O enforcamento é o método de suicídio mais utilizado em 16 países europeus, incluindo Portugal, representando quase metade do total de casos, revela o estudo “Métodos de suicídio na Europa”, em que participou o psiquiatra português Ricardo Gusmão, da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa. Embora comum entre ambos os sexos, a prevalência é mais acentuada nos homens.
No total dos países que compõem a Aliança Europeia contra a Depressão, 54,3% dos homens que se suicidaram optaram pelo enforcamento, método preferido por 35,6% das mulheres suicidas. Em Portugal, os números acompanham a média, representando 52,3% dos casos de suicídio masculino e 31,5 do feminino.
O estudo indica que o recurso a armas de fogo é a segunda forma mais usada pelos homens para o suicídio, enquanto nas mulheres é a ingestão de medicamentos. No entanto, Portugal é excepção, uma vez que no caso das mulheres, a segunda técnica mais aplicada é o afogamento, factor que pode ser atribuível à dimensão da orla marítima. A última opção das mulheres é precisamente as armas de fogo, enquanto nos homens o afogamento é a menos comum.
Um outro estudo europeu, publicado em Junho de 2008, mostra também que os jovens da faixa etária dos 15 aos 24 anos preferem o enforcamento. A Estónia apresenta a taxa de suicídio mais elevada entre os jovens masculinos dos 15 aos 24, enquanto Portugal é o país que apresenta a taxa mais baixa. No que respeita às mulheres, Portugal é novamente o último da lista, liderada pela Finlândia.
Porém, Ricardo Gusmão, que participou nos dois estudos, advertiu que os dados em Portugal estão subavaliados. “O mau registo do suicídio em Portugal deve-se à subestimação do suicídio e à sobrestimação grosseira das mortes de causa indeterminada, resultado de vários factores culturais e processuais”, explicou o psiquiatra. A não obrigatoriedade de autópsia psicológica nos casos inicialmente classificados como morte de causa indeterminada e a incapacidade efectiva em determinar o suicídio são duas causas apontadas.
O registo de óbito, muitas vezes passado por qualquer médico e não por aquele que acompanha a pessoa, a par de deficiências no processo de registo, dificulta também a determinação de causa de morte. Segundo o psiquiatra, há ainda razões de natureza religiosa que levam as comunidades a não admitirem o suicídio.
Voz de Apoio
Fernando Couto coordena a Voz de Apoio, um serviço de apoio emocional destinado a prevenir o suicídio, com um trabalho disseminado nas cadeias portuguesas. Há dez anos que duas dezenas de voluntários ouvem confidências e, em troca, oferecem uma palavra amiga.
A ideia surgiu ao ouvir um programa de rádio. Um ouvinte, emocionalmente fragilizado, desabafava todas as mágoas. “Ouvi o programa e decidi que poderia ajudar pessoas”, recorda. Inscreveu-se primeiro como voluntário numa associação que também desenvolvia trabalho nesta área, mas depois, resolveu avançar para um serviço diferenciado. Instalou-se numa cave, na cidade do Porto, onde recebe chamadas telefónicas, cartas e e-mails de pessoas à procura de ajuda.
“O nosso objectivo é, sobretudo, prevenir o suicídio que ocorre nas cadeias portuguesas. Sabemos que o número de suicídios é dez a quinze vezes superior nas cadeias, face à população em geral. É o grupo de maior risco”, afirma Fernando Couto. O trabalho tem o apoio da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, que disponibiliza um número verde apenas divulgado dentro cadeias. A carta constitui o meio mais utilizado pelos reclusos para contactar a Voz de Apoio, essencialmente pela limitação do acesso ao telefone.
A equipa de voluntários responde a todas as cartas que na maioria descreve as lamentações dos reclusos devido à solidão e ao isolamento a que estão sujeitos. “Não fazem queixas em relação ao sistema prisional, mas sim lamentações ligadas ao sentimento de estar preso e longe de todos os laços que tinham, principalmente os familiares”, explica Fernando Couto.
Quanto ao público em geral, a ajuda passa por fazer baixar tensões nas pessoas que pensam em suicídio. Novamente, a principal causa é a solidão e a sensação de isolamento. “Nós asseguramos o anonimato, a confidencialidade e o não julgamento e essa é a base do nosso trabalho”. Os voluntários tentam que a pessoa se distancie do problema para que consiga adquirir capacidade crítica sobre o mesmo. Estatisticamente, ao logo este dez anos, a Voz de Apoio, atendeu mais pedidos de ajuda de homens, tipicamente entre os 30 e os 45 anos, mas nos últimos tempos a situação tem vindo a inverter-se. O meio mais utilizado é a linha telefónica e a carta, o email fica destinado aos públicos mais jovens, um número que também tem vindo a aumentar.
O responsável reconhece que o ideal seria manter o serviço aberto 24 horas por dia, mas não dispõem de meios para o fazer. Durante uma década de funcionamento já conseguiram fazer a cobertura de todos os estabelecimentos prisionais do país, além de diversos acordos com associações. Para o ano pretendem avançar com o atendimento presencial nas prisões, um projecto que está a ser estudado em conjunto com a Direcção dos Serviços Prisionais.
Fernando Couto reconhece a importância do papel dos técnicos, mas defende que a ajuda pode ser dada por qualquer pessoa. “Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, por ano suicidam-se no mundo à volta de 1 milhão de pessoas e provavelmente há 4 milhões que o tentam fazer, logo uma das linhas de orientação é de que esta é uma matéria que diz respeito a toda a sociedade”.
Com a chegada do novo milénio, os comportamentos suicidas em Portugal poderão estar a sofrer uma alteração, e para pior, segundo as conclusões de um seminário subordinado ao tema, realizado em Beja em Abril passado e promovido pelo núcleo distrital de Beja da Rede Europeia Anti-Pobreza. A solidão, o desemprego e o acesso à saúde podem potenciar casos de suicídio. A comprovar a mudança estão os dados relativos a 2002 e 2003 a nível nacional, que subiram de 5/6 para 12 atentados à própria vida consumados por cada 100 mil habitantes, sem que seja ainda possível aferir se existe uma “tendência estabelecida de crescimento”, ressalva José Henrique Santos, psiquiatra que integra o Departamento de Psiquiatria da Unidade Saúde Local do Baixo Alentejo, em declarações nesse encontro.
Dados divulgados pela Sociedade Portuguesa de Suicidologia referem que de 1998 a 2008 e no Baixo Alentejo, a média anual de suicídios foi de 53 casos. Contudo, o concelho de Odemira detém uma das maiores taxas de suicídios a nível mundial. Em 2007 foram contabilizadas 61 mortes por cada 100 mil habitantes, com o epicentro a situar-se na freguesia de Sabóia, com um dos maiores índices de suicídio em todo o mundo. O desemprego também parece estar directamente relacionado com a depressão que pode conduzir ao suicídio. Os dados estatísticos apontam que, quando aumenta o desemprego no país, aumenta o número suicídios. “Atendendo ao momento que Portugal atravessa, a Voz de Apoio mantém-se ainda mais alerta”, refere Fernando Curto.
Texto: Milene Câmara
Data de introdução: 2010-12-13