APCCOIMBRA

Reabilitar, habilitar e integrar

O ano de 2011 marcou o início de um novo ciclo na vida da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC), que este ano celebra o 37.º aniversário. E tal aconteceu pela pior das razões, ou seja, devido ao falecimento, em Junho último, de José Mendes Barros, fundador e único presidente da instituição desde 1975, data da criação do, então, Núcleo Regional do Centro da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral.
Porém, e porque a gestão da instituição nunca esteve apenas dependente de uma só pessoa, e apesar da importância que José Mendes Barros sempre teve na criação e crescimento da associação, a APCC, para além das questões emocionais, não sentiu a mudança de líder, o que é explicado pelo novo presidente, Antonino Silvestre, de forma elucidativa: “Costumo dizer que vim encontrar uma estrutura altamente profissionalizada composta por gente muito profissional”.
Antonino Silvestre, que está ligado à APCC desde a primeira hora, apesar de nunca ter integrado nenhum dos Órgãos Sociais, explica como tem sido este início de ciclo: “As dificuldades que sinto são as naturais de uma casa com a dimensão desta, mas são dificuldades inerentes à minha entrada para o cargo e não da estrutura da instituição, que essa está bem montada e a funcionar. Agora, há que simplesmente saber dar continuidade ao trabalho feito, sempre na perspectiva do interesse dos utentes”.

DE NÚCLEO REGIONAL A ASSOCIAÇÃO

Quando em 1975, um grupo de pais, amigos e técnicos meteram mãos à obra e fundaram uma instituição que desse resposta às necessidades das pessoas com paralisia cerebral e suas famílias, não apenas de Coimbra, mas de toda a Região Centro, apenas existia a lisboeta Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC), que levava já 15 anos de actividade.
Como em 1975 surgiu o Núcleo Regional do Centro da APPC, posteriormente e ao longo dos anos outros núcleos foram surgindo por todo o País, até que em 2005 se dá a definitiva autonomização destas estruturas, que na prática já o eram, e com o NRC a dar lugar à Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, filiada na FAPPC - Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral, formalizada em Maio de 2006.
Aquando da fundação do Núcleo Regional do Centro da APPC, a primeira acção da nova instituição foi a criação do Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral de Coimbra (CRPCC), direccionado para a reabilitação de crianças com paralisia cerebral, numa perspectiva essencialmente preventiva. Em Setembro de 1977, o CRPCC foi oficializado, passando a ter gestão própria. Seis anos volvidos, e com o propósito de dar continuidade ao processo de reabilitação dos utentes mediante a pré-profissionalização, a instituição recebe das mãos da Segurança Social a Quinta da Conraria, onde em 1989 arrancou a valência da formação profissional.
“No ano de 1983, que foi o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência, foi-nos lançado um desafio, pelo Centro Regional da Segurança Social, para criarmos no espaço da Quinta da Conraria respostas para pessoas com deficiência na área da formação profissional, que na altura se designava por preparação profissional”, relembra Fátima Januário, vice-presidente da APCC, acrescentando: “Numa casa muito degradada e com muitos problemas, criámos logo esse tipo de respostas e percebemos de imediato que o trabalho em parceria era o mais importante para alcançarmos os nossos objectivos”.
Hoje, a APCC divide-se, essencialmente, por três infra-estruturas, o Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral de Coimbra, a Quinta da Conraria e a Lar Residencial da Rua de Eça de Queirós, equipamentos que no seu conjunto empregam um total de 318 funcionários.

