ESTUDO RETRATA SITUAÇÃO DAS IPSS E PROBLEMAS DECORRENTES DA PANDEMIA DE COVID-19

Persistência de problemas antigos e relevância das virtudes de um sector essencial

Retratar a situação das IPSS portuguesas, registando e dando visibilidade aos problemas decorrentes da pandemia de Covid-19 foi o ponto de partida para dois investigadores da Universidade Católica do Porto e resultou num estudo, ainda em fase final de elaboração, que, apesar de reportar a um período muito específico de tempo, evidencia a persistência de problemas antigos e, nalguns casos, o seu agravamento, mas também releva muitas das virtudes das IPSS e o fundamental papel que desempenham na sociedade portuguesa. O trabalho, mais qualitativo do que quantitativo, sublinha ainda as necessidades de reforço de financiamento e de recursos humanos, maior cooperação institucional, com o Estado e congéneres, e de reconhecimento do sector pela sociedade.
Na sequência do primeiro estado de emergência a que Portugal esteve sujeito em março de 2020 e do decorrente do confinamento geral do país, pomposamente denominado de isolamento profilático voluntário, os docentes Filipe Pinto e Filipe Martins, da Universidade Católica Portuguesa, do Porto, viram parte da sua atividade direta com as IPSS interrompida.
As diversas formações, em vários pontos do país, foram suspensas e os dois docentes, que integram a ATES – Área Transversal de Economia Social, decidiram avançar para a composição de um retrato das IPSS em tempo de pandemia, socorrendo-se dos depoimentos dos seus formandos, na esmagadora maioria dirigentes de IPSS.
A intenção foi, através de uma iniciativa solidária dos investigadores e da própria Universidade Católica, dar visibilidade aos problemas decorrentes da pandemia.
“O impacto que a pandemia estava a ter e também a grande invisibilidade que existia durante o grande confinamento de março e abril, do sector social, pois não se sabia o que se estava a passar e o que se sabia eram más notícias, levou-nos a tentar contribuir, até porque, como estamos próximos das IPSS, sabíamos que o que se estava a fazer no terreno era muito mais rico, mais importante e de valorizar do que o que vinha cá para fora”, revela Filipe Martins.
“Os dois grandes objetivos foram, por um lado, mapear o que foi a pandemia na vida das instituições e dos seus beneficiários e, depois, esta preocupação de dar visibilidade ao seu trabalho e dar algum contributo para saber quais as dificuldades e também as estratégias e dinâmicas que implementaram”.
Das conversas informais com esses dirigentes/formandos, os dois investigadores elaboram um curto questionário, em que de uma forma mais qualitativa do que quantitativa se pudesse fazer um retrato dos efeitos da pandemia nas instituições associadas da CNIS.
Salvaguardando que a imagem que o estudo reflete refere-se à primeira fase da pandemia, sabendo-se que estamos a entrar numa nova situação extremamente grave, os investigadores recolheram respostas de 329 instituições, inquérito que durou do fim de junho ao dia 30 de julho de 2020, “uma altura em que já se estava em desconfinamento e de acalmia, mas as respostas reportam-se ao período anterior”, ressalva Filipe Martins.
Sobre a amostra, Filipe Pinto sustenta que “é extrapolável para o universo das instituições associadas da CNIS”, já para o todo nacional “é mais sensível”.
A amostra representa todos os distritos do território continental, com especial incidência nos distritos do norte do país: Porto (66 IPSS), Braga (37), Aveiro (36), Lisboa (35), Leiria (29), Coimbra (20), Santarém (19), Faro (9), Guarda (8), Évora (8), Castelo Branco (8), Bragança (7), Portalegre (6) e Beja (3).
“Tendo em conta a amostra, encontramos algum conforto para tiramos algumas ilações importantes”, sustenta Filipe Pinto, numa altura em que o trabalho de fundo de análise dos dados ainda estava grandemente por realizar. Mesmo assim, os investigadores aceitaram falar ao SOLIDARIEDADE, dando conta do trabalho já realizado.
Apesar do tratamento estatístico, o estudo tem uma vertente mais qualitativa do que quantitativa.
“Este é um estudo misto, mas com predomínio qualitativo”, começa por dizer Filipe Martins, explicando: “Podemos quantificar um conjunto de elementos, mas sempre baseados na perceção de quem está a responder e não em elementos objetivos, como os financeiros ou de números de utentes. E há um conjunto de perguntas abertas para que as instituições dessem detalhe descritivo e qualitativo nas respostas. O que queríamos era auscultar, mais do que aferir ou avaliar. Queríamos auscultar quem está no terreno para que nos dissesse o que é que se estava a passar, do que é que precisava e o que espera”.
Assim, os investigadores elaboraram um questionário que desse resposta aos quatro principais objetivos do estudo:
- Mapear as medidas de contenção adotadas pelas IPSS portuguesas para fazer face à pandemia de Covid-19 e identificar os seus impactos na gestão e na atuação das IPSS;
