Os tumultos que se seguem muitas vezes às consultas populares que se realizam em países africanos levaram já observadores internacionais a falar do perigo das eleições, uma expressão que põe em causa um princípio generalizado e dogmático: o da necessidade imperiosa do recurso a eleições como factor indispensável e sinal visível do progresso democrático no continente africano.
Para além de outros motivos, as tensões provocadas na África pelos resultados eleitorais têm, quase sempre, origem nas divisões étnicas e religiosas que caracterizam a maior parte desses países. Mas o chamado perigo das eleições pode ter outras causas e outras expressões, como se constata no processo de democratização resultante da chamada “primavera árabe”.
A enorme maioria dos países, e particularmente dos países ditos ocidentais, exultaram com as surpreendentes mudanças que, no espaço de menos de um ano, aconteceram no mundo árabe, e particularmente no norte de África. O fim dos regimes ditatoriais que dominavam esses estados só poderia ser ratificado e coroado pela realização de eleições livres e é isso que está a acontecer. O Egipto, por exemplo, não poderia escapar a esta regra.
E falamos particularmente do Egipto, por se tratar de uma potência que mantém, há anos, uma forte relação política com o mundo ocidental, incluindo o estado de Israel. Nos últimos cinquenta anos, e não obstante a emergência de algumas crises, o governo do Cairo sempre se portou como aliado fiel dos Estados Unidos. Era pois com grande expectativa que se aguardavam os resultados das últimas eleições, sobretudo porque participava no escrutínio o conhecido movimento dos “irmãos muçulmanos”, um grupo cuja ideologia tem a marca do extremismo religioso e político muçulmano.
Como se esperava e se temia, os “irmãos muçulmanos” venceram o escrutínio por maioria absoluta, o que coloca nas suas mãos a aprovação da nova constituição do país. Por outras palavras, as potências que tanto aplaudiram o processo democrático do mundo árabe têm razões para temer que o novo Egipto, nascido desta “primavera” não seja tão compreensivo para com o Ocidente, como foi Mubarak.
Por uma questão de coerência, os governos ocidentais têm de aceitar os resultados e até mesmo de se congratular com o clima de ordem e liberdade em que decorreram as eleições. Além disso, não devem estar esquecidos ainda do que aconteceu na Argélia, quando, nos anos noventa, os extremistas ganharam as eleições gerais realizadas na Argélia.
Uma coisa parece certa: o argumento de que os extremistas não podem chegar ao poder por via eleitoral já não tem hoje pernas para andar.
António José da Silva
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