Em Junho de 2005, as grandes instituições internacionais de crédito decidiram-se pelo perdão das dívidas de 18 dos países mais pobres do mundo, sendo que a maioria deles pertencia ao continente africano. Foi o desfecho de uma longa campanha de pressão da opinião pública mundial em que tiveram papel decisivo as igrejas cristãs, nomeadamente a igreja católica, através de João Paulo II. Já do ponto de vista político, é inteiramente justo realçar o papel que o governo britânico, e mais concretamente Tony Blair, teve na campanha final que levou a essa tomada de decisão.
Com o exagero e a inexactidão comuns à grande maioria títulos dos jornais, um dos matutinos portugueses escreveu, no dia seguinte à decisão, que “250 milhões de africanos acordaram ontem sem dívidas”. Mas o sentido da afirmação entendia-se: a partir daquele dia, uma impressionante multidão de pobres não teria de “reservar” a maior fatia do seu miserável rendimento para pagar as dívidas dos seus governos às grandes instituições financeiras dos países ricos. Para o continente africano de um modo muito particular, foi uma data verdadeiramente histórica. Houve mesmo quem lhe chamasse, também com algum exagero para não fugir à regra, o início de um “plano Marshal” para África.
Não sabemos até que o ponto este perdão das dívidas alterou para melhor a vida dos cidadãos dos países que foram beneficiados pela “generosa” atitude dos países ricos. Acreditamos que não muito, pelo menos no imediato. A ideia não era a de que esses governos entregassem aos pobres o dinheiro das dívidas que contraíram junto das instituições internacionais de crédito, e que os juros faziam crescer a um ritmo imparável. A ideia era a de que, sem essa carga, os governos ficariam com mais dinheiro para investir na solução dos problemas mais graves do seu povo, em áreas como a saúde, a escolaridade, assistência social, e ainda numa produção agrícola e industrial sustentável.
Não sabemos se, desde então, foi possível contabilizar alguma melhoria das condições de vida dos pobres desses países, embora acreditássemos que os efeitos positivos do perdão das dívidas só poderiam ser visíveis a médio e longo prazo. Vem isto a propósito de uma reunião internacional, realizada há pouco no Japão, e em que estiveram presentes delegados de estruturas políticas e económicas africanas. O mínimo que se pode afirmar, com segurança, é que o seu discurso mudou significativamente. Pelos vistos, a partir de agora, e a avaliar pelo que disseram, a África não precisa da caridade dos países ricos. Precisa tão só de usufruir de condições justas para competir no jogo da economia mundial.
Mesmo sem saber exactamente que condições justas serão essas, a reacção mais comum da opinião pública internacional será a de que esse tipo de discurso tem justificação. Há que reconhecer, no entanto, que se trata de um discurso arriscado. No presente, e talvez durante muitos anos ainda, uma grande parte dos países africanos não pode dispensar a solidariedade internacional.
Data de introdução: 2009-06-04