JOSEFINA BAZENGA, PRESIDENTE DA HUMANITAS

IPSS da deficiência mental estão em situação desesperada

SOLIDARIEDADE - Quais são as valências das instituições filiadas na HUMANITAS?
JOSEFINA BAZENGA
- As instituições atendem desde os zero anos até idade sem limite. Todos os graus de deficiência mental. As valências começam na intervenção precoce, quando se faz um trabalho de estimulação precoce até aos 6 anos. Depois temos ainda a funcionar as unidades socioeducativas que vão ser extintas até 2014. Eram as escolas de educação especial. Temos ainda a formação profissional, emprego protegido e empresas de inserção, os centros de actividades ocupacionais, dependendo do grau de capacidade e temos também os lares de apoio e os lares residenciais. Estas são, em linhas gerais, o tipo de valências destas instituições.

Como é o relacionamento com a CNIS?
O relacionamento é bom e próximo porque temos vários elementos da direcção da HUMANITAS que são também elementos dos órgãos sociais da CNIS.

Vê vantagens no facto da HUMANITAS estar incluída na estrutura da CNIS?
A HUMANITAS não agrega só APPACDM, agrega também instituições que prestam atendimento na área da deficiência mental. Esta federação não é para as APPACDM apenas. É verdade que são poucas as APPACDM que não estão nesta federação. As APPACDM surgiram com uma direcção nacional que as agregava a todas, funcionando como delegações. Entretanto, como as APPACDM foram obrigadas a tornar-se autónomas, independentes, surgiu a necessidade de estarem filiadas num órgão que representasse as instituições que actuam na deficiência mental. Esta federação surge para agregar essas instituições, com serviços às pessoas com deficiência mental, incluindo as APPACDM, que são 26 das 36 instituições que a federação agrega. A HUMANITAS tem todo o interesse em estar incluída na estrutura da CNIS porque em termos da concertação social, nós como federação, não temos assento. Estamos representados pela CNIS para os protocolos e parcerias. Não somos chamados a intervir a esse nível. Tem todo o interesse estar representado pela CNIS porque é a CNIS que vai negociar os nossos interesses. A não ser em áreas muito específicas, em que o governo chama as federações para serem ouvidas, como por exemplo a formação profissional para a área da deficiência mental, negociações sobre educação, entre outras. Aí temos assento em algumas comissões de acompanhamento com os ministérios. Mas ao nível dos protocolos é tudo através da CNIS.

São IPSS especiais com necessidades de financiamento maiores e uma dependência dos protocolos superior às demais?
Temos dependência total desses acordos. São respostas, não digo caras, mas que precisam de muito dinheiro. Estamos a falar de uma variabilidade enorme de tipos e graus de deficiência. Desde deficiência ligeira, onde falamos de formação profissional, passando por pessoas com dependência de grau moderada onde falamos já de centros de actividades ocupacionais e estamos a falar de pessoas totalmente dependentes e com deficiência profunda. Há por vezes necessidade de ter um auxiliar para um cliente. A média do peso do pessoal nas nossas instituições anda nos 80, 85% dos custos totais.

Essa diferenciação é normalmente contemplada nas negociações?
Ela tem estado presente. Tem havido ajustes e as instituições têm estado equilibradas até há uns anos. Mas há cerca de 3, 4 anos as coisas têm-se agravado, as instituições desta área estão todas a atravessar um período muito difícil. Porque havia, nos protocolos negociados anteriormente, a possibilidade de existir uma diferenciação do apoio prestado às pessoas com deficiência moderada e o apoio prestado às pessoas com deficiência profunda. Os protocolos estabeleciam limites de valores para os CAO, e também de acordo com a percentagem de pessoas com deficiência profunda que existisse no CAO, esses valores eram ajustados. Aí conseguiu-se negociar com algum equilíbrio. A partir do momento em que a resposta foi tipificada pelo valor mais baixo nós vemo-nos numa situação dramática. Ou não damos resposta às situações que são mais necessárias, ou seja os casos mais profundos, e às famílias mais carenciadas, porque são as situações mais necessárias… Porque se for uma família com recursos, ela tem possibilidade de, por exemplo, numa situação de deficiência profunda, ter alternativas e apoios de dia, de noite, quando é preciso. Agora, numa família a viver de rendimento mínimo, a viver às vezes à custa da pensão do próprio deficiente, famílias em que a mãe e o pai já têm acima de 80 anos, ter um dependente em casa é muito complicado. Eu, enquanto dirigente de uma instituição, entendo que se estamos em instituições da área social, temos que dar resposta a estas situações. Porque se fizermos uma gestão economicista deixaremos de atender as situações que necessitam de uma resposta mais premente. Então, vamos ver que só podemos admitir as pessoas que têm possibilidade de pagar as mensalidades mais altas, ou só os deficientes mais ligeiros porque, esses sim, equilibram as contas da instituição.

