CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

Questões sociais retêm doentes nos hospitais

Com as Estruturas Residenciais de Idosos, vulgo Lares, completamente lotadas e com enormes listas de espera, com o agravamento da situação económica do País e da população e ainda com o crescente envelhecimento desta, a pressão sobre os hospitais é cada vez maior, acabando muitos doentes por ficarem a ocupar camas, muitas vezes, necessárias para outros pacientes. A isto acresce ainda o deficit da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, actualmente com cerca de 7.000 camas, um número que tem vindo a crescer, mas que ainda está muito longe da meta traçada de 16.000 para o ano de 2016.
Neste particular, o ministro da Solidariedade e Segurança Social, Pedro Mota Soares, anunciou, ainda no primeiro semestre deste ano, a criação de 3.000 novas vagas, 800 das quais em Unidades de Cuidados Continuados.
Neste contexto os hospitais são obrigados a gerir de forma muito cuidada as altas médicas, no sentido de que os doentes possam prosseguir os seus tratamentos, quando necessário, ou seja, que possam ter uma continuidade de cuidados fora do ambiente hospitalar.
É na gestão destas situações que entra, não apenas a Equipa de Gestão de Altas (EGA), mas fundamentalmente os Serviços Sociais das instituições hospitalares, que, para além de atenderem às questões clínico-médicas, têm como alvo principal a situação social dos doentes.
Como refere, ao SOLIDARIEDADE, Isabel Ventura, directora dos Serviços Sociais do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), o que acontece, muitas das vezes, é que, “se do ponto de vista clínico-médico o hospital já não tem nada a oferecer a um determinado doente, em princípio ele está em condições de ter alta, mas se permanece apenas por razões sociais, entre aspas, há a chamada alta protelada por razões sociais”.
Estes internamentos prolongados, ou altas proteladas por razões sociais, como os técnicos lhes chamam, referem-se a pessoas que necessitam de uma continuidade de cuidados de saúde e para as quais o Serviço Social tenta encontrar soluções, muitas das vezes junto das IPSS da área de residência dos pacientes.
“Para os doentes, qualquer internamento é muito tempo, quanto mais depressa tiver um diagnóstico e uma terapêutica melhor… Para cada diagnóstico clínico está prevista uma média de internamento e se essa média for ultrapassada, já há um internamento prolongado, porque supostamente ultrapassou o que está previsto, como se costuma dizer, nos calhamaços clínicos”, sustenta Isabel Ventura, acrescentando: “A questão que se coloca em termos de Serviços Sociais são as altas proteladas por questões sociais. É aquela pessoa que está em condições de ter alta clínica, mas que por contexto social e familiar não reúne condições para regressar ao domicílio. Porém, o social e o clínico estão muito próximos, porque, por vezes, a situação de doença que trouxe a pessoa ao hospital modificou-lhe completamente as capacidades e a situação que tinha antes e em que podia viver em pleno, pelas razões da doença, alteraram-se. A família tem que se reorganizar, tendo que se criar outras condições para o doente, que antes não tinha”.
A directora do Serviços Sociais do CHUC avança com o exemplo dos casos mais frequentes e crescentes com que o departamento que dirige se depara, comparativamente às situações excepcionais: “Há doentes que têm alternativas no seio familiar e que podem escolher a que melhor se adequa à sua situação, mas isso é um privilégio de poucos, a maior parte dos doentes não as têm. Por exemplo, o doente que vive só e é idoso é a grande pressão do Serviço Social e das instituições… O idoso vivia sozinho num equilíbrio frágil e vem para o hospital. Muitas vezes a vinda para o hospital descompensa um pouco mais os idosos, criando-lhes algumas confusões, e quando regressam a casa fazem-no um bocadinho ainda mais debilitados. Se o equilíbrio já era frágil, pior vai ficar”.
Nestes casos os Serviços Socias têm que procurar alternativas, que na maioria dos casos passam pelas instituições locais.
“Temos que procurar dentro da sua esfera familiar alguém que assuma esta rectaguarda da supervisão das actividades da vida diária, se for só este o caso, ou então temos que ir para aqueles apoios institucionais de Centro de Dia ou de Apoio Domiciliário”, explica Isabel Ventura, prosseguindo: “Por outro lado, se não reúne mesmo condições nenhumas de regressar ao domicílio põe-se a questão da institucionalização. E há situações, a que costumo chamar de apoios mistos, que requerem algum apoio da família, do apoio domiciliário e até do apoio do Centro de Saúde, que não são de cuidados continuados, mas de continuidade de cuidados… Portanto, temos que ir por essas soluções mistas. Quando há necessidade mesmo de encontrar uma instituição, é difícil ter uma resposta”.

