No princípio de 2007, em vésperas de deixar o seu cargo, o então secretário-geral da ONU fez um apelo veemente à comunidade internacional, numa espécie de testamento público: “Ruanda, nunca mais!”. Kofi Anam reconhecia assim que a Organização das Nações Unidas tivera graves responsabilidades, sobretudo por omissão, naquela que foi uma das maiores tragédias da história africana. Ele temia que a indiferença do mundo pudesse levar à repetição de dramas semelhantes, como estava a acontecer, já há muito, na República Democrática do Congo e, mais proximamente, no Darfour e no Sudão. De qualquer modo, o Ruanda deixou, há vários anos, de merecer a atenção dos jornais.
Vem isto a propósito da deslocação oficial do presidente francês a Kigali, a capital daquele estado africano. A notícia não justificaria uma referência particular, não fora o caso de as relações diplomáticas entre os dois países estarem suspensas desde 2006. Acresce ainda o facto de a visita de Sarkozi trazer de novo para a discussão pública o problema das responsabilidades morais e políticas naquela imensa tragédia.
Em 2006, um juiz francês decidiu abrir um inquérito sobre o alegado papel que alguns dos colaboradores próximos do presidente ruandês, Paul Kagamé, terão tido na eclosão do genocídio. Da parte de Kigali, as autoridades judiciais responderam com o anúncio de um processo que envolvia nomes conhecidos da política francesa, acusados de terem favorecido o antigo governo do Ruanda, liderado pelos hutus. Misturaram-se assim questões judiciais e políticas na abordagem de uma tragédia que teve a sua origem em problemas étnicos.
As relações entre Paris e Kigali foram-se degradando, e foi isso que Sarkozi pretendeu mudar com esta visita, interessado como está em que a França se afirme na chamada região dos Grandes Lagos. Na capital ruandesa, Sarkozi admitiu mesmo que a França cometeu erros graves, na análise e na resposta aos acontecimentos que fizeram mais de oitocentos mil mortos. Na análise e, sobretudo, na resposta, tal como aconteceu com a maioria dos países e mesmo com a própria ONU.
Parece que uma comissão de historiadores vai ser chamada agora a fornecer elementos decisivos para dirimir este problema. Foi assim, por exemplo, com a Turquia e a Arménia, a propósito do alegado genocídio cometido pelo exército otomano contra o povo desta nação, no decurso da primeira guerra mundial. Foi assim as acusações de crimes de guerra atribuídas pelo governo chinês aos militares nipónicos por alegados crimes de guerra.
Mas, neste como noutros casos, há sempre um problema: o de saber se os governos estarão dispostos a aceitar as conclusões dos sábios…
António José da Silva
Data de introdução: 2010-03-10