ASSOCIAÇÃO DO VOLUNTARIADO DO HOSPITAL S. JOÃO, PORTO

As batas amarelas são uma espécie de anjos da guarda dos doentes

Circulam pelos vastos corredores de bata amarela, naquele que é o maior hospital da região Norte. Ao princípio não se distingue muito bem qual é a função que desempenham. Até que se aproximam de um doente e perguntam se precisa de alguma coisa e, na medida do possível, tentam dar resposta ao pedido.
Os voluntários do hospital de S. João comemoram este ano 25 anos de existência e orgulham-se de ser a primeira instituição do género em Portugal. Actualmente constituídos como instituição particular de solidariedade social, são cerca de 350 voluntários distribuídos pelos diversos serviços do hospital.
O início remonta à década de 80, quando a fundadora, Teresa Salgado, constituiu um grupo de “visitadores” que iam de serviço em serviço levar uma palavra de conforto aos doentes e ser útil em algumas tarefas diárias.

Carlos Dias é presidente da instituição há três anos, médico de profissão, este dirigente enfatiza a importância do trabalho das “batas amarelas” no hospital. “Quem vive dentro dos hospitais apercebe-se que os profissionais, médicos, enfermeiros e auxiliares, têm tarefas específicas e não podem dar ao doente mais atenção, mais carinho ou até mais tempo e disponibilidade, e estas pessoas vêm preencher essa lacuna”. O médico lembra que as normas de gestão hospitalar são extremamente rigorosas e que a crescente evolução tecnológica contribuiu para uma desumanização da relação entre o doente e o profissional de saúde. “Há 30 anos, junto da cama dos doentes havia uma cadeira, todas as camas tinham uma cadeira, e o profissional de saúde, médico ou enfermeiro, sentava-se à cabeceira do doente, conversava com ele, sabia a história da família, a profissão, onde morava. Hoje não há tempo para isso e já nem existem essas cadeiras”.
O trabalho organizado começou em 1985, com 86 elementos. Foi necessário criar regras de conduta e normas de procedimentos até para não entrar em conflito com as tarefas desempenhadas pelos profissionais. Os voluntários estão divididos segundo os serviços médicos do hospital, desde a medicina, que comporta 200 camas de internamento, à pediatria, cirurgia, oncologia e urgência, entre outras áreas de actuação. Existe um coordenador de serviço e um coordenador geral que faz a ligação com a direcção da instituição.

Todos os dias da semana há batas amarelas a circular no hospital. Conceição Costa é voluntária há 25 anos. Começou por vir ajudar o marido internado à hora das refeições, mas acabou por auxiliar outros doentes que não conseguiam comer sozinhos. “O meu marido estava internado em traumatologia e havia pouco pessoal para dar a comida à hora das refeições e então, como eu vinha ajudar o meu marido, passei também a fazê-lo a outros doentes e desde aí que cá estou”, explica. Uma das enfermeiras apercebeu-se do trabalho que a senhora fazia e falou-lhe da associação e Conceição Costa tornou-se voluntária.

“O voluntário deve ter muita solidariedade, generosidade e disponibilidade e não deve, em situação nenhuma, interferir com a orgânica do serviço”, refere Carlos Dias. Para além do carinho e das pequenas ajudas, a associação montou uma cafetaria na zona da consulta externa e de onde retira algumas receitas para ajudar à sustentabilidade do projecto. É com esse dinheiro que conseguem, por exemplo, distribuir semanalmente “1500 a 1600 pequenos-almoços”, com os carrinhos com que animam os doentes à espera de vez. “Há gente que vem de longe e pode estar ali das seis da manhã até à tarde”. Nos carrinhos há 460 a 480 euros de bolachas tipo “maria” ou de água e sal por semana, 35 litros de leite por dia - este oferecido pelo hospital –, cevada e chá. Circulam também pelo serviço de sangue e pelo hospital de dia. E não, não servem apenas os doentes. Há os familiares deles. E até quem venha de fora do hospital só para o café com leite. “Já tivemos um grupo de crianças de bairros próximos que vinham cá comer”, conta Conceição Costa. Além disso, a instituição também recebe apoio da Cruz Vermelha Portuguesa e do Banco Alimentar.

Existe uma relação estreita com o serviço social do hospital e sempre que solicitada, a associação tenta responder a pedidos de roupa, de transporte, etc. “Há doentes a quem tem que se cortar a roupa quando chegam à urgência e depois ficam sem nada para vestir e nós tentamos ter sempre roupa no armazém para lhes dar”, diz o responsável. “E também chega para vestir os sem-abrigo”, acrescenta. Existe ainda dinheiro para o táxi dos idosos que recebem alta para ir para lares. Fazem também por ter o armazém sempre pronto a apoiar recém-nascidos que precisem. “Infelizmente há muita gente nessa situação e as assistentes sociais pedem-nos apoio”.

Os voluntários também transformaram a sala de espera da consulta de pediatria no “Jardim do Joãozinho”. Com a supervisão de uma educadora do hospital, duas voluntárias, ambas professoras já reformadas, brincam e desenvolvem actividades com as crianças doentes e à espera de serem atendidas ou de tratamento. Por mês passam pelo jardim mais de seis mil crianças.

Com cerca de 350 voluntários, a associação continua a receber muitos pedidos de pessoas que querem ajudar, mas existem critérios de admissão. “As pessoas candidatam-se, vêm a uma entrevista e se forem aceites passam um ano a estagiar num serviço acompanhadas por outro voluntário mais experiente. Assim, averiguamos se têm, de facto, aptidão para exercer o voluntariado com as especificidades que este tem”, explica Carlos Dias. Ao fim do ano, o grupo que é aceite na equipa participa numa cerimónia, onde confirma a sua vocação através de uma espécie de “compromisso de honra”. O encaminhamento para os diversos serviços é feito de acordo com as preferências de cada um, sempre que é possível.

A associação tem voluntários desde os 20 aos 80 anos, maioritariamente mulheres (74 por cento), distribuídos pelos serviços entre as 8 e as 24 horas, todos os dias da semana. Colaboram com o serviço de humanização do hospital e tentam melhorar o conforto dos doentes e familiares, por exemplo, com a oferta de televisões ou outros equipamentos. No Natal participam activamente na decoração do hospital e organizam um grande convívio. Periodicamente têm acções de formação e também dão apoio na criação de outras associações de voluntariado hospitalar noutras zonas do país.

“As batas amarelas já são parte deste hospital”, afirma o presidente da associação. Direccionam os doentes nas urgências, conduzem-nos pelos confins do edifício, ajudam-nos a comer, a deslocar-se aos tratamentos e a sorrir. “O diálogo é fundamental. A mão sobre a mão do outro, em silêncio, já diz que há uma presença humana do outro lado”, acredita Conceição Costa, que faz do voluntariado vida.


Texto: Milene Câmara

 

Data de introdução: 2010-12-13



















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