O Senado

Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta1 - A ter de haver Governo, prefiro os governos fracos: são mais atenciosos – e mais atentos -, batem à porta e pedem licença para entrar, em nossa casa ou nos nossos interesses.
Não gosto de maiorias absolutas, em que a desnecessidade de concertação com outras forças políticas e sociais por parte de quem governa sempre acaba por reforçar a natural pulsão autoritária que o exercício do poder normalmente comporta.

“Se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”.
A nossa, embora curta, tradição democrática creio que me dá razão.
Recordo ainda com nitidez o debate entre António Guterres e Fernando Nogueira nas eleições de 1995 e como o futuro Primeiro-Ministro fez reverter em seu beneficio a denúncia do clima de crispação que se encontrava instalado no país após oito anos de maiorias absolutas e a necessidade – lembro-me, era quase uma necessidade física – de haver uma descompressão do ambiente geral do País.
Aproximamo-nos de um contexto idêntico, embora desta vez tenha sido mais rápida a ameaça de tempestade, chegada ao fim de três anos, em vez dos oito anos do pretérito.
(É mais um provável efeito das mudanças climáticas …)

Aliás, a sensação de “claustrofobia democrática” já fora o tema, em 2007, da que foi, pela gente de fora dos partidos, considerada a intervenção mais certeira nas comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República, feita pelo deputado Paulo Rangel.
E vão-se igualmente multiplicando os sinais de incomodidade face ao estilo assertivo que o Governo quis definir para si próprio – de forma aparentemente contraditória, pois foi o estilo que agora parece ser rejeitado que mereceu até há pouco aplauso da opinião dominante e da intelligenza indígena.
É também certo que a crise faz o tempo andar mais depressa – e, ao natural cansaço que um modo autoritário de exercício do mando ao fim de algum tempo sempre traz consigo, vem agora juntar-se a crise dos combustíveis, a greve dos pescadores e dos armadores, os indicadores internacionais que denunciam o carácter intolerável das desigualdades sociais no nosso país, em suma, sinais de próximos e duradouros tempos de recessão e de pobreza.
O sinal mais revelador da existência dessa incomodidade difusa deu-o o próprio Dr. Mário Soares, ao vir dizer em público o que certamente já terá dito muitas vezes em privado – que a política deve ser para as pessoas, e que uma política de esquerda deve ser para os que precisam.

2 – As sondagens, de resto, já vão traduzindo essa espécie de desilusão à esquerda, com o reforço das intenções de voto no BE e no PCP e o risco de perda de maioria absoluta para o PS, assim ameaçado desse lado do espectro político.
A eleição da Drª Manuela Ferreira Leite para Presidente do PSD vem aumentar o cerco.
Foi evidente, de resto, o esforço por parte do partido do Governo, e da sua televisão, para evitar, na discreta medida do possível, a eleição da que era, para quem está de fora, a única solução credível para o Partido e eficaz para o exercício da oposição.

Basta lembrar a forma inqualificável como a RTP, na entrevista com Judite de Sousa, procurou mostrar as marcas da idade no rosto da Drª Manuela Ferreira Leite, fazendo coro com a campanha dos outros candidatos, como se, aos 67 anos, já não tivesse idade para poder governar, ou o Dr. António Vitorino, no seu programa de propaganda oficiosa das 2sª-feiras, a insistir nesse mesmo ponto, para perceber que essa era para o Governo a única candidatura que doía.

(É todavia interessante, e diz muito sobre a (im)parcialidade da análise, o Dr. António Vitorino sugerir que a Drª Manuela Ferreira Leite é velha para governar – ele mesmo que apoiou a candidatura do Dr. Mário Soares a Presidente da República aos 80 anos de idade.
E nenhum – sei do que falo - do milhão de eleitores de Manuel Alegre achou que ele era velho, aos 70 anos, para ser Presidente.)

De modo que, por mim, que estou de fora da luta partidária - mas nunca deixei nem deixarei de intervir e de dizer o que penso sobre ela -, confesso que torci pela vitória da Drª Manuela Ferreira Leite, única forma de haver reforço de oposição competente.
Pela razão de considerar que a qualidade da nossa democracia vai melhorar: por o Governo ficar mais fraco, por mais ameaçado - e a sociedade mais forte.
Como já bem sabemos por experiência própria, recente e passada, a força da sociedade e a precariedade e discrição dos Governos são a melhor garantia da autonomia e do respeito pelas instituições particulares de solidariedade social.
Basta revisitarmos os sucessivos governos, de 1979 para cá.

3 – Esta questão da idade, e da velhice, e da cultura de desconsideração por ela que os tempos modernos vão instituindo, merece aliás um outro apontamento, suscitado por causa recente.
A propósito do retorno da paranóia à volta da selecção de futebol, e do seu duvidoso treinador, tem aparecido na televisão, promovida pelo Modelo – Continente, a propósito creio que de cachecóis, a imagem de um cartaz, pretendendo representar o espírito da “selecção de todos nós”, com jogadores equipados e em três filas – a primeira, ou da frente; a do meio; e a de trás.

Na primeira, dominador, cheio de energia, o Cristiano Ronaldo, coqueluche dos tempos modernos, o novo herói da Pátria, cuja vida conhecemos ao milímetro pelas revistas ligeiras.
Na segunda, vestido também como se fosse jogar, mas com a idade de hoje, o Eusébio, um dos ídolos do meu tempo.
O Eusébio foi um dos jogadores que mais marcou o futebol em Portugal. E jogava que era um prazer para os olhos e para a alma…
Era dos poucos que nós, cá de cima do Porto, habituados a Calabotes e a vitórias morais, respeitávamos tanto quanto o Hernâni.
O regime de Salazar não permitiu que fosse jogar para o estrangeiro – já então o sonho para a fuga à miséria cá do burgo.

Confesso que não sei quem são os outros jogadores do cartaz do anúncio – não consigo passar o olhar para além da figura do Eusébio, fardado a preceito e com ar triste, que, com 66, já não tem lugar na primeira fila.
Foi dela destituído pelos senhores do momento.
Como se o momento fosse o tempo.
Como se o momento fosse a vida.

* Presidente da Associação "Ermesinde Cidade Aberta"

 

Data de introdução: 2008-06-04



















editorial

TRANSPORTE COLETIVO DE CRIANÇAS

Recentemente, o Governo aprovou e fez publicar o Decreto-Lei nº 57-B/2024, de 24 de Setembro, que prorrogou, até final do ano letivo de 2024-2025, a norma excecional constante do artº 5ºA, 1. da Lei nº 13/20006, de 17 de Abril, com a...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

A segurança nasce da confiança
A morte de um cidadão em consequência de tiros disparados pela polícia numa madrugada, num bairro da área metropolitana de Lisboa, convoca-nos para uma reflexão sobre...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

A propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza
No passado dia 17 de outubro assinalou-se, mais uma vez, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Teve início em 1987, quando 100 000 franceses se juntaram na...