1. Há direitos sociais que interessa salvaguardar, há uma perspectiva de vida que interessa promover, há um futuro que interessa projectar.
A comunidade reconheceu a necessidade de criar e disponibilizar serviços e movimentou-se. No exercício de cidadania, por solidariedade ou por caridade, criou Instituições de Solidariedade.
Com recursos cativados e com preocupações e obrigações sociais, o Estado reconheceu a utilidade pública dessas Instituições com as quais celebrou acordos de cooperação para que fossem disponibilizados serviços que garantissem a salvaguarda dos direitos sociais, a promoção de uma perspectiva desenvolvimentista e comunitária da vida e a equação de um futuro risonho e progressivo para os cidadãos.
Os dirigentes das Instituições abriram as suas portas para disponibilizar os serviços acordados, sem olhar a proveniências, a credos ou a ideologias. A todos os cidadãos, apenas acautelando uma especial solicitude e uma opção preferencial pelos mais carenciados.
No seu conjunto, entre crianças, jovens, adultos, idosos e pessoas com deficiências, as muitas Instituições de Solidariedade atendem mais de meio milhão de pessoas. Muitas delas nem sequer solicitaram a sua frequência na Instituição. Mas todas sentem que há espaços e condições para o exercício de direitos sociais e que a sua proporcionada contribuição é mais um contributo para a justiça solidária.
Assim se estabeleceu e desenvolveu um dinâmico Sector Solidário.
Para utentes ou clientes?
2. Poucos são os frequentadores das Instituições a suportar a totalidade dos custos pela utilização da Instituição. E quase todos, durante ou depois da frequência, vêem a Instituição como o seu “ambiente de afecto” de onde contemplam um “mundo de sonhos e realizações” que ajudaram a concretizar e a construir, ou vêem a Instituição como “o seu espaço” de encontro com as multifacetadas expressões da vida ou como “o seu berço”, “a sua casa” e “o espaço” em que cresceram, modelaram as suas personalidades ou se fizeram construtores do seu futuro.
A alegria, a harmonia, a qualidade de vida, a serenidade, o crescimento integral e a integração social, entre outros, são os grandes votos dos dirigentes e das estruturas por eles lideradas.
Porque assim é, a comunidade, que também paga impostos, cria e exulta com estas Instituições e também as apoia ajudando a erguer equipamentos, a disponibilizar voluntários e a exercer a partilha de bens com donativos que muitas vezes são como o óvulo da viúva. O lucro ansiado por uma comunidade que se envolve é a certeza antecipada de que alguns dos seus membros têm ou terão um presente e um futuro melhor. É isso que motiva a comunidade e é isso que a satisfaz.
Porque assim é, também o Estado precisa destas Instituições. Reconhece-as e apoia. Não tanto como deveria, mas compensa com o reconhecimento de que são de utilidade pública. Exactamente: de utilidade pública.
Porque assim é, nos alvores deste movimento solidário, a questão colocou-se: os que frequentam as Instituições de Solidariedade são beneficiários ou utentes? E a opção foi: utentes. Porque as Instituições são envolvimentos colectivos de que são parte integrante quantos as frequentam. Assim se consagrava a ultrapassagem de uma função assistencialista das Instituições.
Mas isso era noutros tempos. Agora os tempos são tempos da qualidade, da certificação e da satisfação dos clientes com normas e manuais vindos da Europa. Sem qualquer contestação: se “vêm da Europa” são incontestáveis, eternos e dignos de fé... Aliás, estamos na Europa e lá (onde é isso?) a questão nem se coloca: clientes.
Num esforço de conformidade, e para agarrar o comboio da modernidade, há quem esteja a adoptar hesitantemente a designação consagrada nas novas normas e nos novos manuais. Também há quem tenha sérias dúvidas se essas normas e esses manuais têm em atenção a especificidade do Sector Solidário constituído por estas Instituições.
A questão tem legitimidade e alguma pertinência: utentes ou clientes das IPSS?
3. A denominação deve corresponder à realidade. E por isso é que há variedade de designações porque há pluralidade de situações. Nem precisamos de inventar muito porque o vocabulário português é muito rico.
Por exemplo: aquelas pessoas que seguem ou que praticam as regras da sua religião são conhecidas como praticantes, o que as distingue dos “não praticantes” que, professando a mesma religião, são menos fiéis às regras ou dos agnósticos que não têm qualquer opção crente. Os partidários activos de uma doutrina ou de um ideal são conhecidos como militantes, o que os situa num determinado enquadramento e os distingue dos meros simpatizantes ou dos indiferentes.
Também há beneficiários, cooperantes, fundadores, irmãos, sócios, utentes, utilizadores… E clientes!
As denominações vão-se estabelecendo, consolidando o léxico, demarcando interpretações e fazendo história. A mudança de denominação não pode ser resultante de uma qualquer directiva europeia, por muita fé que ela nos mereça. Para mais quando estão em causa certas especificidades locais: também aqui deverá haver respeito pela subsidiariedade.
Clientes são todos aqueles que recorrem aos serviços de outra pessoa ou entidade, mediante uma retribuição. Cessa a relação na satisfação do prestador e do solicitador. Por exemplo: o Estado é cliente do Sector Solidário quando com ele contratualiza a prestação de serviços aos cidadãos. E o Sector Solidário, que também é cliente de outros sectores, ainda pode ter mais clientes com os quais bom seria que estivesse sempre satisfeito. Aliás, no Sector Solidário coexistem beneficiários (de uma prestação alheia), cooperantes, fundadores e por aí além…
Mas é um Sector com uma especificidade própria, com o qual o Sector Público contratualizou a prestação de serviços sociais e cívicos, com vocação universalista e proporcionada. Claro que há sérias preocupações na qualidade e na satisfação em favor e por causa dos direitos dos cidadãos.
Clientes ou utentes?
Pois claro: Utentes!
Pe. Lino Maia, Presidente da CNIS
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