto de explorações florestais; mau exemplo do sector público – Estado, Xunta, autarquias – que, tão-pouco tratam da limpeza das suas próprias matas; e incendiários maníacos, com perfil e características iguais aos nossos próprios incendiários.
2 – Há uma outra razão fortíssima para não dar pela passagem da fronteira – saio de Portugal a falar português, e regresso ao meu País sem nunca mudar de língua.
Não faço qualquer esforço sequer para adaptar as tónicas, ou as formas verbais, ou a entoação aos meus ouvintes galegos. E não tenho qualquer dificuldade em decifrar a fala galega que se me dirige.
É aliás, ano após ano, maior a aproximação entre a língua galega – ou deverei dizer galaico-portuguesa? – e a nossa própria língua. O que se deve ao empenho político da Xunta da Galícia – quer nos mandatos de Fraga Iribarne, quer no actual, de Pérez Tourino – na recuperação do galaico português como a língua oficial do país galego.
Está, nesse sentido, em discussão nas instâncias políticas a eventual consagração do galego como única língua a utilizar no ensino nas escolas da Galiza, com postergação do castelhano.
Esta quase que absoluta absorção das várias formas de comunicação entre as pessoas – escrita, oral, formal ou informal – pela língua galega tem aliás com ela, e como fermento, um claro cheiro de liberdade.
Representa igualmente o corte com o franquismo, ditadura que se traduziu também na uniformização linguística “ manu militari “ assente no predomínio do castelhano; e com o centralismo em geral.
Confesso que tem algum encanto ouvir, nesta restauração linguística, e na linguagem comum, formas e vocábulos do português arcaico, que já apenas conhecemos dos textos literários dos séculos XIV e XV.
3 – Há, todavia, algumas diferenças.
Passo as férias nas Rias Baixas, junto ao mar.
(Dizem por cá que as Rias Baixas são os lugares onde pousaram os dedos de Deus, quando descansou a mão na Terra, após a Criação).
Não tenho ideia de nenhuma povoação – da maior cidade à mais humilde aldeia – que não tenha no seu ponto mais central um lar, ou um centro de dia, ou ambas as coisas, para os “maiores” que é o nome galego dos velhos.
Ou junto ao porto nas comunidades piscatórias; ou na praça central, nas aldeias do interior; ou junto da praça maior, nas localidades mais importantes; percebe-se uma intenção de instalar os equipamentos para os idosos lá onde há movimento, vida, relações, gente.
Essa é infelizmente uma marca de diferença com o que se passa entre nós – em que os terrenos que as autarquias disponibilizam, quando o fazem, para a construção de equipamentos sociais são tantas vezes terrenos de refugo, em novas urbanizações ou bairros periféricos, longe dos lugares onde os utentes deixaram parte da alma.
Ainda neste domínio, os jornais de cá dão conta de um programa que a Xunta de Galícia vai executar para construção de residências para 8 mil idosos, que aguardam em lista de espera acolhimento num lar - um pouco como o PARES.
A diferença é que a Xunta paga integralmente a construção.
P.S. – O JN de ontem trouxe-me a notícia da morte do Director Executivo das Oficinas de S. José.
Não o conhecia até o ouvir, numa reunião na UDIPSS – Porto, falar sobre a sua instituição, por ocasião do vendaval que se abateu sobre ela.
Guardo a recordação de um dirigente sensível capaz de conciliar a inovação que é necessária com a tradição das raízes que é mister manter para não perder a alma. E que vai fazer-nos falta.
(Quanto aos “ contributos da ciência “, que a Direcção da instituição não teria acolhido, como leio também no jornal, e à natureza dessa ciência, é assunto a que voltarei noutra crónica.)
Data de introdução: 2006-09-03