E acha que essa tendência para a tipificação pode deixar de fora os problemas mais graves?
Eu acho que até este momento as instituições tiveram sempre esta posição equilibrada porque sempre conseguiram obter donativos suficientes, mas neste contexto de crise, a partir de agora vamos ter mesmo que as fazer. Porque as instituições estão em situação desesperada. Já a fazer empréstimos para cumprir obrigações salariais. Não é uma ou duas, são muitas.

A HUMANITAS representa 5753 pessoas, mas mesmo assim a população com deficiência mental é maior?
É sim. Existem dois grandes grupos, ou duas grandes federações, que agregam as instituições que trabalham com a deficiência mental em Portugal. Para além da HUMANITAS, há também a FENCERCI, que agrega todas as CERCI, com um universo semelhante ao nosso. Depois há ainda a UNICRISANO, já a um nível regional, mais pequeno, cujo universo, eu não sei ao certo, mas é abaixo disto. Isto dá um total de cerca de 13000 pessoas. Mas as listas de espera para os CAO continuam. Este ano, os novos acordos que já deveriam estar a funcionar, ainda não vieram homologados pelos serviços centrais de Lisboa. Os orçamentos programa foram tardios porque houve eleições e o país pára. Mas já estão feitos há três meses, enviados pelos centros distritais, e não têm resposta. Das duas uma: ou estão a atrasar a homologação dos orçamentos programa para não pagar o ano todo, e os acordos vêm só em Outubro ou Novembro e só consideram a partir daí e tudo o que está para trás fica para trás, ou não haverá mesmo novos acordos este ano. E o problema para as instituições é esta incerteza. Por uma questão de respeito às instituições, o governo deveria explicar o que está a pensar fazer e esta incerteza é terrível. Há famílias que estão à espera desta respostas dia após dia. Nós, HUMANITAS e outras entidades como as Uniões, têm instituições que aparecem todos os dias perguntar se há notícias, se o acordo vem. É efectivamente uma ansiedade terrível para as instituições e para os pais que apoiamos também.

São então cerca de 13000 pessoas que têm acompanhamento. Tem ideia de quantos mais é que ficam de fora?
Neste momento, e vendo as listas de espera dos CAO, não temos esses números certos. Nem nós, nem o Governo, nem ninguém, porque as listas de espera têm pessoas repetidas em várias instituições. Quando um pai quer apoio e ajuda para um filho inscreve-se em várias instituições para ver em qual delas tem resposta primeiro. Não podemos somar listas de espera. Têm que ser revistas, trabalhadas, para ver qual é o número global. Todas as crianças agora integradas no sistema regular de ensino têm que ter, porque é obrigatório, o PIT – Plano Individual de Transição, que diz para onde é que estes meninos com necessidades educativas especiais deverão ir. Esta legislação já existe há alguns anos e estes planos já existem até porque têm que ser feitos três anos antes destas crianças abandonarem o sistema regular de ensino. Mas o Ministério da Educação não sabe dizer, neste momento, quantas crianças estão previstas para CAO. Ou seja, fazem-se planos a prever a transição destas pessoas para os CAO mas o plano não adianta para nada porque a resposta não existe.

Portanto, há uma grande carência de instituições nesta área?
Sim, continua a haver. Não posso dar-lhe números porque ninguém os tem e não posso lançar números sem precisão. Dou-lhe o exemplo da APPACDM aqui do Porto: temos a situação de dez meninos que abandonam este ano a unidade socioeducativa porque atingem o limite de idade, e não têm para onde ir. E alguns deles estão na instituição há 18 anos desde a Intervenção Precoce.

O parque de equipamentos instalado responde bem às necessidades dessa população tão diversificada e de idades tão diferentes?
Há alguns casos de instalações mais antigas, algumas delas com mais de 40 anos de actividade. Alguns edifícios necessitam de actualização porque não correspondem a todas as exigências da legislação actual. Mas são casos pontuais. A grande maioria tem belíssimas instalações com elevado grau de qualidade.

