ENVELHECIMENTO ACTIVO

O Século do Envelhecimento

Alfred Sauvey, um importante sociólogo e demógrafo francês, considerou o século XXI como o Século do Envelhecimento! De resto, a esmagadora maioria dos especialistas considera que o envelhecimento demográfico é o fenómeno mais relevante do século XXI nas sociedades desenvolvidas devido às suas implicações na esfera sócio-económica, para além das modificações que se reflectem a nível individual e em novos estilos de vida.

Portugal, à semelhança dos outros países da Europa do Sul, acelerou recentemente o processo do envelhecimento, como resultado da baixa natalidade e do aumento da esperança de vida. O Censos 2001 aponta para uma superioridade numérica das pessoas idosas comparativamente aos jovens, bem como assimetrias regionais no fenómeno do envelhecimento. A proporção de pessoas com 65 ou mais anos duplicou nos últimos quarenta anos, passando de 8% em 1960, para 11% em 1981, 14% em 1991 e 16% em 2001. De acordo com as projecções demográficas elaboradas pelo Instituto Nacional de Estatística, estima-se que esta proporção duplique nos próximos 50 anos, representando, em 2050, 32% do total da população.
Dados do INE relativos a 2006 indicam que o Alentejo é a região do país mais envelhecida, com 102.042 jovens (até aos 14 anos) contra 175.061 idosos (22,9% do total da população). No lado oposto estão as regiões autónomas, onde há mais jovens que idosos: nos Açores existem 46.904 jovens e 30.198 idosos (12,4% da população) e na Madeira há 44.283 crianças até aos 14 anos e 32.274 pessoas com mais de 65 anos, que perfazem 13,1% do total da população madeirense.

O Plano Nacional para a Saúde de Pessoas Idosas (PNSPI) fundamenta-se nos princípios postulados pela ONU: independência, participação, auto-realização e dignidade do idoso. O PNSPI assume como prioridades de intervenção: a promoção de um envelhecimento activo, a adequação de cuidados de saúde às necessidades próprias do idoso; e o desenvolvimento de ambientes favoráveis à autonomia e independência das pessoas idosas. O “envelhecimento activo” é uma terminologia indicada pela ONU para as políticas públicas relacionadas com envelhecimento e que, segunda a mesma, representam um processo que deve permitir a optimização das oportunidades de saúde, participação social e segurança, promovendo uma maior qualidade de vida”.
Mas este chavão ainda traz algumas reservas a vários estudiosos destas matérias.

“Ser velho expõe o indivíduo a uma grande desvalorização”

Marielle Gros, socióloga e professora do Instituto Superior de Serviço Social do Porto, diz que envelhecer em Portugal significa ainda “uma experiência dolorosa para muitos idosos”. O enfraquecimento das relações de reciprocidade entre as gerações resultantes de uma série de modificações sociais que conduziram a sociedade a um modelo cada vez mais individualizado, levou a que os idosos fossem “remetidos para territórios de margem”, “lugares onde vivem com outros idosos e em que não estão integrados na vida social”. “Ser velho expõe o indivíduo a uma grande desvalorização”, afirma a especialista que defende ainda que nas famílias as pessoas valem em função do seu valor no mundo do trabalho.

Ao entrarem na fase de maior fragilidade os idosos são entregues aos cuidados das organizações, como lares e centros de dia, pensados para, segundo Marielle Gros, substituir a família. Mas os modelos organizacionais vigentes não permitem responder às questões essenciais neste domínio como, por exemplo, a possibilidade de “ser reconhecido”. “Se os outros não nos reconhecem como podemos sentir que existimos?! A vida social é a vida com outros diferentes de nós e nessas organizações são idosos com idosos”, diz. Assim o grande desafio para promover o envelhecimento activo passa por encontrar formas das organizações conseguirem fortalecer e cultivar os laços dos idosos com o mundo social à sua volta e “evitar o fechamento num grupo de iguais”. A socióloga sugere às instituições, a título de exemplo, desenvolver programas e actividades ricas em relações que obriguem os idosos a sair do espaço da instituição, frequentando espaços públicos, como cafés, salas de espectáculos, etc. Além disso, Marielle Gros diz que as organizações portuguesas ainda estão excessivamente marcadas por uma divisão do trabalho muito rigorosa e limitadora. “São barreiras que têm que ser derrubadas, é preciso juntar saberes, decifrar comportamentos e eliminar ideias feitas”.

“É perigoso o endeusamento do envelhecimento activo”

Paula Guimarães, jurista e com um vasto trabalho desenvolvido da área do direito social, acha que é “perigoso” este refúgio em chavões. Apresenta como exemplo o papel de responsabilidade atribuído à família que, na sua perspectiva, não pode ser uma imposição. “Cada família tem a sua própria história, o seu percurso e se, nalguns casos, a família é o sítio perfeito para se envelhecer, noutros é o verdadeiro inferno. Não podemos passar a receita de que envelhecer em família é o melhor”, afirma.