CEREJA EM CIMA DO BOLO

No sentido de dar resposta a uma das maiores angústias dos pais com filhos deficientes, com paralisia cerebral ou portadores de uma outra qualquer deficiência neurológica ou física, a associação conimbricense está a construir um equipamento a que, carinhosamente, vai dar o nome de «Envelhecer Juntos».
“Está em construção um Lar Integrado cujo nome é «Envelhecer Juntos». Este projecto nasceu da constatação que fizemos da preocupação das famílias face ao seu natural processo de envelhecimento e que se consubstancia na pergunta: «Quando eu morrer o que vai ser do meu filho?». Este equipamento cria condições para que a família possa continuar unida mesmo quando pais e filhos necessitam de cuidados”, revela Antonino Silvestre, que sublinha com satisfação: “Esta é a finalidade deste lar integrado e que é o ponto final de um longo percurso, que começou na primeira casinha alugada e que hoje é um dos nossos lares residenciais”.
O novo equipamento, construído de raiz na zona de Montes Claros, uma zona residencial no coração da cidade de Coimbra, está dimensionado para 40 pessoas e integra uma zona residencial, com quartos, sala de estar comuns e demais valências adequadas ao seu propósito, estando a inauguração prevista para o próximo dia 26 de Junho.

ACTIVIDADE ABRANGENTE

E se na génese da instituição esteve a paralisia cerebral, a verdade é que ao longo dos anos e à medida que foi crescendo, a APCC foi alargando o seu raio de acção a outras áreas da deficiência.
“Inicialmente, a instituição apoiava apenas pessoas com paralisia cerebral, mais tarde é que houve um alargamento face à experiência adquirida e também porque começaram a aparecer outros Centros de Reabilitação. Essa diversificação, em termos de apoio à paralisia cerebral, permitiu dar apoio a outras deficiências neurológicas e, por isso, hoje a nossa missão é, não só a área da paralisia cerebral, mas também as doenças neurológicas afins e outras situações similares. A abrangência é fruto da maior capacidade e disponibilidade de resposta que foram criadas, embora «ab initio» tenha sido criada apenas para a paralisia cerebral”, esclarece o presidente da APCC.
Fátima Januário, que é a responsável directa pelas valências sediadas na Quinta da Conraria, acrescenta que “a instituição envolveu logo a comunidade na sua actividade e, a partir daí, foi sempre crescendo em relação às actividades e a todas as pessoas com deficiência, fosse ela qual fosse”.
Nesse sentido, a APCC tentou rodear-se de parceiros que pudessem ajudar a alcançar mais facilmente o grande propósito da associação, que passa, sobretudo, pela reabilitação, habilitação e integração das pessoas portadoras de deficiência.
“Construímos um projecto em conjunto com algumas organizações e criámos diversas actividades que na altura tinham saídas profissionais. Depois candidatámo-nos à formação profissional e fomos adequando a nossa formação às necessidades do mercado de emprego com vista à integração no mercado normal de trabalho. No espaço da Quinta da Conraria também temos um Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) para pessoas que não podem integrar a formação profissional, porque têm deficiências mentais ou motoras graves”.

INTEGRAR NO MERCADO DE EMPREGO

Reabilitar, habilitar e integrar é o percurso que se pretende que os utentes percorram e, em termos de integração no mercado de trabalho os números são animadores, sendo certo que a crise que o País atravessa não ajuda. Mesmo assim…
“A integração no mercado de emprego decresceu, mas entre 1989 e 1992 tínhamos uma taxa de 85% de integração. Depois tivemos períodos de 70% e agora andamos numa base de 60%, mas é preciso ver que as pessoas que andam na formação são indivíduos que têm condições para integrar o mercado normal de trabalho”, sustenta Fátima Januário, exemplificando: “Alguns dos portadores de deficiência que aqui temos são pessoas que tiveram acidentes vertebro-medulares e mesmo que tenham deficiências mentais ou associadas são pessoas com condições para estar no mercado de trabalho”.
Fátima Januário destaca que “a abertura à comunidade é uma das grandes vitórias da instituição”, nomeadamente desde que a instituição passou a explorar a Quinta da Conraria, “onde se podem desenvolver actividades formativas para o cidadão dos mais variados tipos, como agricultura, pecuária, jardinagem, informática, etc.”.
“No fundo é um espaço aberto, onde estão também pessoas a fazer formação ao longo do trabalho… Agora, nunca descuramos a base da nossa intervenção, que é na paralisia cerebral, e o complemento importante que é a reabilitação e habilitação dessas pessoas para o mundo”, sustenta a vice-presidente da APCC.
Neste particular, há que destacar a forte componente de Desporto Adaptado da APCC, que tem no seu interior uma série de campeões em diversas modalidades, especialmente no Boccia, e sempre bastante representada nos Jogos Paralímpicos.
Importante na vida da instituição é a qualidade. A primeira certificação alcançada foi a do Centro de Formação Profissional, pelos referenciais ISO 9001, e, posteriormente, a do Centro de Reabilitação com o Nível I do EQUASS (Assurance), sendo que a instituição já está a trabalhar na candidatura para a certificação de excelência (Nível II).
Num País em que se estima haver cerca de 15 mil pessoas com paralisia cerebral, para além do projecto do Lar Integrado que está em marcha, o grande anseio dos responsáveis pela APCC passa por “manter a qualidade, dando continuidade e melhorando”, refere Antonino Silvestre, acrescentando: “É bom recebermos essas certificações, mas também nós próprios sentirmos que estamos a corresponder, quer nacional, quer internacionalmente. Em algumas coisas não vamos mais além porque as dificuldades são muitas, mas pessoalmente sinto um orgulho muito grande pelo trabalho feito”.

