1 - Na Área Metropolitana do Porto encontra-se em execução, há já alguns anos, um projecto de investimentos públicos, nacionais e comunitários, de grande importância para a mobilidade dos cidadãos que nela residem ou a ela acorrem - o Metro do Porto.
A ideia é boa. O Porto, e a sua área de influência, foi durante muitas décadas subalternizado no que diz respeito aos gastos públicos para a melhoria de vida das pessoas, já que as prioridades políticas sempre elegeram a capital do império para beneficiar das grandes obras do regime.
O 25 de Abril pareceu, a princípio, dar um safanão nesse centralismo que é a principal causa do nosso atraso como país, mas breve as pulsões mais conservadoras que têm constituído a nossa matriz desde, pelo menos, o Ultimatum reconduziram as coisas aos carris do país do respeitinho, como lhe chamava o Alexandre O’ Neill.
De sorte que, voltando atrás, foi boa a ideia de dirigir para a região do Porto este grande caudal de investimentos que é o Metro - embora com 50 anos de atraso em relação a Lisboa.
2 - Quem manda no Metro é um Conselho de Administração, constituído, no essencial, por autarcas do PS e do PSD da Área Metropolitana do Porto, que reproduziram a nível inter-
-municipal a receita que vem sendo aplicada nos municípios em singelo: a criação de empresas municipais, verdadeiros ninhos de emprego das clientelas partidárias, que prosseguem a utilidade suplementar de assegurar um arredondamento dos vencimentos dos respectivos autarcas.
De tal sorte que, nisto, o Bloco Central está vivo e recomenda-se. Ou, como diria o Pessoa, é um "cadáver adiado que procria".
Há ainda no Metro uma Comissão Executiva, que, como o nome indica, executa a obra do Metro, na dependência do Conselho de Administração.
3 - Nos últimos tempos a Metro do Porto tem andado nas bocas do povo, e nas páginas dos jornais, normalmente por más razões.
Em primeiro lugar, a empresa não ficou de fora da investigação que a PJ tem levado a cabo no âmbito da operação "Apito Dourado", que envolve, como se sabe, a tríade de autarcas/futebol/empreitadas de obras públicas.
Na última semana, todos os elementos do Conselho de Administração e da Comissão Executiva do Metro do Porto foram chamados à PJ a fim de serem ouvidos quanto a uma acusação de favorecimento numa adjudicação de uma empreitada.
As outras más razões têm que ver com o estilo de actuação da empresa, que tem sido acusada por várias entidades prestigiadas da cidade do Porto de não ouvir os interesses envolvidos e afectados pelo desenvolvimento da obra e de menosprezar a legitimidade dos meios para atingir o fim em vista - a rápida conclusão da empreitada.
Uma destas questões é a da passagem do Metro junto do Hospital de S.João, que a empresa quer fazer à superfície, entendendo os médicos, enfermeiros e utentes do Hospital que deve passar em corredor subterrâneo, invocando a perturbação do acesso ao Hospital e os riscos para a vida dos utentes decorrentes da opção à superfície.
Houve na semana em curso uma reunião na Câmara do Porto - o Presidente da Câmara do Porto é o Presidente do Conselho de Administração do Metro -, para tentar um acerto de posições, tendo aí o Presidente da Comissão Executiva menosprezado os riscos para os utentes por via da circulação à superfície, invocando que nos troços da linha já em exploração a dita circulação à superfície tinha originado apenas uma vítima, em Matosinhos, e que se tratava de uma surda-muda.
4 - É este último pormenor - esta traição de linguagem - a razão de puxar o assunto a esta crónica.
Andamos, há décadas, quer no discurso dos políticos, quer na prática das nossas instituições, a defender a inclusão de todos, e a dizer que a todos pertence por igual o mundo e os seus recursos - sejam pobres ou ricos, do norte ou do sul, homens ou mulheres, sãos ou doentes, brancos ou pretos ou amarelos ou índios, deficientes ou sem handicaps -, e surge--nos, de vez em quando, na volta do caminho, um gestor dos dinheiros que são nossos, e que são muitos, a mostrar que não percebe o mundo que queremos construir. E que, portanto, a questão de saber se tal gestor é competente, nesta perspectiva da inclusão, para tomar tão grande parte na construção desse novo mundo - a que o Metro pertence - é uma questão a colocar.
Pensei até que o Presidente da Câmara do Porto, e do Metro, que em boa hora instituiu na cidade a figura do Provedor do Deficiente, não deixaria passar a oportunidade para chamar à ordem o referido alto responsável, e corrigir o tiro - e o atirador. Mandando-o calar; ou demitindo-o.
É certo que temos autárquicas por perto - e não há político local que não goste de apresentar obra pronta, mesmo os que mais conclamam contra o betão e o desperdício.
Já agora, que está a correr o processo de designação de candidatos às eleições autárquicas, e com estes cruzamentos entre autarquias, futebol e empreitadas, a minha proposta é a de que, para se ser candidato, pelo menos na Área Metropolitana do Porto, a que pertenço e que mais me interessa, depois da necessária unção do aparelho partidário, seja também mister um selo de garantia.
O mesmo princípio vale para as empresas municipais.
Para entidade certificadora, proponho a Drª Maria José Morgado.
Não estou a brincar. O ar ficava mais respirável.
* Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde
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