VAGAS PROCURAM-SE

A responsável pelos Serviços Sociais do CHUC aponta a situação da institucionalização como o grande problema e a grande pressão sobre a unidade hospitalar. A falta de vagas é permanente, apesar do gradual, mas ainda escasso, aumento do número de camas, tanto em lares como em Unidades de Cuidados Continuados.
“Quando não há ninguém da família e o doente já vivia num equilíbrio frágil e na altura de sair do hospital não tem capacidade de regressar ao domicílio, por grande dependência, só nos resta a solução institucional. E esta, ou é continuidade de cuidados pela Rede de Cuidados Continuados ou o Lar. Em termos de Segurança Social, há aqueles lares que têm comparticipação do Estado e que têm um número de vagas para estas situações, mas também têm as suas contingências e o que acontece é que, no imediato, não há vagas, pelo que são situações que também demoram”.
Muitas vezes, em relação a doentes que permanecem no hospital mais tempo do que o necessário, fala-se em abandono por parte das famílias. Contudo, Isabel Ventura recusa essa qualificação: “Não considero que as famílias abandonem os seus idosos, são poucos os casos em que as famílias se demitem. Num hospital desta dimensão se aparecerem dois ou três casos é muito. Agora, há idosos sem família, que fazem um percurso de vida com poucas relações de vizinhança e que levam uma vida solitária por opção e que são os casos mais difíceis. E quando chegam a este ponto de completa dependência, como não criaram laços com ninguém, só lhes resta a institucionalização como alternativa. Só que a instituição demora a aparecer, demora para o doente, para o hospital e para os profissionais… A solução não surge com a facilidade com que todos queríamos, que era a transição rápida para essa instituição que responderia às necessidades do doente”.
No CHUC, segundo Isabel Ventura, “os casos de abandono não são mais do que dois, três por ano, depois uma dúzia de situações de pessoas que vivem sozinhas, mas o que há mais são casos de pessoas que têm família, mas não reúnem condições, nem financeiras, nem humanas, para dar o apoio que os doentes necessitam”.
É aqui que as Unidades de Cuidados Continuados surgem, igualmente, como “resposta social”, refere Isabel Ventura, acrescentando: “Aliás, costumo dizer que tem sido uma resposta social às tais situações em que os doentes têm família, mas não têm condições para regressar a casa e até têm justificação clínica… As Unidades são uma resposta social, mas não é esse o primeiro objectivo, que é sim dar uma continuidade de cuidados em função das necessidades do doente”.
Por outro lado, as altas proteladas por questões sociais estão em crescendo, apesar de existirem diversas instituições privadas com camas vagas. No entanto, as mensalidades que praticam estão longe das possibilidades da esmagadora maioria da população.
“A maior parte da população com que lidamos e necessita destes serviços não tem os montantes exigidos nessas instituições privadas. Os idosos não podem e as famílias também já não podem ajudar”, refere a directora dos Serviços Sociais dos CHUC, que revela uma alteração na postura destas instituições privadas: “Uma coisa que se nota é que determinadas instituições privadas já começam, elas próprias, a fazer uma avaliação das situações e, embora tenham determinados patamares para as mensalidades, já fazem alguns ajustes em função da situação. Isto são as consequências da crise, em que as próprias instituições privadas se disponibilizam a fazer alguns acertos para poderem ter clientes”.

IPSS ESSENCIAIS

Em todo este contexto o papel das IPSS é fundamental, pois são quem está no terreno e melhor conhece a realidade e o ambiente local dos doentes.
“Na minha perspectiva de assistente social e como responsável dos Serviços Sociais do CHUC, todos os casos de pessoas sós que passem pelo Serviço Social, e nós não chegamos a todos, têm que ser sinalizados para instituições locais. Embora as soluções não sejam todas óptimas, mas as possíveis, há a preocupação do assistente social para que um idoso que viva só não permaneça sem uma ligação à comunidade, através das instituições oficiais ou particulares. E as IPSS aqui têm um papel fundamental em termos de comunidade”, defende Isabel Ventura, destacando o papel das instituições do sector solidário: “Há uma grande relação entre o Serviço Social do hospital e as IPSS e nem pode ser de outra maneira. O Serviço Social tem poucas soluções internas e muitas das soluções para os doentes e para as famílias estão no exterior do hospital e são as IPSS que têm projectos, como o Apoio Domiciliário e outros, que podem responder. Depois, há projectos de desenvolvimento e atendimento local nos quais as IPSS estão todas envolvidas na comunidade”.
Entre a unidade hospitalar e as instituições sociais que estão no terreno a ligação é fácil e complementa-se.
“Começa logo pelo diagnóstico das situações, porque nós recebemos doentes de todo o País… Portanto, o diagnóstico começa com o estudo do doente e da família e, depois, é sempre complementado com algum contacto com o exterior, por exemplo, com alguma IPSS, com a qual se pretende saber se o doente já é seu utente ou não e/ou se estão disponíveis para dar algum apoio. Por vezes, quando começamos o estudo vamos logo tentando prevenir alguma situação e vamos vendo o que é que a comunidade tem em termos de recursos”, explica Isabel Ventura, que aponta o papel das IPSS como fundamental na elaboração de um diagnóstico mais completo: “As IPSS, como estão na comunidade, conhecem bem a realidade e dão indicações preciosas para completar o diagnóstico do doente”.
Para Isabel Ventura, “é importante fazer a avaliação, ter atenção às necessidades todas do doente e ter atenção em dar continuidade”, sublinhando a incapacidade dos Serviços Sociais em dar essa continuidade fora do hospital, destacando, no entanto, que “há outros técnicos na comunidade que o podem fazer”.
Por isso releva que “o Serviço Social não funciona isoladamente, mas procura trabalhar em rede com as instituições que estão espalhadas pelo território”.
Isabel Ventura, vestindo a bata branca de assistente social, salienta que a sua missão é que os doentes tenham o melhor tratamento possível e que a continuidade seja a melhor possível: “Está na carta dos direitos dos doentes internados, que a continuidade dos cuidados é um direito. Por isso, é importantíssimo que o Serviço Social avalie os doentes e que tenha a preocupação dessa continuidade, seja através dos familiares ou das instituições. A partir do momento em que um doente é avaliado e faz a transição para a comunidade, esse doente tem que ficar sinalizado, porque uma sinalização com a instituição certa é importante para o doente não ficar isolado”.
E um doente não ficar isolado e sem apoio é a missão não apenas do hospital como das instituições sociais, que na maioria dos casos são quem vale a essas pessoas quando não existe mais ninguém.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2013-10-17



















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