“O Projecto Incluir veio-me trazer algumas vantagens, já que fiz várias formações, estou a acabar o nono ano, fiz grandes amizades, aprendi a fazer tapetes de Arraiolos e vicio-me neste trabalho. Faço-o com grande alegria e com satisfação, gosto do convívio. Nunca é tarde para aprender, ter alegria e ser feliz”.
Julieta Sousa.
“Ter entrado no Projecto fez-me sentir mais independente. A rotina do dia-a-dia acabou, fiz boas amizades, sinto-me mais confiante. Gosto muito de frequentar a Oficina de Bordados”. Rosa Nunes.
“Gosto muito da Oficina de Cerâmica. Iniciámos em Outubro de 2005 e já dura há três anos. Durante este tempo aprendi muitas coisas novas: a interagir com outras pessoas, a pintar em azulejos e peças em barro. Gosto muito de estar aqui”.
Fernando Pinto.
São três testemunhos de quem vive o dia-a-dia no Centro Social de Santa Maria de Sardoura, em Castelo de Paiva, uma instituição particular de solidariedade social criada em 2000, mas que iniciou a sua actividade em 2003, dois anos após a ponte Hintze Ribeiro ter caído ao Douro, arrastando para a morte 59 pessoas. Situado a cerca de 45 quilómetros da cidade do Porto, o concelho de Castelo de Paiva é o mais distante da sede do distrito a que pertence (Aveiro), estendendo-se desde os limites de Arouca até ao Rio Douro, entre os concelhos de Cinfães, Gondomar e Santa Maria da Feira. O município paivense é uma faixa de terra caprichosamente recortada entre as províncias da Beira e do Douro Litoral. Com uma superfície de 109 quilómetros quadrados, uma população que ronda os 17 mil habitantes, este é um concelho tradicionalmente rural. No passado foi marcado pela exploração carbonífera do Pejão e, mais recentemente, pelas indústrias nas áreas do calçado, têxtil, madeiras e mobiliário, metalomecânica e construção de roulotes e auto-caravanas, que trouxeram emprego para a região.
É inserida neste meio que encontramos a freguesia de Sardoura, a quatro quilómetros do centro da vila. Situa-se na margem esquerda do rio Douro, entre a localidade de Entre-os-Rios e as freguesias de S. Martinho e Sobrado, sendo a localidade mais populosa do concelho. Segundo reza a história, o topónimo Sardoura é de origem árabe e significa andar à roda, ideia tomada das inúmeras voltas que o ribeiro descreve nos vales e colinas desta freguesia. Como em todo o concelho, há uma data que marca tragicamente a memória de todos os paivenses: quatro de Março de 2001. A queda da ponte. A tragédia denuncia-se logo, por contraste, à chegada às margens do rio, quando se vislumbram, lado a lado, como se de irmãs gémeas se tratassem, as duas pontes que entretanto se ergueram no local onde caiu a anterior - a reconstruída Hintze Ribeiro e uma nova, separadas por uns 100 metros. Ao lado, um enorme anjo, escultura que serve de monumento às vítimas.
Foi esta tragédia que deu o impulso necessário para o Centro Social crescer e ser hoje a principal entidade empregadora da freguesia, e uma das principais do concelho, com 70 funcionários, incluindo uma equipa técnica composta por enfermeiros, psicólogos, advogados, economistas, professores, educadores e técnicos de acção social. “Com a queda da ponte começaram-se a despoletar novas realidades e quase se abriu um fosso em questões de inclusão e de pobreza. Na nossa freguesia não existia nenhuma instituição do género e foi neste contexto que surgiu o centro, cuja primeira actividade foi o prolongamento escolar”, relembra António Rocha, director-executivo.
A IPSS tem a sua sede numa bonita quinta rural, adquirida pela autarquia local a um particular e cedida por empréstimo à instituição. Na origem do centro esteve um grupo de 22 fundadores e a junta de freguesia de Sardoura que aproveitaram as novas linhas de financiamento surgidas após a tragédia da ponte para impulsionar e desenvolver a actividade da IPSS. “Nascemos em 2000, mas a nossa actividade tornou-se muito mais forte a partir da queda da ponte porque surgiram novas linhas de financiamento e houve muita atribuição de subsídios a Castelo de Paiva. Assim, tivemos a oportunidade de apresentar o nosso projecto e fomos crescendo”, explica o dirigente.
Depois do prolongamento escolar surgem as valências de ATL, centro de dia e serviço de apoio ao domicílio, estas últimas com lista de espera. Cristina Fernandes, vice-presidente da instituição, explica que no pós-queda da ponte o trabalho direccionou-se muito para a inclusão. “Os habitante sentiram a necessidade de ter uma instituição que os apoiasse, que se responsabilizasse pelos idosos, pelas crianças e aqui não existia nenhuma”. A professora explica que o encerramento de diversas unidades fabris na região também contribuiu muito para o aumento dos casos de pobreza e de exclusão social. “Com a queda da ponte, as pessoas ficaram muito deprimidas e em termos económicos também foi muito complicado, pois era um dos principais acessos aos grandes centros, Porto e Penafiel. Vimos efectivamente os nossos serviços a aumentar”, diz.