EQUIPAMENTOS E VALÊNCIAS

No Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral de Coimbra, sito na Rua Garcia de Orta, no Vale das Flores, onde também funciona a sede da instituição, são efectuados 2000 atendimentos. No Centro há uma série de serviços médicos, com especial incidência na terapia da fala, terapia ocupacional, fisioterapia, psicologia, serviço social, psicomotricidade, musicoterapia, hipoterapia, hidroterapia e snoezelen. Existe ainda uma Ludoteca, um espaço organizado em função da criança e que possui uma grande variedade de materiais entre brinquedos, jogos, livros e outros materiais lúdicos, e um Centro de Recursos de materiais lúdicos adaptados que promovam a interacção e a socialização das crianças com e sem deficiência. Apesar da crescente integração no meio escolar regular – “a paralisia cerebral em Portugal foi pioneira na integração no meio escolar regular e na sociedade”, recorda Fátima Januário –, o Centro está dotado de um Jardim-de-infância para crianças dos 2 aos 6-8 anos, com o intuito de desenvolver a autonomia, a cognição, a linguagem, a motricidade e a socialização; de uma Escola do 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico, cujo lema é desenvolver todas as capacidades que permitam fazer evoluir os aspectos cognitivos, a autonomia e a sociabilização dos alunos; e de zonas dedicadas à EVT - Educação Visual e Tecnológica, uma área muito querida dos portadores de deficiência.
No Lar Residencial da Rua de Eça de Queirós vivem 28 pessoas portadoras de deficiência, sendo que a APCC ainda presta Serviço de Apoio Domiciliário a 35 pessoas com paralisia cerebral.
Na Quinta da Conraria há uma residência que aloja 53 utentes, um CAO frequentado por 135 pessoas portadoras de deficiência, um Centro de Formação Profissional, no qual cursam 120 formandos, e ainda um Centro de Novas Oportunidades, um dos cinco inclusivos que existem no País, actualmente com 191 alunos, mas por onde já passaram 1034 desde que abriu portas.
Em todo o trabalho de integração realizado pela APCC, a Quinta da Conraria, com os seus 80ha, 13 dos quais aráveis e o resto edificados, desempenha um papel fulcral, pois a sua vasta área e seu aproveitamento, não só serve os utentes da instituição, como ainda a comunidade em geral, sendo frequente a visita de escolas, mas não só. A Quinta Pedagógica, a Quinta Aventura, a Quinta Biológica e o Picadeiro, um coberto e outro descoberto, apoiado por cerca de 40 boxes, que albergam cavalos da instituição, mas também de particulares, o que acaba por ser uma fonte de receita para a instituição. Para além de servir para as sessões de hipoterapia, o Picadeiro da APCC é ainda local de formação de utentes na área do tratamento de cavalos, onde trabalham já alguns dos jovens ali formados. Para além de todas as valências, a Quinta da Conraria permite ainda oferecer à comunidade zonas privilegiadas de passeio junto ao rio Ceira.
De resto, a quinta tem uma vasta área agrícola, que a instituição explora intensivamente.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2012-02-13



















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