Cada vez há uma maior exigência de qualidade e maior fiscalização também. Mas isso tem sido acompanhado de financiamento para apoiar essas exigências?
Não. Relativamente à fiscalização, acho que em anos anteriores pecou-se por não ter havido o devido acompanhamento às instituições, que foram deixadas sem qualquer apoio. Agora há esse acompanhamento, pelos centros distritais da segurança social, que têm a tutela dessas valências. Eu acho isto óptimo e aliás está previsto em todos os protocolos que assinamos, o acompanhamento técnico. Entendo que se está a falar de uma parceria e neste sentido deverá existir um bom relacionamento mútuo. Na área da qualidade, as instituições têm que cumprir, num primeiro patamar, a legislação e requisitos mínimos, mas isto é óbvio. Se estamos abertos temos que cumprir com esses requisitos. Depois os patamares que se seguem, os dois patamares superiores, surgem para quem quer ter um serviço melhorado primeiro um nível intermédio e o nível de excelência. Para estes níveis superiores só avança quem quer. Neste momento há programas financiados, ao abrigo de financiamento comunitário, que permitem às instituições implementarem sistemas de gestão da qualidade. O problema que se põe é o seguinte: implementar o sistema é apoiado pelo estado e já implica custos, mas e depois mantê-lo? As instituições que já têm experiência nesta área sabem que temos que ter, pelo menos uma pessoa, como responsável do sistema de gestão da qualidade, caso contrário os sistemas não se mantêm por si só. Há determinados procedimentos que têm que ser feitos, controlados e avaliados. Mas mesmo para o primeiro patamar, as instituições estavam habituadas a não ter as coisas tão sistematizadas e isso custa dinheiro. Não há financiamentos para isso. Imagine que nos custos elegivéis para os acordos de cooperação para o funcionamento das valências não são considerados os custos com pessoal administrativo! Mas não são só estas, são outras exigências que vêm sendo obrigatórias e que implicam gastos, com os quais ninguém se preocupa se a instituição tem. Já para não falar da obrigatoriedade de apresentar dados e informação em suporte online. As instituições não podem dizer que não têm internet, que não pagam a internet, ou que não têm pessoas que não sabem trabalhar com estas ferramentas. É obrigatório e as instituições têm que conseguir isso de qualquer maneira. Até porque quando nos pedem alguma coisa é sempre para ontem. Quando lhes pedimos alguma coisa pode ser para depois, daqui a quatro, cinco ou seis meses.

Acha que no relacionamento com o governo tem havido insensibilidade social?
No momento actual o governo não se quer comprometer, portanto está muito ausente. E não responde às nossas solicitações. Quando dirigimos cartas a expor assuntos, a pedir reuniões para debater problemas, isso cai no esquecimento. Todas as Instituições têm muita dificuldade em dialogar com um ministro. Somos encaminhados muitas vezes para os assessores. Nas instituições a queixa é essa. Mesmo em instituições com representação nacional isso acontece. Houve governos em que o acesso ao ministro era mais fácil. As instituições pediam uma audiência e ele concedia-a, ouvia de viva voz as situações expostas e era bem mais fácil. Actualmente isso não é assim.

Acha que as instituições também estão a pagar a factura da crise?
Está tudo estagnado nos protocolos. Se chegarmos à redução dos valores protocolados as instituições só têm um caminho que é fechar as portas. Já se ultrapassou o limite, aliás já se está abaixo do limite da sustentabilidade. A maior parte das instituições já está numa situação de instabilidade financeira. Se houver uma redução temos que fechar as portas. Temos que despedir pessoal e não sei onde há dinheiro para as indemnizações. Está assinado no protocolo da CNIS, do ano passado, que iria constituir-se um grupo de trabalho para estudar os valores reais destas valência, para chegarmos a um valor justo que permitisse o atendimento das pessoas com deficiência mental profunda. Até hoje não há notícias de nada. O ano está a meio, nem sequer se iniciaram as negociações, o que nos leva a pensar que já não será para este ano. É reconhecido que não é possível continuar assim, mas depois não há meios. Mas as instituições não aguentam tudo.