Para além das valências anteriores a instituição diversifica o seu trabalho nas áreas da formação profissional, sendo a única entidade formadora sem fins lucrativos em Castelo de Paiva. Aposta essencialmente em qualificar e ocupar a população desempregada e grupos desfavorecidos, para além de promover os recursos humanos internos. Actualmente conta com 140 utentes, mas pelo centro já passaram 650 formandos em áreas tão diversificadas como a acção social, o artesanato, a agricultura, a pecuária e a informática. Os cursos são preparados de acordo com o público-alvo, tendo em conta as características da região. Uma das grandes apostas passa pelos cursos de educação e formação de jovens, como medida para combater o abandono escolar, muito presente no concelho.
António Rocha, atendendo à pluralidade de intervenções realizadas pelo centro, define-o, em tom de brincadeira, como “uma muleta dos serviços locais de Segurança Social”. “Nós não gostamos de dizer não a nada e vamos resolvendo aquelas situações que ninguém resolve. Por exemplo, arrendámos algumas casas para pessoas desalojadas e suportámos as rendas sem contrapartidas nenhumas, pois as outras instituições não tomaram conta delas e nós tivemos que suportar essas situações”. A vice-presidente corrobora a ideia de que são uma instituição muito flexível e que só assim conseguem atender aos diversos pedidos de ajuda. “Vivemos num concelho marcado por reformas muito baixas, situações de pessoas sem qualquer apoio da Segurança Social, uma população idosa muito carenciada e muito isolada, que na sua maioria não tem a atenção dos filhos pelas mais variadíssimas razões”. E apresenta exemplos: “temos um utente com nove filhos e nenhum pode ficar com ele em casa. Nós tivemos que resolver a situação. Tivemos que prestar apoio a uma senhora que era nossa vizinha e que sofria de Alzheimer, também ela com nove filhos; tivemos que lhe prestar um apoio de 24 horas, com um custo de 1500 euros mensais e sem qualquer contrapartida, mas não a podíamos deixar entregue à sua sorte”.
A instituição tem vindo a desenvolver diversos projectos no âmbito do combate à exclusão social, com medidas de intervenção sistémica nas famílias, com o desenvolvimento de ateliers lúdico-pedagógicos, a promoção de espaços de lazer e convívio, campos temáticos, seminários, etc. A articulação com a Rede Social de Castelo de Paiva permitiu também o envolvimento em vários programas, entre eles o projecto “Incluir”, desenvolvido ao abrigo do programa PROGRIDE, vocacionado para o combate à pobreza e exclusão social, que foi financiado exclusivamente por verbas nacionais, referenciado no Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI) 2003-2005, como um dos seus instrumentos de execução. O Incluir teve dimensão concelhia e permitiu fazer um diagnóstico sobre os casos de deficiência no município, com a detecção de 334 situações. “Ficamos a conhecer melhor a realidade à nossa volta e sentimos a necessidade de intervir. Eu sou professora do terceiro ciclo e secundário, com uma especialização na educação especial e acabo por sentir o problema destes miúdos, que enquanto estão em idade escolar ainda se mantêm mais ou menos inseridos, mas depois voltam para casa e não têm mais nada”, diz Cristina Fernandes. Este levantamento levou a IPSS a estabelecer um protocolo com o Centro de Reabilitação de Arcozelo em Vila Nova de Gaia para a recepção de estagiários. Neste momento têm uma pessoa com paralisia cerebral a trabalhar nos serviços administrativos. “Tentamos ser muito abrangentes e por isso também criámos um centro ocupacional para deficientes no âmbito do Incluir (CODI) que aumentou a cobertura concelhia em mais de 50 por cento da existente”, explica António Rocha. O trabalho no CODI está a ser levado a cabo em parceria com a APPACDM de Castelo de Paiva, que está a iniciar a sua actividade, apesar de constituída desde 2001. No CODI proporciona-se aos utentes actividades de expressão plástica, expressão corporal, natação, oficinas de trabalhos manuais, jardinagem, etc.
“Os pedidos de ajuda são diários e o desejo de acolher a todos também. Somos solicitados diariamente e sempre que tenho um espaço livre na minha actividade profissional venho para cá. Acabamos por nos envolver muito na instituição. Sentimos o seu crescimento e temos muito orgulho”, afirma a vice-presidente. António Rocha concorda e sublinha que se torna “muito motivante quando falam do centro com tanto carinho”. Quanto ao futuro, está em curso um projecto para a execução de uma creche e de um lar de terceira idade, num investimento superior a 850 mil euros, já aprovado a 50 por cento na segunda fase do programa PARES. “Damos muita prioridade ao lar, pois temos muitos utentes no centro de dia que diariamente nos perguntam quando é que o lar estará pronto, quando é que podem cá ficar a dormir. Existem muitas pessoas que estão sozinhas e que sentem muita necessidade de ter um espaço seguro”, explica Cristina. O contínuo apoio na área da deficiência também é uma prioridade, bem como a certificação das valências da instituição que está em fase de arranque, a começar pelo serviço de apoio ao domicílio.
Data de introdução: 2009-01-08