Muita gente se queixa do esvaziamento a que, de ano para ano, é votada a memória da revolução do 25 de Abril de 1974. É sinal de que os que tiveram algum contacto com a mudança de regime estão a ficar velhos. Por mim falo que, na altura com 11 anos, me recordo apenas dos dois helicópteros militares que subitamente usaram o campo de futebol da nossa escola como pista de aviação. E sei que a primeira palavra que aprendi do novo léxico da democracia foi “greve”. O resto foi absorvido na derrocada da barragem da informação. As palavras da rádio e dos jornais narraram uma revolução quase sem mortos e feridos e com poucas imagens. Sobreviveu o sangue dos cravos como símbolo de uma mudança profunda no país.
35 anos depois, parece ser preciso regar a flor da revolução. Há sinais preocupantes que, não colocando ainda a solidez da democracia em risco, acciona o sinal amarelo, de perigo iminente. A descredibilização da política é uma evidência directamente proporcional à subida da abstenção nos actos eleitorais; a justiça anda pelas ruas da amargura, com o povo descrente da eficácia dos tribunais, das leis e dos legisladores; a economia transforma os pobres em miseráveis, parte da classe média em novos pobres e os ricos em excêntricos; a insegurança deixou de ser psicológica e sente-se na pele, na vida e na propriedade; a educação estimula sobretudo o desenvolvimento da estatística nacional de molde a que os números possam ser comparados à realidade europeia; a cultura dá sinais de aburguesamento, deslumbrada com a grandeza dos mercados globais; a comunicação social não escapa à crise de valores e de verdades.
O povo que é, desde o 25 de Abril de 1974, “quem mais ordena” de cada vez que vota ganha consciência que o direito de escolha quase nunca corresponde à mudança efectiva.
Escreveu o poeta Ary dos Santos, numa apologia à revolução, “agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu!”. Pois não. Mas muitas dessas portas, ainda hoje, não dão para
lado nenhum …
Data de introdução: 2009-05-06