Na perspectiva da jurista cabe à pessoa idosa decidir onde e como quer envelhecer se estiver na posse das suas capacidades cognitivas e motoras e, caso isso não se verifique, a responsabilidade deve passar para o representante legal, que pode nem ser um familiar. “O familiar não é responsável pela pessoa idosa, essa é uma situação de infantilização e de menorizarão das pessoas”. Esta situação, no âmbito das instituições de acolhimento de idosos, leva a que os responsáveis tenham tendência a eleger como interlocutor principal um familiar em vez do cliente, a pessoa a quem prestam cuidados. “O familiar é um parceiro que deve ser envolvido, se essa for a vontade do idoso pois, por exemplo, pode ser de grande violência, e até destrutivo da própria relação afectiva, achar que um filho tem que dar banho à mãe ou uma filha mudar a fralda ao pai, porque os cuidados de apoio domiciliário não estão disponíveis ao fim-de-semana”.

A especialista defende que devem ser criadas condições para que as famílias possam zelar pela qualidade de vida dos seus idosos, como sejam os benefícios fiscais, o aumento de unidades de acolhimento temporário para alívio das famílias e a alteração da legislação em alguns domínios. “Defendo que o Código do Trabalho crie mais condições para que os familiares possam prestar mais atenção e mais apoio às pessoas idosas em situações de doença, de grande dependência ou em fase terminal”, à semelhança das medidas existentes para o cuidado aos descendentes, como a flexibilização ou redução de horário.
Paula Guimarães é também defensora que a lei que enquadra o acolhimento familiar para idosos seja alterada de forma a permitir que esse acolhimento seja também feito pelos familiares. “O acolhimento familiar entende que os familiares têm uma obrigação de alimentos e, portanto, têm que prestar cuidados aos seus idosos sem receber nada do Estado. Há muitos agregados familiares que não têm condições objectivas para prestar esses cuidados, por isso não compreendo não existir um alargamento dessa medida, de forma a permitir conceder apoio financeiro aos próprios familiares e, assim, estimular, promover e reforçar os laços de consanguinidade”, diz a especialista.

“As sociedades estão preparadas para não precisar dos idosos”

A promoção do individualismo no envelhecimento é convicção de Leonor Guimarães, também especialista em direito, com uma larga experiência de trabalho no Instituto de Segurança Social. “Esta coisa de ser velho não é mais do que ser o mesmo indivíduo que fomos durante toda a vida. Seremos o produto daquilo que formos até então”, diz. “Essa coisa do envelhecimento activo é uma balela. Ou a pessoa foi activa toda a vida, a nível da sua cabeça e do seu corpo ou não é depois de velho que vai começar a ser”. Para a especialista toda a pessoa deve ter consciência de que “as sociedades estão preparadas para não precisar dos idosos”, logo, depende de cada um criar interesses para mais tarde utilizar.

Segundo Leonor Guimarães, os projectos normalmente são construídos para um todo, desta forma deve partir de cada um a vontade de manter os seus gostos e capacidades pessoais. “Devemos manter-nos como indivíduos até ao fim da nossa vida. As instituições têm que se transformar e olhar para os seus utentes com um olhar individual, procurar encontrar naquilo que tem que ser a massificação das respostas um misto onde as pessoas se possam sentir indivíduos, para que o seu envelhecimento seja na prática uma continuidade dos seus interesses e que possam efectivamente sentir-se activos”.

A existência de modelos formatados de trabalho na grande maioria das instituições de acolhimento de idosos em Portugal é outro dos aspectos que deve ser combatido. Com a consciência que as instituições não podem oferecer modelos individuais a toda a gente, a especialista acredita contudo, que existe um leque grande de potencialidades ainda mal exploradas. “Faz-me muita impressão ir a um lar e ver toda a gente sentada de uma forma passiva a ver televisão, mas não me causa menos impressão ver todas as pessoas num bailarico, quando eu sei que há pessoas ali que não se identificam minimamente com aquela actividade. É necessária uma oferta relacional dentro da instituição, com o recurso a voluntários, que permita um leque de oportunidades, pois isso permite que as pessoas mesmo institucionalizadas possam continuar o seu projecto de vida individual na medida em que podem escolher dentro de uma panóplia de actividades aquilo que melhor se identifica com elas”.

Leonor Guimarães defende a melhor exploração do campo do voluntariado e acredita que com o aumento da esperança de vida e o envelhecimento progressivo da população, os governos vão ser “obrigados” a olhar de uma maneira diferente para a terceira idade, “pois a sociedade será dos idosos nos próximos anos, eles serão o maior número de votantes”.

Texto: Milene Câmara

 

Data de introdução: 2009-12-04



















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