- Caracterizar os impactos da pandemia de Covid-19 nas necessidades dos beneficiários das IPSS;
- Sistematizar e dar visibilidade aos recursos (materiais, humanos, institucionais) mobilizados e às respostas inovadoras adotadas pelas IPSS para fazerem face às necessidades (permanentes ou novas) dos seus beneficiários;
-  Identificar as necessidades das IPSS portuguesas para responder ao momento atual de combate à pandemia de Covid-19.
Num superficial olhar aos resultados do estudo, fica, desde logo, na retina que, mesmo nos momentos mais difíceis, e a pandemia tem sido seguramente o período de tempo mais difícil na vida coletiva das IPSS, as instituições demonstram uma enorme resiliência, uma capacidade de adaptação extraordinária, um abnegado voluntarismo e espírito de solidariedade, uma imensa criatividade e capacidade de se reinventarem e uma força que parece não ter fim, apesar do grande cansaço reportado.
Assim, como deram conta os dois investigadores da Católica, quanto às medidas de contenção adotadas pelas instituições e o impacto que tiveram nas suas gestão e atuação, é possível aferir que houve “flexibilidade e rapidez na adaptação à nova realidade” e ainda “flexibilidade na gestão de pessoas, com empenho dos próprios colaboradores”.
Sim, por exemplo, sabe-se que foram muitos os trabalhadores que fizeram turnos de duas semanas, pernoitando nas instituições para assim melhor se protegerem e aos utentes, tal como muitos trabalhadores de respostas encerradas como creches foram ajudar nas outras que permaneceram em funcionamento.
No que toca à segunda dimensão do estudo, ou seja, os impactos nos utentes, o estudo revela que as instituições têm “conhecimento direto dos problemas [que cresceram em várias vertentes]” e “estão próximas das populações”.
Para além disto, aponta o “isolamento e um conjunto de consequências de saúde psicológica” como os impactos mais significativos nos utentes, a que se juntam as “dificuldades económicas, resultantes do desemprego e do aumento das despesas no contexto familiar.
Os resultados indicam ainda, como impactos indiretos, “a sobrecarga dos cuidadores informais e dos pais”.
Aliás, “as instituições preveem que haja um aumento das dificuldades financeiras, do desemprego, dos problemas de saúde mental, da violência doméstica e dos maus tratos e negligência a crianças e jovens”, refere Filipe Pinto.
Já na terceira dimensão do estudo, “os três principais desafios apontados pelas IPSS para responder às necessidades dos seus beneficiários, tendo em conta o gradual processo de desconfinamento, foram as dificuldades financeiras (62,6%), a falta de recursos humanos e/ou com competências suficientes (35,3%) e a implementação dos planos de contingência e manutenção da capacidade de resposta (33,1%)”.
E porque nas IPSS o trabalho é “de pessoas para pessoas”, não estranha que seja transversalmente referidas “a dedicação extraordinária e solidariedade dos trabalhadores das instituições, tal como das “comunidades, com a mobilização solidária e criativa de utentes, vizinhos e colaboradores”.
Também ressalta do estudo a “articulação com outras IPSS, municípios e entidades locais de saúde”, o que demonstra a grande capilaridade e espírito de cooperação das instituições sociais.
Quanto às necessidades para responder ao de combate à pandemia de Covid-19, as instituições colocam à cabeça a questão dos “equipamentos de proteção individual e de produtos de higienização (86%)” e, depois, “o reforço de financiamento por parte do Instituto da Segurança Social ou outra entidade estatal (75,4%) e ainda o reforço de pessoal operacional da IPSS (49,2%)”.
No entanto, nesta dimensão cabe ainda uma vertente política, com as instituições a reclamarem um “aumento de financiamento e da cooperação interinstitucional com as instituições públicas da esfera social e da saúde”, um maior “trabalho em rede com instituições congéneres”, também a “valorização do pessoal técnico” e, por fim, exigem o “reconhecimento do sector por parte da sociedade”.
Em resumo, pode dizer-se que o estudo de Filipe Pinto e Filipe Martins, apesar de se debruçar sobre um período específico e datado, evidenciam, por um lado, problemas antigos, alguns deles agravados pela pandemia, mas também as virtudes de um sector, que nem a incerteza nem as dificuldades deste tempo pandémico fez esmorecer. Bem pelo contrário, como se vê nos encómios endereçados pelos dirigentes aos seus trabalhadores.
“É preciso ressalvar que pela altura em que o questionário foi enviado às instituições, já passada a fase mais crítica da primeira vaga da Covid-19 e já se estando a viver algum alívio, as respostas já carregam um pouco desse mesmo alívio. E se fosse agora, seguramente, algumas respostas seriam diferentes”, salvaguarda Filipe Pinto que, juntamente, com Filipe Martins, pretende terminar brevemente o estudo e apresentá-lo publicamente.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2021-01-14



















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