Não é uma surpresa, mas ultrapassa o que se poderia esperar, mesmo de um homem como Hugo Chavez, o presidente venezuelano. Troglodita e indigno foram dois dos adjectivos com que este mimou, há dias, o cardeal arcebispo de Caracas, D. Jorge Urosa. Foi em directo, num dos programas televisivos que Chavez utiliza, pelo menos semanalmente, para guiar o seu povo no caminho do “socialismo do século XXI”, como ele classifica, repetidamente, o sistema ideológico subjacente à sua conhecida praxis política.
Fazendo-se eco do sentimento geral da igreja venezuelana e de uma enorme franja da população do país, o cardeal vinha alertando para o carácter cada vez mais filocomunista desse caminho e dessa prática, mas, surpreendentemente, Chavez não gostou, ameaçando mesmo recorrer à justiça para provar a má fé do bispo. O presidente não suporta críticas, mesmo que estas traduzam, como é o caso, uma realidade que ele faz questão de exibir orgulhosamente. A sua colaboração total como regime de Cuba, o apoio económico e político aos movimentos marxistas da América Latina, o culto do ódio aos Estados Unidos e as tentativas continuadas do controlo da Comunicação Social justificam plenamente as interpretações da maioria dos analistas internacionais. O sistema venezuelano já não é mais do que um modelo comunista travestido de socialismo, mas um “socialismo do século XXI”, como ensina o grande mestre, embora ninguém saiba ainda o que isso é.
O mais grave da situação é que Chavez aproveitou o diferendo com o cardeal para estender as ameaças a toda a Igreja da Venezuela, a começar logo por aquilo que ele classifica como necessidade urgente de uma revisão da Concordata, para acabar com os privilégios de que, segundo ele, esta usufrui. Mas a História dá conta dos verdadeiros objectivos que se escondem, geralmente, sob esta expressão.
Em casos como este, ou semelhantes a este, as opiniões dividem-se quanto ao comportamento público da Igreja. Há os que entendem, e são hoje a maior parte, que esta não se pode refugiar num silêncio prudente, mas que muitos consideram cobarde. Por outro lado, não faltará quem pense que o cardeal D. Jorge Urosa falou demais e que, por sua causa, a Igreja da Venezuela pode vir a sofrer consequências desagradáveis.
Trata-se de um velho problema para a Igreja: intervir ou não intervir nas questões sociopolíticas? E no caso afirmativo, como e quando? Eis uma questão que nunca terá consenso.
António José da Silva
Data de introdução: 2010-08-05