O ensino incluso envolve alguns constrangimentos. Concretamente a reformulação de recursos humanos e o aproveitamento de equipamentos que tinham valências nesta área…
A educação, há 40 anos atrás, considerava que estas pessoas não podiam ser alunos e nunca os considerou como tal. Nessa altura foram as instituições, e posso falar do aparecimento da APPACDM, que entenderam que deveriam trabalhar e ensinar os meninos diferentes. Esse trabalho era feito em puro sistema de voluntariado. De forma completamente voluntária, estas pessoas ensinavam estes meninos. As coisas foram evoluindo e foi entendido que estas crianças tinham direito a ser atendidas e a aprender como os outros, mas nunca o Ministério da Educação considerou isto como uma valência da educação. E por isso os protocolos eram com a Segurança Social. Isto era da área social e não da área da educação. A educação veio, muito mais tarde, a reconhecer que isto era educação e que estas crianças eram como as outras, que tinham direito à educação como as outras. Então ocorre a transferência dos acordos das valências socioeducativas, da Segurança Social, para o Ministério da Educação. Nesta altura, assume as escolas de ensino especial e destaca professores dos seus quadros. As instituições assumem o ensino e apoio a estas crianças com o seu pessoal de auxiliares, cozinha e transportes, entre outros. Veio depois agora a ideia da integração plena. Acham que tudo isto é segregar, que as crianças não estão num ambiente natural e normal e a ordem é integrar todos. O fim das Unidades Socioeducativas está determinado para 2014. Até lá, e para as crianças que frequentam estas unidades, se os pais não as quiserem transferir para as escolas, é-lhes permitido acabar o seu ciclo escolar na IPSS. Nós não concordamos com esta integração cega. Ninguém é contra a integração. Ainda mais porque já acontece com naturalidade no pré-escolar, onde a integração é feita de forma muito natural nesses contextos. Mas depois nos ciclos seguintes a escola começa a ser muito menos integrativa. Para nós não faz sentido integrar em escolas crianças com deficiências profundas, acamadas ás vezes, com outros tipos de deficiências associadas, muitas vezes com sondas. O que está uma criança destas a fazer na escola portuguesa actual? Ela poderia ir para a escola, se a escola tivesse o que as IPSS têm neste momento. Nós temos o know-how, temos os técnicos e as infra-estruturas necessárias para dar um atendimento com qualidade a esta pessoa. Eu espero é que para estes casos sejam abertas as excepções previstas na lei e estas crianças sejam acompanhadas nas IPSS e instituições competentes. A nossa escola continua a ser uma escola onde estão todos mas que ainda não é para todos.

Para além disto há desarticulação entre uma série de equipamentos e algum esvaziamento funcional?
Sim. As instituições estão a ficar com salas vazias, salas essas que poderiam ser utilizadas para Centros de Actividades Ocupacionais. Nas políticas há coisas que não entendo. Como é que havendo uma família que precisa de um rendimento social de inserção este é-lhe atribuído imediatamente, desde que se prove que é mesmo necessário e nos casos em que há pessoas com deficiência mental a situação não é igual? Aqui não deveria haver listas de espera. Isto não faz sentido. Não faz sentido as crianças e os jovens agora saírem da escola e não terem para onde ir, regressando a casa alterando completamente a vida familiar. Possivelmente um dos pais terá de deixar de trabalhar. É uma questão de vontade política. É preciso fazer um levantamento de necessidades e ver quantos deficientes precisam de apoio e criar esse apoio. As IPSS vão ficar com salas vazias. É isto que a HUMANITAS reflecte. Poderíamos fazer acordos para centros de actividades ocupacionais e não se faz porque não há dinheiro. Isto é dramático para as instituições e para as famílias. Temos famílias a fazer abaixo-assinados para ao ministro a expor esta situação. Mas sem resposta.

Percebo que não é contra a integração. Defende que deveriam fazer uma gestão caso a caso…
Isto não deveria ser tudo da mesma forma. Isto deve ser feito com muita calma, caso a caso, para garantir que o direito à diferença existe e ao tratamento diferente. Se fossem iguais aos outros então não estaríamos aqui a falar deles. Mas se são diferentes exige-se um atendimento diferenciado. E escola, como está neste momento, não o pode dar. Eu acredito que no futuro, estando melhor equipadas, as escolas consigam dar este atendimento. Mas neste momento não. As associações mantêm a disponibilidade para colaborar com a escola para que este processo não viole os direitos destas crianças à igualdade de oportunidades.

Por V. M. Pinto (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2010-07-08



















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