Em jeito e à guisa de nota introdutória e parafraseando Hannah Arendt “se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreenderem-se entre si; se não fossem diferentes não precisariam do discurso e da acção para se fazerem entender”.
A Declaração Universal dos “Direitos do Homem” consagra no seu artigo primeiro e em jeito de mote para todos os demais que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Outrossim dá sustentabilidade a todas as demais Declarações que, em sede da Organização Mundial das Nações Unidas, vieram a ser mais tarde consagradas. Por todas perpassa a afirmação clara e inequívoca da consagração das capacidades de todos e cada um enquanto PESSOA, em si mesma, em desenvolvimento, potenciadora de crescimento e também desenvolvimento comunitário.
O principio da “educação inclusiva” e consequentemente a consagração da “escola inclusiva” adoptados na Conferência Mundial de Salamanca em 1994, posteriormente reafirmados no Fórum Mundial sobre Educação, em Dakar, Senegal em 2000 vieram a ser subscritos pelas “Normas das Nações Unidas para a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência.”
Duma leitura atenta dos princípios consagrados nos citados areópagos fica também, entretanto, clara a afirmação de que “A ESCOLA É PARA TODOS; NEM TODOS, PORÉM, PODEM DE FACTO ESTAR NA ESCOLA”.
Não se infira daqui qualquer contradição ou malabarismo de circunstância, tão pouco de defesa de quaisquer interesses instalados. Apenas e tão só a consagração do direito inalienável das pessoas com deficiência a um projecto educativo de qualidade e garante do respeito pelas suas capacidades, quaisquer que elas sejam. Esse é também o pressuposto em que assenta a Declaração Universal dos Direitos da Criança: um hino à luta contra a violência e a descriminação, quaisquer que sejam as suas formas e manifestações.
É também a afirmação e consagração da verdadeira “cidadania”, conceito e prática tantas vezes arredia do nosso viver comum e quotidiano.
Esta impõe:
- a dimensão social da afirmação do ser humano, que dá o verdadeiro sentido à sua
existência;
- a dimensão individual, que não individualista, que distingue o homem como agen-
te activo do seu próprio reconhecimento como sujeito de direitos e deveres e como
motor da criação de condições para a efectiva realização dos mesmos.
Vivemos um tempo, que é o nosso e não o dos outros, em que a desigualdade se afirma como regra social: a igualdade apenas se equaciona no plano da natureza humana e dos direitos. Tudo o resto, incluindo as relações sociais, è “desigualdade e diferença”.
A competição desenfreada com que nos confrontamos no dia a dia das nossas preocupações deixa pouco tempo para a Solidariedade. Os “outros” ficam sempre para depois
Por outro lado a tradição assistencialista, por alguns teimosamente defendida como paradigma da nossa intervenção solidária, foi deixando marcas ao longo dos tempos. O défice de participação das pessoas em desvantagem promove a desigualdade.
Não podemos pensar em “igualdade de oportunidades” quando escasseiam oportunidades de igualdade.
Temos como princípio basilar de que a Educação ou é Inclusiva ou não é Educação. Também que esta somente se afirma e desenvolve num quadro de desenvolvimento harmonioso e global da Escola enquanto tal. Não pode ser entendida como “corpo estranho” no sistema educativo, mas como abordagem sistémica do desenvolvimento integral do próprio sistema educativo.
As organizações não governamentais e as Instituições Particulares de Solidariedade Social, em particular, foram-se dimensionando, ao longo dos tempos, no sentido dum correcto e eficaz enquadramento das pessoas com deficiência, criando respostas interactivas revestindo várias dimensões:
* Resposta supletiva das competências individuais: perspectiva subsidiária;
* Resposta colectiva a necessidades individuais: intervenção solidária
* Resposta alternativa às competências do Estado: perspectiva social
* Resposta integrada num contexto cultural, social e de cidadania: resposta ecológica
As novas abordagens e tendências, a nível internacional, mormente após a Declaração de Salamanca e os Fóruns Internacionais que se lhe seguiram bem como a reflexão sobre as práticas nacionais ao longo das últimas quatro décadas culminaram, no nosso país, com a publicação do Dec-Lei 3/2008 que define e enquadra o novo figurino de intervenção ao nível das respostas para os “alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente”.
Um desafio particularmente envolvente para todos, pais, escolas, as Organizações da sociedade civil e as próprias pessoas com deficiência, tendo por base o princípio de que se deve “tratar de maneira diferente o que é diferente” e de que as diferenças entre os homens/mulheres, além de normais, são uma riqueza importante e se consubstanciam como pressuposto fundamental para o desenvolvimento da sociedade e como tal reflectidas na prática diária da Escola.
O Decreto em apreço consagra igualmente a transformação das actuais “Escolas de Educação Especial” em CENTROS DE RECURSOS PARA A INCLUSÃO. Com ele são igualmente consagrados três princípios:
• PARTICIPAÇÂO
• VIVÊNCIA EM COMUNIDADE
• IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
Tais princípios, refira-se, em abono da verdade, eram já o fundamento da intervenção das Instituições/Organizações. Com ele se consagra igualmente o papel determinante das Instituições ao longo dos tempos enquanto potenciadoras de respostas adequadas e interactivas face às reais necessidades e capacidades das pessoas que enquadram ao nível das respostas que, em igualdade de oportunidades, para todos disponibilizam. Por isso mesmo um excelente desafio. Não enjeitaremos mais esta oportunidade.
Em jeito de conclusão e parafraseando B. Lindqvist, relator das Nações Unidas, “ce sont tous les enfants et adolescents du monde qui ont droit à l’éducation et non nos systèmes éducatifs qui ont droit à un certain type d’enfants. C’est le système scolaire d’un pays qu’il faut adapter pour répondre aux besoins de tous les enfants » (1994).
* Membro da Direcção da CNIS
Data de introdução: 2008-05-06